Março de 1940: tropas alemãs atravessaram a Dinamarca e
derrotaram as unidades anglo-franco-norueguesas que defendiam a Noruega.
Maio, 1940: as divisões “panzers” alemãs invadiram
Holanda, Bélgica e Luxemburgo.
Junho, 1940: a vez do drama de Dunquerque, com o cerco
alemão às tropas anglo-francesas no Canal da Mancha.
Julho, 1940: as tropas francesas se evaporaram. No dia 14,
tropas alemãs entraram em Paris sem encontrar qualquer resistência.
Os alemães dividiram a França. O velho Marechal Pétain,
simpatizante do fascismo, negociou um armistício com os nazistas. Logo um
governo fantoche estabeleceu-se em Vichy, e uma fronteira foi erguida entre a
parcela da França ocupada militarmente, que, logicamente, incluía Paris e o
“novo Estado provisório”. A Assembleia Nacional Francesa foi deslocada para
Vichy, uma vez um terço de seus deputados tendo sido presos, decidiu dar
poderes a Pétain para promulgar uma nova constituição semelhante à implantada
por Mussolini à Itália.
A palavra colaboracionismo, aquele que colabora com os
inimigos da Pátria, deriva do francês “collaborationniste”. O interessante é o
fato histórico de ter sido introduzida pelo próprio Pétain no linguajar
político. Em discurso radiofônico pronunciado em outubro de 1940, ele exortou
os franceses a colaborarem com o invasor nazista.
A colaboração com o nazismo foi um fator de desagregação
nacional da França, tendo abrangido quase todas as classes sociais. O escritor
católico François Mauriac, Nobel de Literatura de 1952, fez questão de escrever
ainda em 1943 que “apenas a classe operária permanecera fiel à Pátria”.
Ora, na França ocupada as delações aconteciam todo o
tempo. Simone de Beauvoir conta alguns casos por ela vivenciados como, por
exemplo, o de Bella, “a tcheca que vivia com o pintor Jausion, presa pela
Gestapo denunciada pelo sogro” e jogada para morrer num campo de concentração. Fernando
Gerassi, que lutara na Espanha Republicana e residia na França, foi denunciado
pelo famoso pintor russo simbolista, Nicolas de Stael ( hoje seus quadros
alcançam somas superiores a um milhão de dólares). Stael vivia em Montparnasse
e agia como provocador à soldo da polícia. Após a libertação, entrou em
depressão e suicidou-se em 1955.
A polícia de Vichy, curiosamente denominada de “A
Milícia”, que foi comandada pelo francês Joseph Darnand, fez mais pela Gestapo
do que a própria Gestapo esperava e com muito mais zelo que qualquer alemão.
Darnard foi agraciado a insígnia de SS.
Antes mesmo que determinados fatos fossem conhecidos já
era aparente que a maioria dos policiais, dos funcionários públicos franceses,
havia zelosa e alegremente perseguido judeus, promovido infiltrações nos grupos
de resistência, feito fortunas graças a subornos e gratificações oferecidas por
agentes de Hitler.
A respeito do povo francês desta época, Sartre escreveu
“somos meio abortos, meias-porções, meio animais. Só o que podemos fazer é
trabalhar para que os que vierem depois de nós não se pareçam conosco”.
Como conta Gilles Perrault em Lire, n. 141, publicada em
1987: “No final de 1943, para cada agente da Abwehr ou da Gestapo estacionado
em Paris havia entre quarenta e cinquenta agentes franceses. Foram estes que
assestaram os golpes mais duros na Resistência… Nenhuma profissão, nenhum corpo
do Estado foi poupado”.
Enquanto isso ocorria, ao contrário do que se possa
pensar, para a elite e para a maioria da classe média que vivia em Paris a
ocupação nazista, que durou quatro anos (1940 /1944), não foi tão má quanto
poderia parecer, afirma Gerassi, o biógrafo mais importante de Sartre.
