Juiz
“militante”. Advogados grampeados. Delações seletivas. Operações midiáticas.
Revelações do Intercept confirmam denúncias antes ignoradas: Moro e Dallagnol
violaram diversas leis para fazer política e sedimentaram caminho para
Bolsonaro.
Nós
pensávamos que a operação Lava Jato era um vasto empreendimento contra a
corrupção no Brasil.
Mas,
pouco a pouco – muito antes das revelações do The Intercept Brasil -, fomos
surpreendidos por várias irregularidades e ilegalidades cometidas pelos
procuradores de Curitiba, chefiados por Deltan Dallagnol, e pelo juiz Sérgio
Moro. Tais irregularidades foram denunciadas pelas vítimas, por seus advogados
e por setores da sociedade civil defensores dos direitos humanos, mas foram
ignoradas por juiz e procuradores e por outras instâncias da Justiça.
A prisão preventiva de vários suspeitos,
antes mesmo de haver provas de seu envolvimento com atividades criminosas. A
prisão foi utilizada como um meio de pressão sobre os acusados para obter
delações. Se o acusado recusava a delatar, a prisão era estendida – com a
ameaça de tornar-se duradoura – para levá-lo a ceder.
A condução coercitiva dos suspeitos. Os
suspeitos eram alvo de condução coercitiva, com forte presença policial, antes
de haver qualquer intimação – que é o procedimento legal. Pela lei, primeiro a
pessoa é intimada a comparecer para depoimento; não comparecendo, sem
justificativa, a pessoa pode ser levada através de condução coercitiva. Foram
feitas mais de 200 conduções coercitivas. A condução coercitiva foi feita como
uma forma de intimidar a pessoa e, ao mesmo tempo, graças à presença da mídia –
avisada com antecedência -, como uma forma de humilhá-la publicamente, para
manipular a opinião pública contra a pessoa.
O papel da grande mídia: a operação Lava
Jato articulou-se com a grande mídia, vazando depoimentos, vazando delações
sistematicamente, como forma de colocar a opinião pública em favor de suas
iniciativas. As delações não eram vazadas na íntegra, apenas naqueles trechos
que interessava divulgar para obter a indignação da opinião pública contra os
suspeitos designados pela Lava Jato.
A parcialidade da operação foi denunciada
inúmeras vezes pela defesa das vítimas, mas foi sistematicamente negada: o
principal partido acusado pela Lava Jato foi o PT e suas lideranças, a
presidente da República, Dilma Rousseff e Lula, ex-presidente; outros partidos
foram acusados, outras lideranças foram denunciadas, mas rapidamente saíram do
noticiário ou foram poupados pela operação. O partido mais favorecido por esta
proteção foi o PSDB. A grande mídia transformava os fatos denunciados em
relação a políticos do PT como a “maior história da corrupção na história do
Brasil”. Criou-se na opinião pública a ideia de que a corrupção começou no
Brasil com o PT e que seus membros eram uma espécie diferente de todos os
demais políticos.
As delações foram o principal instrumento
da operação Lava Jato: eram oferecidas como único meio de a pessoa recuperar a
liberdade (ou obter prisão domiciliar). Os envolvidos ou suspeitos eram
pressionados até incriminarem alguém do PT (ou o alvo designado na ocasião). O
caso emblemático foi o diretor da OAS, que teve a delação negada até incluir o
nome de Lula: só então, a delação foi aceita.
No decorrer do tempo, inúmeros suspeitos
denunciados e/ou presos foram inocentados ou absolvidos em segunda instância.
Mas sua reputação já estava manchada definitivamente. A grande mídia, que
contribuiu para condená-los, jamais contribuiu para limpar seu nome. Nunca os
operadores da Lava Jato fizeram autocrítica ou pediram desculpas publicamente
pelo erro de acusarem pessoas inocentes. A opinião pública, já convencida de
sua culpabilidade, ajudou a “lavar” estes “efeitos colaterais”, considerado o
“preço a pagar” para acabar com a corrupção.
Aqui a regra da presunção de inocência
nunca funcionou e o direito dos acusados à defesa foi atropelado
sistematicamente.
As delações foram tratadas pela operação
Lava Jato e pela grande mídia não como indícios, passíveis de serem comprovados
ou não, mas como provas. O que aparecia numa delação era apresentado como
verdade definitiva e os citados numa delação eram condenados pela mídia antes
de qualquer julgamento.
***
As
trocas de mensagens reveladas agora pelo The Intercept Brasil confirmam o
fundamental das denúncias que foram feitas durante anos e que foram ignoradas
tanto por outras instâncias ou pela maioria dos membros de órgãos superiores da
Justiça como pela grande mídia.
O
grande objetivo desta operação foi a destruição do PT – o afastamento da
presidente Dilma do poder, a condenação do ex-presidente Lula e sua prisão, com
o consequente impedimento de sua candidatura (para impedir a volta do PT ao
poder).
