Mikhail
Bakunin nasceu no dia 18 de maio de 1814, em uma família rica e de linhagem
nobre. Do pai, que se identificava com o liberalismo europeu e com a Revolução
Francesa, herdou uma educação baseada naqueles ideais.
Depois
do levante dos oficiais do Exército Czarista que ousaram desafiar o ilegítimo
Czar Nicolau I, em 1826, na revolta denominada “Decembrista”, e da repressão que se abateu sobre os
liberais, o pai com medo do futuro para o filho enviou-o para que seguisse uma
carreira militar.
Mas
a displicência do jovem Mikhail, influenciado pelas ideias libertárias da
infância, faria com que ele fosse
desligado rapidamente do Exército. Então, aos vinte e um anos mudou-se para
Moscou com o objetivo de estudar filosofia e o fez para valer. Engajou-se no estudo
sistemático da filosofia idealista. Primeiro Kant, depois progrediu para
Schelling, Fichte, e finalmente, Hegel.
Realizou
a primeira tradução de parte da obra do grande filósofo idealista alemão para o
idioma russo.
Na
universidade travou conhecimento com dois outros intelectuais, os socialistas
Herzen e Ogarev e com eles estabeleceu uma amizade de toda a vida.
O
jovem Bakunin sempre teve fome e ânsia pelo saber. De Moscou foi a Berlim em
1840. Tomou parte em um coletivo de estudantes denominados de "a esquerda
hegeliana" e terminou por unir-se ao movimento socialista. Em seu ensaio
“A reação na Alemanha”, publicado em 1842, ele argumentava a favor da ação
revolucionária da negação, resumida na frase “a paixão pela destruição é uma
paixão criativa”, pois se torna impossível criar o novo sem primeiro
destruir-se o velho, um conceito que prenunciava o surgimento do vanguardismo
modernista ocidental, tanto no pensar, quanto nas artes e, principalmente, na
política.
Nessa
época estabelece relações com outro intelectual e aristocrata russo, o escritor
Ivan Turgueniev. A partir da imagem do amigo, Tuguenief extrairá o perfil do
personagem central do romance “Rudin”, uma obra de arte a retratar a
intelectualidade aristocrática russa em revolta.
O
jovem Bakunin era muito bem conceituado no meio universitário, mas terminará
por recusar-se a seguir na carreira acadêmica para devotar-se à promoção da
revolução. Em 1844, vai a Paris, considerada a Meca das ideias socialistas,
onde estabelece um primeiro contato com o também jovem Karl Marx e com o
anarquista mais afamado: Pierre Proudhon.
Para
Bakunin, o feudalismo e a repressão em sua Pátria colocavam-na num segundo
plano para a sua ação revolucionária.
Isto não impediu que, em dezembro de 1844, o czar Nicolau I por decreto,
lhe retirasse todos os privilégios, destituindo-o de seu título de nobreza e de
todos os direitos civis, confiscando suas posses e condenando-o à prisão na
Sibéria para o resto da vida, caso as autoridades russas conseguissem pegá-lo.
Do dia para noite um “barin” rico fora transformado em um pobre imigrado e com
ordem prisão e de degredo. Esta era a marca dos Romanovs!
Bakunin
respondeu ao decreto com uma longa carta pública denunciando o imperador como
déspota e fazendo um chamado à democratização da Rússia. Em consequência da
mesma foi expulso da França e fugiu para Bruxelas. Lá em 1848, realizou um
discurso profético sobre o grande futuro reservado aos eslavos, cujo destino
seria rejuvenescer a Europa Ocidental.
Desde
então, não havia local em uma Europa Ocidental em chamas onde Bakunin não
procurasse estar.
De
certa forma, podemos dizer que ele e Karl Marx disputavam a liderança de um
movimento político que abrangia a maior parte dos países europeus, com reflexos
inclusive na América do Norte.
Nesta
disputa, Marx chegou a alegar publicamente que Bakunin seria um agente
infiltrado do imperialismo russo, graças a uma denúncia feita por George Sand.
Marx, entretanto, se retrataria publicamente depois que George Sand se
confessou equivocada a respeito (aliás, não foram poucas as vezes em que esta
senhora se equivocou sobre pessoas com as quais não concordava politicamente).
Incansável,
Bakunin teve um papel de destaque no levante de maio de Dresden, em 1849,
ajudando a organizar barricadas contra as tropas prussianas, lado a lado com o
compositor Richard Wagner e com o poeta Wilhelm Heine.
Bakunin
terminou preso pelos saxões em Chemnitz e foi entregue às autoridades russas.
Na Rússia foi trancafiado na terrível Fortaleza de Pedro e Paulo, símbolo da
repressão política de Petersburgo. Um emissário do Imperador visitou-o na
cadeia e comunicou-lhe que o czar Nicolau I queria uma confissão sua por
escrito.
Ele
escreveu-lhe: “O senhor quer a minha confissão; mas precisa saber que um
criminoso penitente não é obrigado a implicar ou revelar as ações de outrem.
