“As
paisagens, cansei-me das paisagens
cegá-las
com palavras rasurá-las
As
paisagens são frutos descabidos
agudos
olhos farpas sons à noite
espaço
livre para o erro regiões recompostas
por
desejo
Paisagens
bruscas
decercadas
as subidas não poupam
meu
silêncio: renominá-las aqui
neste
abandono ou aprendê-las diversas e desertas.”
(Vigília
II, Ana Cristina Cesar)
As
celebrações do Natal e do Ano-Novo com Lula em Curitiba tiveram grande
repercussão. Colocaram em evidência o espaço da Vigília Lula Livre, que existe
e resiste desde 7 de abril de 2018, dia da chegada do ex-presidente à capital
do Paraná, conhecida como República de Curitiba. Em 1º de janeiro de 2019
completaram-se 270 dias de vigília.
São
muitos os sentimentos de quem visita a Vigília Lula Livre. Um misto de
tristeza, revolta, pertencimento, esperança – e também desesperança. O choro é
livre e muito presente naquele território livre da democracia. Afinal, não é
fácil estar diante do prédio da Superintendência da Polícia Federal (PF), saber
que Lula se encontra no terceiro andar, numa janela que não conseguimos ver,
pode nos escutar, porém segue só, privado do que para ele há de mais caro que é
o convívio humano, o exercício da coletividade.
Ao
ser instalada em abril de 2018, a vigília ocupava o encontro das ruas Dr.
Barreto Coutinho e Guilherme Matter, entroncamento que passou a ser chamado de
Praça Olga Benário. As tendas de recebimento de doações, da saúde, da cultura e
outras estavam montadas ao longo da rua Dr. Barreto Coutinho e logo no
quarteirão abaixo foi mais tarde alugada uma casa para abrigar os
comunicadores, então chamada Casa da Democracia. Sobre a tenda da saúde, uma
observação: trata-se sobretudo de um espaço de cuidado holístico, com oferta de
massagens e medicina natural.
A
instauração da vigília e do acampamento pode ter soado para muitos como uma
iniciativa bonita, de apoio ao ex-presidente Lula, mas que não teria fôlego
para sustentar-se no cotidiano, nos (muitos) dias em que não há fatos políticos
espetaculosos, em que não há visitas importantes. Felizmente enganaram-se os
que pensavam assim. É certo que as visitas de artistas, intelectuais e
políticos são frequentes, diz-se inclusive que, desde que Lula foi para
Curitiba, o prédio da Superintendência da PF recebe mais presidentes,
ex-presidentes e chanceleres internacionais que o Palácio do Planalto em
Brasília. Em princípio um disparate, mas um fato que denota a percepção
internacional da prisão de Lula. Figuras como Noam Chomsky, Ernesto Samper,
Pepe Mujica, Adolfo Perez Esquivel, Aleida Guevara são alguns dos visitantes
das quintas-feiras ao ex-presidente.
Contudo,
o dia a dia da vigília é sustentado por algumas organizações e movimentos
sociais, dentre os quais destacam-se o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores, e ganha vida sobretudo com
presenças anônimas de militantes que chegam a se deslocar centenas e até
milhares de quilômetros em caravanas para participar dos já conhecidos “Bom
dia”, “Boa tarde” e “Boa noite, Presidente Lula”; para trazer doações de roupas
e mantimentos; para prestar homenagens ao ex-presidente; para bordar pela
democracia. A presença de moradores de Curitiba também se faz notar, assim como
de catarinos, gaúchos e paulistas, que têm mais facilidade de deslocamento
devido à proximidade. O livro de visitas aberto em maio já conta com mais de 13
mil assinaturas.
Em
julho de 2018, a vigília ganhou uma nova casa. Transferiu-se para um terreno
logo em frente à PF. Se antes não era possível chegar tão perto de Lula, agora
ele está logo ali, do outro lado da rua. Pode nos escutar melhor e ver a copa
das belas araucárias do terreno da vigília. Diga-se de passagem, Lula deve
escutar de tudo. Discursos políticos, mensagens de carinho, agradecimento e
esperança, teatro, poesia e música, muita música. A organização da vigília
divulga a programação do dia em um cartaz escrito à mão. Artistas são sempre
muito bem-vindos para apresentações de teatro, declamações de poesias autorais
ou não, intervenções de todo tipo e músicas. Há oficinas, rodas de conversa e
celebrações ecumênicas. São também distribuídos boletins diários, em formato
digital, produzidos pelo Comitê Popular em Defesa de Lula e da Democracia.
Em
setembro de 2018, o MST, em parceria com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC,
inaugurou o Centro de Formação e Cultura Marielle Vive, a poucos metros da PF e
da sede da vigília, com a presença dos pais de Marielle, o espaço conta com o
Cine Lula Livre e um rol de atividades culturais e de formação para a
militância.
A
tristeza estampada no rosto de cada militante que chega vem também acompanhada
da alegria de estar ali; em frente a um edifício de arquitetura e aura tão
hostis criou-se um território de esperança, de luta pela democracia, pela
liberdade e por justiça. Há um sentimento de pertencimento, animado pela
solidariedade das/os companheiras/os, pelo compartilhamento da comida, da
limpeza do local, de informações e sobretudo de sonhos. Foram lindas as
celebrações de Natal e Ano-Novo, mas esperamos que sejam as únicas. Esperamos
não precisar celebrar o aniversário da vigília em 7 de abril de 2019, esperamos
que ela se recolha em breve, com a liberdade de Lula.
* Luiza Dulci é
militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É
economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências
Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ).
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