O metrô funcionava bem, os teatros faziam sucesso, os
bares e os restaurantes viviam cheios. É bem verdade que o café não era mais o
mesmo, que a bebida tinha uma qualidade discutível, que a suástica drapejava
sobre as Tulherias, sobre a Câmara dos Deputados e sobre o Palácio de
Luxemburgo. Também é verdade que a tropa alemã descia diariamente os
Champs-Élysées, sempre ao meio-dia e meia, marchando a passo de ganso; que a
Torre Eiffel amanhecera, num dia de verão de 1940, adornada com um V gigantesco
( o mesmo sinal utilizado por alguns políticos brasileiros como governador
Dória), acompanhado por um cartaz que dizia: “Deutschland siegt auf Allen
Fronten”, ou “A Alemanha vence em todas as frentes”.
As elites e as classes médias altas comiam muito bem,
graças tanto às ligações mantidas ente a cidade e o campo quanto ao mercado
negro, tolerado e mancomunado com a autoridade de ocupação.
“Festa Continuou”, diz Riding, em referência ao círculo
intelectual e artístico daquela cidade então considerada a capital cultural do
mundo. A rigor, não houve nada no mundo do entretenimento e das artes de Paris
que tenha sofrido durante a ocupação; a festa simplesmente seguira adiante. Os
cinemas, por exemplo, viviam cheios, pese o banimento das películas
norte-americanas e do jazz, porque, de acordo com um jornal colaboracionista,
tinham um sabor “negro-judeu”.
A grande maioria dos artistas e dos intelectuais,
simplesmente continuou sua vida normal, tentando ganhar o pão de cada dia, como
se os alemães não existissem.
A divisão clássica sobre a conduta dos franceses durante
os anos da ocupação, entre heroísmo e covardia, que permanece em romances e
filmes, a começar pelo inevitável “Casablanca” é pura ficção. De um lado
estariam os cidadãos decentes e patriotas, que optaram pela Resistência e vão
combater o invasor na clandestinidade; de outro ficariam os colaboradores ou
traidores, que continuam levando sua vida de sempre, convivendo em paz com o
ocupante e ajudando-o a governar. Riding, entretanto, assim como Gerassi,
recusam-se a aceitar essa divisão. Seus livros revisitam a vida real da gente
real na Paris ocupada – e aí entramos numa zona de sombra onde é inútil
procurar respostas em preto e branco.
Por outro lado, num país onde os intelectuais e artistas
eram reverenciados como “entes superiores”, e no qual a população era educada
para reverenciar suas teorias e atitudes, o mundo cultural teve maiores
responsabilidades pelo colaboracionismo com o nazismo.
Alguns cantores como Maurice Chevalier e Édith Piaf
realizaram tournées musicais nos campos de prisioneiros de guerra franceses com
cachês pagos pelos nazistas, fornecendo propaganda do “bom tratamento” dado a
eles pelos carcereiros.
Escritores como Céline colaboraram ativamente na França e
na Itália fascista. As atrizes Danielle Darrieux e Viviane Romance esqueciam as
barbáries praticadas pelos nazistas enquanto realizavam turismo através da
pátria do nacional- socialismo hitlerista. Coco Chanel vivia em sua suíte no
Ritz com um alto oficial alemão e encantara-se com os valores raciais nazistas.
Le Corbusier, canonizado em vida como modernista por arquitetos
do mundo inteiro no pós-guerra, inclusive no Brasil tendo sido um dos
inspiradores da cidade de Brasília, grudou nas autoridades de ocupação em busca
de verbas para seus projetos; afirmou, tentando agradar ao governo de ocupação,
que “a sede dos judeus por dinheiro havia corrompido o país”.
André Gide, o autor de “Os falsos moedeiros”, que
receberia o Nobel em 1947, espertamente disse: “Prefiro não escrever nada hoje,
que possa me deixar arrependido amanhã”.
