É
preciso considerar que os EUA já estão em guerra com a Venezuela. Uma guerra
híbrida, não-convencional, mas uma guerra
A
grande pergunta que todos se fazem no momento é se haverá ou não uma guerra na
Venezuela.
Bom,
em primeiro lugar, é preciso considerar que os EUA já estão em guerra com a
Venezuela. Uma guerra híbrida, não-convencional, mas uma guerra.
Os
EUA estão fazendo de tudo na Venezuela. Além do embargo comercial e financeiro,
que já ocasionou a morte de pelo menos 40 mil pessoas, confiscaram ouro e
outros ativos da Venezuela no exterior, promoveram atos de sabotagem que
levaram a apagões, instituíram um títere ridículo (Guaidó) para tentar derrubar
Maduro mediante um golpe, articularam o isolamento diplomático e político do
nosso vizinho, fazem pressão para que os militares abandonem o governo
constitucional, promovem uma grande campanha de desinformação sobre a Venezuela
para criminalizar Maduro e o regime bolivariano, etc. etc.
A
questão não é, portanto, se os EUA entrarão em guerra com a Venezuela, mas se a
atual guerra híbrida escalará para uma guerra militar estrito senso.
Para
tentar responder a essa pergunta, temos de levar em consideração dois grandes
fatores.
O
primeiro tange à nova geoestratégia dos EUA para América Latina. Eles querem
implantar, a ferro e fogo, se necessário, a Nova Doutrina Monroe, segundo a
qual a nossa região tem de ser, de novo, um espaço de influência exclusiva dos
EUA. Um quintal. Um patio trasero, como dizem os hispânicos.
Nesse
novo cenário, não haveria lugar para países que tenham políticas externas
independentes e relações mais aprofundadas com China e Rússia, por exemplo,
rivais geopolíticos e geoeconômicos dos EUA. Assim, a derrubada do governo
Maduro é essencial para a agenda dos EUA na região, pois Caracas tem hoje
relações bastante estreitas com esses rivais dos EUA e pratica uma política
externa muito independente, embora jamais tenha deixado de prover seu petróleo
para o gigante norte-americano. Diga-se de passagem, o governo cino-brasileiro
de Bolsonaro, bem-treinado que é, já ameaça sair do BRICS e abandonar programas
sino-brasileiros.
O
segundo fator diz respeito às divergências no governo dos EUA sobre o que e
como fazer, em relação à Venezuela.
Como
no Brasil, há dois grandes grupos no governo dos EUA que têm opiniões distintas
sobre esse e outros assuntos.
Há
o grupo dos ideólogos de extrema direita, do qual fazem parte figuras sinistras
como John Bolton (Conselheiro de Segurança Nacional), Mike Pompeo (Secretário
de Estado), e o terrível Eliott Abrams (enviado especial para a Venezuela),
entre outros. Embora mais sofisticados que o astrólogo da Virgínia e os
integrantes do Clã (qualquer coisa é), compõem um grupo extremado, um tanto
delusional, gente que não tem contato muito estreito com a realidade.
Pois
bem, esse pessoal, tutti buona gente,
neocons de pura cepa, quer uma intervenção militar na Venezuela. Bolton,
em particular, maior ideólogo da Nova Doutrina Monroe, já demandou ao Pentágono
cenários variados para a intervenção, desde bombardeios localizados, até
invasão com tropas em terra.
O
problema, para ele, é que os militares do Pentágono, como os daqui, estão
resistindo e advertindo Trump sobre os perigos de uma guerra na Venezuela,
especialmente se esta envolver tropas em terra.
A
Venezuela é duas vezes maior que o Iraque e tem um terreno extremamente difícil
para operações em terra, com selvas impenetráveis, pântanos (llanos),
montanhas, etc. Enfim, um terreno ideal para uma guerra defensiva de posições
táticas e de guerrilhas. Além disso, como já escrevi anteriormente, a Venezuela
vem se preparando para este cenário desde 2006, com o Nuevo Pensamiento
Militar. Mesmo no caso de uma derrota completa das forças regulares
venezuelanas, a Milícia Bolivariana, que poderia reunir até 500 mil membros,
oporia feroz resistência por todo o território da Venezuela.
Não
bastasse, os bolivarianos poderiam receber apoio logístico de China e Rússia,
especialmente desta última, que desenvolveu cooperação militar estreita com a
Venezuela.
Além
dessas questões militares operacionais, pesam também contra uma intervenção
militar, notadamente contra uma invasão por terra, a falta de apoio político
internacional. O Grupo de Lima, que congrega a direita sul-americana e os
satélites dos EUA na região, rejeita a escalada militar, embora apoie
entusiasticamente a guerra híbrida contra a Venezuela. Os europeus também
preferem apostar apenas na guerra híbrida.