Guardo apenas a honra e a consciência de que jamais traí quem quer que tenha
confiado em mim, e é por esse motivo que não lhe entregarei nada e nem
ninguém.”
Depois
de três anos na Fortaleza, ele passou mais quatro acorrentado pelas pernas e
pelos braços nas masmorras subterrâneas do castelo de Shlisselburg. Acometido
de escorbuto, teve a perda de todos os dentes. No desespero pediu ao irmão que
lhe trouxesse cianureto para suicidar-se. Não foi atendido.
Quando
os russos foram derrotados na guerra pela Criméia em 1856, tendo falecido
Nicolau I, seu sucessor, graças à desastrosa situação econômica que o país
atravessava, foi impelido a determinadas aberturas políticas. Alexandre II
exigiu, entretanto, que o nome de Bakunin ficasse fora da lista de anistiados
políticos. No entanto, dois anos após, o czar atendeu ao apelo da mãe e
decretou o exílio de Bakunin na Sibéria Ocidental.
No
degredo, Bakunin casou-se. Em agosto de 1858, recebeu uma importante visita que
iria propiciar-lhe mais uma conspiração e, finalmente, a fuga para a liberdade:
era a de seu primo em segundo grau, o conde Nikolay Muravyov, que fora nomeado
governador-geral da Sibéria Ocidental.
Ora,
Muravyov era liberal e Bakunin enquanto parente, tornou-se seu primo favorito e
protegido. Logo este logo organizou um círculo de discussões políticas no
quartel da colônia de Muravyov. Deste grupo emergiu a proposta para a criação
dos “Estados Unidos da Sibéria” independente da Rússia, seguindo o exemplo dos
Estados Unidos nas Américas.
Quando
em Petersburgo tomou-se conhecimento daquilo que sucedia na Sibéria, o primo
Muravyov foi forçado a se aposentar do cargo de governador-geral, tanto por sua
conduta liberal, quanto pelo temor de que ele pudesse levar a Sibéria a um
movimento de independência, sob a influência do indomável Bakunin.
Por
outro lado, Bakunin estava para ser enviado novamente à prisão quando conseguiu
convencer o capitão de uma nau americana a dar-lhe fuga. A bordo escapou
disfarçado da vigilância e chegou ao Japão onde, por um acaso, encontrou o
poeta Wilhelm Heine, um de seus camaradas de armas de Dresden. Com o mesmo
partiu para São Francisco e aportou a Nova York, tudo isso em menos de um mês.
Embora
Bakunin admirasse a democracia norte-americana, ele tinha volúpia de
reintegrar-se ao movimento revolucionário europeu. Partiu, então, para Londres
onde reviu um antigo colega, o socialista russo Alexandr Herzen e tornou a
mergulhar no movimento.
Deixou
Londres em fins de 1863 chegando à Itália onde, pela primeira vez se declarou
anarquista e expôs suas ideias enquanto tal. Foi lá que concebeu o plano de
forjar uma organização secreta de revolucionários e preparar o proletariado
para a ação direta. Recrutou italianos, franceses, escandinavos, e eslavos para
uma Irmandade Internacional, a também chamada Aliança dos Socialistas
Revolucionários. Nos dois anos seguintes, sua sociedade secreta iria se
expandir, possuindo membros na Suécia, Noruega, Dinamarca, Bélgica, Inglaterra,
França, Espanha, Itália, Rússia e Polônia.
Aquela
organização gerou a Liga de Paz e Liberdade que enfatizava que a liberdade
deveria ocorrer conjuntamente com o socialismo já que: “Liberdade sem
socialismo é privilégio, injustiça; socialismo sem liberdade é brutalidade e
escravidão.” Da conferência de Genebra da Liga participaram em torno de 6.000
pessoas. Quando Bakunin se ergueu para falar, escutou: “Bakunin!” Era Giuseppe
Garibaldi, que se levantou da plateia e o abraçou. O encontro solene de dois
velhos e experientes guerreiros pela liberdade produziu uma impressão
estonteante… Todos os presentes se levantaram e houve um prolongado e
entusiasmado bater de palmas.
Entre
os anos de 1869 e 1870, Bakunin esteve envolvido com Sergey Nechayev,
personagem que inspiraria Dostoiévski em “Os Demônios”, na personagem de Piotr
Verkhovenski. Em conjunto, os dois teriam escrito o "Catecismo de um
revolucionário", obra exemplar de maquiavelismo político, atitude da qual
Bakunin iria publicamente se arrepender. Mais tarde, após Nechayev condenar à
morte um estudante russo que não reconhecia nele a autoridade revolucionária,
Bakunin rompeu com o mesmo, “devido aos seus métodos sem honra”. Desde então,
renegou para sempre a ideia “que todos os meios são justificáveis para atingir
os fins revolucionários”. Antecipando Sartre, afirmou: “são os meios que
justificam os fins.”
