Ao
negar habeas corpus ao devedor, o colegiado ressalvou a possibilidade de
modificação posterior da medida de constrição caso venha a ser apresentada
sugestão alternativa de pagamento.
Em
virtude da ausência de indicação, pelo devedor, de meios menos onerosos e mais
eficazes para a quitação da dívida, a Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) deixou de reconhecer ilegalidade em uma decisão judicial de
restrição de saída do país como medida constritiva indireta para o pagamento
voluntário do débito. Ao negar o habeas corpus ao devedor, o colegiado
ressalvou a possibilidade de modificação posterior da medida de constrição caso
venha a ser apresentada sugestão alternativa de pagamento.
“Sob
a égide do Código de Processo Civil de 2015, não pode mais o executado se
limitar a alegar a invalidade dos atos executivos, sobretudo na hipótese de
adoção de meios que lhe sejam gravosos, sem apresentar proposta de cumprimento
da obrigação exigida de forma que lhe seja menos onerosa, mas, ao mesmo tempo,
mais eficaz à satisfação do crédito reconhecido do exequente”, afirmou a
relatora do recurso em habeas corpus, ministra Nancy Andrighi. No mesmo
julgamento, o colegiado entendeu não ser possível questionar, por meio de
habeas corpus, medida de apreensão de carteira nacional de habilitação também
como forma de exigir o pagamento da dívida, tendo em vista que o habeas corpus,
necessariamente relacionado à violação direta e imediata do direito de ir e
vir, não seria a via processual adequada nesse caso.
No
pedido de habeas corpus, o devedor questionava a decisão do juiz de primeira
instância que suspendeu sua carteira de habilitação e condicionou o direito de
o paciente deixar o país ao oferecimento de garantia. O pedido foi negado pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo, que concluiu que o habeas corpus estaria
sendo utilizado como substituto de recurso, já que a decisão de primeira
instância teria sido anteriormente impugnada por meio de agravo de instrumento.
Em recurso dirigido ao STJ, o devedor alegou que o habeas corpus seria a via
adequada para conter o abuso de poder ou o exercício ilegal de autoridade
relacionado ao direito de ir e vir, situação encontrada nos autos, já que houve
o bloqueio do passaporte.
A
relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, destacou inicialmente que a
utilização do habeas corpus em matéria cível deve ser igualmente ou até mais
excepcional do que no caso de matéria penal, já que é indispensável a presença
de direta e imediata ofensa à liberdade de locomoção da pessoa. Nesse sentido,
e com base na jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal, a ministra
apontou que a questão relacionada à restrição do direito de ir e vir pela
suspensão da CNH deve ser discutida pelas vias recursais próprias, não sendo
possível a apreciação do pedido por meio de habeas corpus. Por outro lado, no
caso do bloqueio de passaporte, Nancy Andrighi explicou que a medida de
restrição de saída do país sem prévia garantia da execução da dívida pode
implicar – ainda que de forma potencial – ameaça ao direito de ir e vir, pois
impede o devedor, durante o tempo em que a medida estiver vigente, de se
locomover para onde quiser.
Admitida
a possibilidade do questionamento da restrição de saída do país por meio do
habeas corpus, a ministra lembrou que o princípio da cooperação, desdobramento
do princípio da boa-fé processual, impõe às partes e ao juiz a busca da solução
integral, harmônica e que resolva de forma plena o conflito de interesses.
Segundo a ministra, um exemplo do princípio da cooperação está no artigo 805 do
CPC/2015, que impõe ao executado que alegue violação ao princípio da menor
onerosidade a incumbência de apresentar proposta de meio executivo menos
gravoso e mais eficaz ao pagamento da dívida.
Também
expressos no CPC/2015, ressaltou a relatora, os princípios da atipicidade dos
meios executivos e da prevalência do cumprimento voluntário, ainda que não
espontâneo, permitem ao juiz adotar meios coercitivos indiretos – a exemplo da
restrição de saída do país – sobre o executado para que ele, voluntariamente,
satisfaça a obrigação de pagar a quantia devida. Todavia, a exemplo do que
ocorre na execução de alimentos, em respeito ao contraditório, a ministra
apontou que somente após a manifestação do executado é que será possível a
aplicação de medidas coercitivas indiretas, de modo a induzir ao cumprimento
voluntário da obrigação, sendo necessário, ademais, a fundamentação específica
que justifique a aplicação da medida constritiva na hipótese concreta.
No
caso dos autos, Nancy Andrighi destacou que o juiz aplicou medidas coercitivas
indiretas sem observar o contraditório prévio e sem motivação para a
determinação de restrição à saída do país, o que seria suficiente para impedir
a utilização desse meio de coerção. Entretanto, a ministra também lembrou que o
devedor não propôs meio de menor onerosidade e de maior eficácia da execução, o
que também representa violação aos deveres de boa-fé e colaboração.
“Como
esse dever de boa-fé e de cooperação não foi atendido na hipótese concreta, não
há manifesta ilegalidade ou abuso de poder a ser reconhecido pela via do habeas
corpus, razão pela qual a ordem não pode ser concedida no ponto”, concluiu a
ministra ao negar provimento ao recurso em habeas corpus.
Esta notícia refere-se ao(s)
processo(s):
RHC 99606
Fonte: STJ
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