Mas
isso significa dizer que a transformação da guerra híbrida em guerra
convencional está descartada?
Não,
não está.
À
medida que a “solução Guaidó” fracassa miseravelmente e não se investe numa
solução negociada e pacífica, cresce a impaciência e o descontentamento
dos neocons liderados por John Bolton.
Há de se considerar que Bolton é um sujeito muito perigoso e influente, que tem
um longo e inquietante histórico de manipulação de informações para fazer
prevalecer suas teses.
Parte
de grupos a ele ligados a cretina “informação” de que os generais venezuelanos
seriam controlados por “agentes cubanos”, repetida por oligofrênicos da nossa
imprensa conservadora. O alvo de Bolton é o lobbyanticastrista, de enorme
influência e Washington e decisivo no voto latino nos EUA.
Trump,
embora reticente em aprovar qualquer intervenção militar, confia muito em
Bolton e o encarregou de cuidar do tema.
O
presidente do America First e o resto que se dane não quer se envolver numa
guerra que não poderia ganhar no curto prazo, mas também sabe que o atual
cenário de fracasso e humilhação o está desgastando ante o eleitorado
conservador.
Na
persistência crônica desse cenário de impasse humilhante, é possível que se
opte por uma intervenção militar restrita a alguns bombardeios punitivos contra
alvos militares e políticos selecionados.
Do
ponto de vista logístico e militar, essa seria uma alternativa viável. A
Venezuela está muito próxima dos EUA. Ademais, os EUA têm duas grandes bases
militares bem próximas do território da Venezuela: Guantánamo (Cuba) e Soto
Cano (Honduras). Os EUA também não teriam grandes dificuldades em usar
instalações no Panamá, Colômbia ou, quem sabe, até no Brasil. O deslocamento de
uma boa força naval até a costa da Venezuela também poderia se dar de forma
muito rápida.
A
capacidade de a Venezuela resistir a tal ataque é limitada, mesmo com seus
Sukhois SU-30 e seus mísseis S-300. O poder dos mísseis Cruise e dos aviões com
tecnologia stealth é avassalador. Ademais, a Venezuela não tem expertise em
guerra eletrônica. Uma vez destruído o sistema de comunicação militar, pouca
coisa poderá se fazer.
A
decisão de se fazer ou não um ataque desse tipo dependerá da evolução das
condições internas na Venezuela e dos efeitos esperados nos eleitores de Trump.
Se o impasse político persistir, se abrirem fissuras nas forças venezuelanas e
as condições econômicas continuarem a se deteriorar, e se os eleitores
conservadores dos EUA começarem a ver com bons olhos uma ação mais firme, a
hipótese de uma intervenção militar restrita, sem tropas em terra, pode não só
se tornar factível, mas desejável.
Bastaria
preparar o terreno com uma operação de falsa bandeira, que resultasse em mortos
e feridos atribuíveis ao “ditador” Maduro, para que tal ação possa ser
“justificada”. Outra hipótese, como esclarece o patético títere, seria o
parlamento venezuelano convidar os americanos a destruírem a Venezuela.
Seria,
de qualquer modo, uma aposta de alto risco. Porém, não se deve desprezar a
crueldade e a truculência do Império e da direita venezuelana. Para assegurar
seus interesses, o governo dos EUA não se importa em destruir países e matar
milhões de pessoas, desde que não sejam vidas norte-americanas. Iraque,
Afeganistão, Líbia e Síria foram destruídos, milhões de vidas foram perdidas,
ceifadas, direta ou indiretamente, pela guerra.
Alguns
argumentam que, na América Latina, haveria maiores freios para ações como
essas, dada à existência de uma grande população de origem latina nos EUA, mas,
ante o total desprezo demonstrado por Trump ante o sofrimento de imigrantes
latino-americanos, não é prudente supor que a atual administração dos EUA se
guiará, no caso da Venezuela, por princípios humanistas e racionalidade.
O
risco de uma escalada militar, que possa conduzir a Venezuela a uma guerra
civil prolongada é, portanto, real.
Em
outros tempos, o Brasil lideraria toda a América Latina contra essa loucura.
Agora, no entanto, somos um paiseco submisso, que bate continência, até mesmo
literalmente, para gente insana como Bolton.
Bolsonaro
abriu os portões para a barbárie não apenas no Brasil, mas em toda a nossa
região.
Oscar
Wilde afirmou que os EUA eram o único país a passar da barbárie para a
decadência sem passar pela fase histórica da civilização.
Já
o Brasil dos capitães e astrólogos reúne, numa só fase histórica, decadência e
barbárie.
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