Picasso optou por permanecer em Paris durante a ocupação,
vendendo discretamente seus quadros, e recusou-se, por covardia, a assinar uma
petição pela liberdade de um amigo, o poeta Max Jacob, preso pela Gestapo –
documento que até mesmo colaboracionistas assinaram. Jacob morreu no infame campo
de concentração de Drancy.
O editor Bernard Grasset, o primeiro a editar Proust em
1913, chegou quase a implorar a Joseph Goebbels o direito de publicar na França
a “obra magistral” do sumo sacerdote da propaganda nazista.
Sacha Guitry, ator e cineasta de renome no pós-guerra,
tornou-se íntimo do embaixador do III Reich, Otto Abetz. Tino Rossi, um dos
melhores tenores da época, interpretou na Ópera de Paris exclusivamente para a
alta oficialidade das tropas de ocupação.
Os escritores Drieu de La Rochelle e Robert Brasillack
viajaram a Nuremberg para aplaudirem Goebbels. Os artistas plásticos Derain,
Vlaminck e Maillot cruzaram o Reno para receberem medalhas por seus trabalhos,
outorgadas pelos invasores da de sua Pátria.
Gallimard, o editor de Sartre, nomeou Drieu de La Rochele
como editor da prestigiada revista Nouvelle Revue Française, a qual, então,
editou traduções de escritores nazistas. É verdade que se livrou de editar Les
Décombres, um lixo literário de exaltação aos “heróis do nazismo”, escrito por
Lucien Rabanet, que, entretanto, terminou publicada pelo editor Denoel.
Em 1941, nada menos que duas mil obras e mais de
oitocentos e cinquenta escritores haviam sido banidos e todos os editores, com
exceção de Emile-Paul, o aprovaram. O Presidente da Associação dos Editores
Franceses, René Philippon disse “que essas disposições (listas de proibições),
não criam grande problema para a atividade editorial, pelo contrário,
possibilitam o desenvolvimento do pensamento autenticamente francês… e estimulam
a união dos povos.”
A resistência antifascista.
Ao lado de tantas atitudes covardes, oportunistas e
pusilânimes, centenas de intelectuais e artistas dignificaram a espécie humana.
Muitos foram assassinados, quer por se negarem a colaborar ou por participarem
na resistência contra o inimigo invasor e o fascismo. A guisa de exemplo, no
grupo mais próximo da “Academia”, podemos citar o filósofo Georges Politzer,
preso e torturado até a morte pela Gestapo; o também filósofo Jean Cavaillés,
líder dos maquis, preso, torturado e carregado para o fuzilamento; Yvone Picard
e Antoine Bourla ambos alunos do Lycée Pasteur, mortos num campo de
concentração; Alfredo Peron, preso pela polícia francesa, morreu sob tortura
nas mãos da Gestapo. O célebre comboio de janeiro de 1943 levou para Auschwitz
resistentes franceses (judeus, não-judeus) entre os quais viúvas de fuzilados
como Maï Politzer, esposa de Georges Politzer, Hélène Solomon, filha do grande
sábio Paul Langevin e mulher do escritor Jacques Solomon.
Sartre juntamente com Merleau- Ponty, Simone e alguns
amigos e alunos, formou um pequeno grupo de “resistência intelectual” e o
batizaram de “Socialismo e Liberdade”. Seu local de encontros e trabalho
predileto era o Café de Flore. Entretanto, o grupo esvaziou-se rapidamente por
não conseguir agrupar outros intelectuais a suas ideias e pelo medo
disseminado.
Lettres Françaises, revista fundada em 1942/1943 pelo
comunista Claude Lecomte, foi o órgão de imprensa dos escritores resistentes ao
nazismo. A revista obteve enorme repercussão com edição de vinte mil exemplares
mensais antes da libertação e duzentos mil, seis meses após. Lecomte convidou
Sartre a contribuir e em um de seus artigos ele escreveu: “Para aqueles que
transportaram mensagens, cujos conteúdos ignoravam, bem como todos os que
partiram para o combate, o mesmo destino: prisão, deportação, morte. Em nenhum
exército nunca existiu tamanha igualdade de riscos tanto para o soldado quanto
para o generalíssimo”.