Bakunin
participou da fundação da Primeira Internacional Social- Democrata e nela
militou até ser expulso por Karl Marx e seus seguidores no Congresso de Haia,
em 1872.
As
discordâncias entre Bakunin e Marx ilustram a crescente divergência entre aqueles
que advogavam a ação e organização dos trabalhadores de forma a abolir o Estado
e o capitalismo, e os que, sob a batuta de Marx, defendiam a conquista do poder
político pela classe operária e a implantação da ditadura do proletariado.
Bakunin
criticava de forma efusiva o que chamava de "socialismo autoritário"
e o conceito de “ditadura do proletariado”. “Se você pegar o mais ardente
revolucionário, e investi-lo de poder absoluto, dentro de um ano ele seria pior
que o próprio czar”.
As
palavras de Bakunin soam absolutamente proféticas em relação à Revolução
Socialista de 1917: “Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para
considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da
imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta
minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza,
de antigos operários, mas que tão logo se tornem governantes ou representantes
do povo, deixarão de ser operários e se colocarão a observar o mundo proletário
a partir do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas
pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana.”
Bakunin
ainda previu que, se os marxistas tivessem êxito em ocupar o poder, eles iriam
criar uma ditadura de partido "em tudo mais perigosa porque ela se
apresentaria como uma falsa expressão da vontade do povo." Ele insistia
que qualquer "elite iluminada" só deveria exercer influência
discreta, jamais se impondo na forma de uma ditadura a outrem e nunca se
aproveitando de quaisquer direitos oficiais, em termos de benefício ou
significância.
Em
1870, Bakunin atuou como articulador de um levante na cidade francesa de Lyon,
que precedeu a Comuna de Paris, com a qual compartilhou princípios e modelos.
Bakunin elogiou os homens e mulheres da Comuna de Paris, de 1871, que
posteriormente ficaram conhecidos como “communards”, por rejeitarem não só o
Estado, mas também uma "ditadura revolucionária", mesmo a custas dos
próprios pescoços.
Liberdade
para ele consistia no "desenvolvimento pleno de todas as faculdades e
poderes de cada ser humano pela educação, pelo treinamento científico, e pela
prosperidade material." Tal concepção de liberdade é "eminentemente
social, porque só pode ser concretizada em sociedade, não em isolamento”.
A
forma de socialismo que Bakunin concebia era um "anarquismo
coletivista", condição na qual os trabalhadores poderiam administrar
diretamente os meios de produção através de suas próprias associações produtivas.
Assim haveria "modos igualitários de subsistência, fomento, educação e
oportunidade para cada criança, menino ou menina até a maturidade, e recursos e
infraestrutura análoga na idade adulta para dar forma ao seu bem-estar através
do próprio trabalho."
Defendia
ainda que o Estado deveria ser imediatamente abolido após a revolução porque
todas as formas de governo, eventualmente, levariam à opressão. “Nenhuma
ditadura pode ter qualquer outro objetivo além de sua autoperpetuação; ela pode
apenas levar à escravidão o povo que tolerá-la; a liberdade só pode ser criada
através da liberdade, isto é, por uma rebelião universal de parte das pessoas e
a organização livre das multidões de trabalhadores de baixo para cima.”
Apesar
da oposição veemente à proposta marxista de revolução, ele considerava as
análises econômicas apresentadas por Marx extremamente importantes, tanto que
foi ele próprio o primeiro tradutor do “O Capital” para o idioma russo.
Bakunin
retirou-se para a cidade suíça de Lugano em 1873. Mesmo doente funda ainda uma
editora na qual parte de seus livros são publicados sob o título de “Estadismo
e Anarquia”. Em 1876, com a saúde muito deteriorada, Bakunin é levado por um
amigo para um hospital em Berna.
Lá
encontrou seu fim. Seu corpo foi enterrado no cemitério de Bremgarten. Seu
túmulo foi mantido por muitos anos graças às doações de um suíço anônimo, sendo
visitado por anarquistas vindos de todo o mundo. Segundo o diretor, não era
incomum que em algumas noites grupos de jovens entrassem no cemitério e se
reunissem para beber junto ao seu túmulo.
A
vida e a obra de Bakunin formataram a base do anarco sindicalismo, de enorme
importância nas conquistas dos trabalhadores nos séculos XIX e XX. Ainda
influenciam diversos movimentos como os grupos ambientalistas e aqueles que
utilizam a tática de ação direta das “massas”. Movimentos cooperativistas, de
ocupação e de reforma urbana, grupos e locais de trabalho de autogestão, também
carregam em si o germe da ideologia anarquista e o pensamento de Bakunin.
E
para além de seu legado político e filosófico, Bakunin tornou-se um símbolo do
anti-autoritarismo no mundo das ideias e segue sendo uma referência presente
entre os anarquistas nossos contemporâneos, dentre eles, Noam Chomsky.
https://www.proust.com.br/post/bakunin-indom%C3%A1vel-lutador-pela-liberdade-inspirador-de-n-chomsky
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