As
mensagens trocadas entre o juiz Sérgio Moro e os procuradores confirmam a
parcialidade do juiz e dos procuradores, que não tinham como objetivo acabar
com a corrupção no Brasil, mas fundamentalmente aquela que podia ser ligada ao
PT. Uma troca de mensagens mostra que o juiz interfere diretamente para impedir
que o ex-presidente FHC, líder do PSDB, fosse investigado, de modo a não
prejudicar a condenação do PT. Era preciso que não se percebesse a semelhança
entre a forma de financiamento do Instituto Lula e a do Instituto FHC.
O
processo contra Lula é eivado de irregularidades. As mensagens reveladas
confirmam que os procuradores não tinham provas contra o ex-presidente, tinham
apenas “convicções”, e que tiveram de fazer malabarismos – como o famoso power
point de Deltan Dallagnol – para vincular o processo do tríplex ao processo
sobre a Petrobras, como forma de transferir o processo de São Paulo para
Curitiba (juiz Moro). Aumentaram artificialmente as denúncias para convencer a
opinião pública da culpa de Lula. Em outras palavras, juiz e procuradores
mentiram.
Ao
condenar Lula e levá-lo à prisão, a operação Lava Jato foi elemento
determinante para viabilizar a vitória de Bolsonaro nas eleições presidenciais.
Isto fica claro nas medidas tomadas para impedir que Lula fosse entrevistado
durante a campanha eleitoral: juiz e procuradores explicitam que queriam evitar
que isto pudesse ajudar a vitória do candidato do PT. A medida proibitiva não
tinha fundamento jurídico, mas político-partidário.
E,
graças à eleição de Bolsonaro, o juiz Sérgio Moro – aquele mesmo que tirou Lula
da disputa eleitoral – foi elevado ao Ministério da Justiça.
O
que ocorreu foi uma aliança entre procurador e juiz para praticar um crime, a
condenação de alguém de quem se sabe que não há provas. Os sucessivos
vazamentos realizados pela operação Lava Jato para a grande mídia,
especialmente para a Globo, antes de haver investigação para verificar a
veracidade das delações, criaram um clima de execração pública de pessoas, de
um governo e de um partido (da presidente Dilma, de Lula, do PT). O ódio ao PT,
o antipetismo, tem sua raiz nesta campanha.
Este
mesmo método, usado por Moro, nós vimos ocorrer na investigação ocorrida na
UFSC, onde Reitor e vários diretores foram denunciados e presos por ordem de
uma delegada, por um suposto crime de improbidade administrativa (o qual não
foi provado até hoje). Mas Reitor e diretores foram expostos à condenação
pública sem processo prévio. O resultado da humilhação pública foi o suicídio
do Reitor. Até hoje ninguém foi processado e responsabilizado por esta morte. É
como se qualquer iniciativa fosse justificável quando se trata de combate à
corrupção.
Toda
a operação Lava Jato foi exaltada como um empreendimento de justiça e de
direito, mas foi realizada com sistemática parcialidade e sistemática violação
de direitos das pessoas consideradas suspeitas (prisões preventivas sem
justificativa, conduções coercitivas, vazamentos, divulgação de conversa com
presidente em exercício, monitoramento de escritórios de advocacia), com
evidentes fins políticos.
A
partir das denúncias da Lava Jato, a mídia apoiou com todo o seu poder uma
campanha para derrubar a presidente eleita. E conseguiu. O principal líder do
PT, Lula, foi processado, condenado e preso. Em consequência deste impedimento,
um candidato antidemocrático, defensor da tortura e da ditadura, foi eleito. É
preciso dizer que as instâncias superiores da Justiça, em particular o STF –
não todos os ministros, mas a maioria – se omitiram frente às ilegalidades
cometidas pelo juiz Sérgio Moro ou mesmo contribuíram ativamente para proteger
as irregularidades e ilegalidades da Lava Jato.
Não
se trata de negar que tenha havido falhas nos governos do PT, que devem ser
investigadas como aquelas de qualquer governo. Mas o antipetismo que existe
hoje em parte da sociedade é resultado direto da associação das denúncias da
Lava Jato com a divulgação de vazamentos seletivos e pela interpretação
sistemática dada pela grande mídia de que se tratava da “maior história de
corrupção da história do Brasil”. Dilma que, ao ser derrubada, era considerada
a maior corrupta, até hoje não foi condenada em nenhum processo. Lula foi
condenado em primeira e segunda instância num processo em que – segundo
inúmeros juristas brasileiros e do exterior que o examinaram – não aparecem
provas.
É
preciso que se faça Justiça no Brasil, que os erros cometidos por setores do
poder Judiciário sejam investigados e corrigidos. Que os julgamentos presididos
por um juiz parcial sejam anulados. Que as atividades ilegais deste juiz e
destes procuradores sejam condenadas. E que o sofrimento infligido a inúmeras
vítimas de difamação pública seja reparado.
https://outraspalavras.net/crise-brasileira/vazajato-nossas-conviccoes-agora-tem-provas/
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