Para heróis como eles, assim como para o comandante
partisan Jean Moullin, e milhares de outros, talvez possamos parafrasear o
filósofo que disse que “o segredo de cada ser humano é o limite de sua
liberdade, sua capacidade de resistir à dor e à morte”.
O “Comitê Nacional dos Escritores”, associado à Lettres
Françaises, transformou-se num instrumento importante de resistência da França
ocupada.
A revista Combat, porta-voz da Resistência, foi fundada em
1942 e dirigida por Albert Camus. Nela, Sartre, Beauvoir e Camus atuaram em
conjunto. A gráfica da revista somente caiu quando um membro do grupo, sob a
tortura, a abriu antes de ser assassinado, menos um mês antes da libertação de
Paris, em 1944. Mas o “maquis” foi informado e Camus conseguiu com que todos se
evadissem.
Jean Guehenno e Jean Bruller passaram a escrever na
clandestinidade fundando as clandestinas Editions de Minuit.
Sem entrarem para a resistência, dezenas de artistas e
intelectuais se recusaram a trabalhar na França ocupada. Foi, por exemplo, o
caso do indignado Jean Renoir, diretor de obras-primas como “A Regra do Jogo”,
que preferiu se refugiar nos Estados Unidos a filmar na França, no que foi
seguido pelos seus colegas René Clair, Max Ophalus e Duvivier, assim como pelos
atores Michele Morgan, Aumont e Dalio.
Ao final da guerra, calculou-se que sessenta mil franceses
foram deportados para campos de concentração dos quais jamais retornaram. Além
desses, mais de trinta mil homens, mulheres e até mesmo crianças foram
fuzilados, ou morreram na forca ou sob a tortura.
Depois da Libertação, a Comissão encarregada de investigar
a “Colaboração ao invasor nazista” descobriu que a podridão chegava tão alta e
estava tão disseminada que recebeu ordens para fechar todos os casos, com base
no argumento, no mínimo discutível, de que o moral da nação, já bastante
abalado não resistiria ao choque de revelações tão abrangentes. O digno
Comissário Clos, chefe das investigações, exclamou: “Mas trata-se de um câncer
generalizado!” O governo era exercido pelo General de Gaule. Até hoje não se
sabe de quem partiu a ordem para o sumiço dos arquivos das “Milícias de Vichy”,
que jamais reencontrados ou revelados.
Em agosto de 1944, finalmente, a França estava livre dos
invasores nazistas. Depois de algum tempo, a maioria dos franceses começou a se
esquecer dos tempos malditos. Os “salauds” (bastardos) se apressaram em ocupar
de volta seus lugares: assentos na burocracia do Estado e a emitir as mesmas
ordens que davam cinco anos antes.
Vieram, então, as guerras coloniais da Indochina (1945) e
da Argélia (1954), em que o Exército Francês tornou-se ele o invasor, seus
corpos de elite disseminaram o terror e a tortura. Aliás, os primeiros
instrutores de tortura trazidos ao Brasil pelo golpe de 1964 eram oficiais
daquelas tropas francesas.
Novas traições aos ideais de humanidade que as mentes
lúcidas jamais perdoariam. Sartre foi uma dessas consciências. “Os fascistas
modernos são todos aqueles que usam o seu poder, ou que assim o usariam se o
tivessem, para silenciar a dissensão, o contraditório, em favor de seu lucro ou
de sua glória pessoal”. Por esse motivo ele, a “consciência odiada de seu
século”, enxergava fascistas em todos os Partidos e instituições políticas e em
todos os países, como nos EUA, na União Soviética, na China, e, sem dúvida, na
França.
Fontes:
1. Gerassi, John. Talking
with Sartre: Conversatios and debates. 2. Gerassi John. Sartre a consciência
odiada de seu tempo. 3. Riding, Alain. Em Paris a Festa Continuou. 4. Sartre,
J.P. O que é um colaborador?

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