As
manifestações em defesa da democracia e da Constituição, as mobilizações de
rua, a discussão com o povo sobre o impacto das políticas que serão
implementadas e a disputa das narrativas nas mídias sociais são o caminho para
organizar a resistência democrática
Cinquenta
e oito milhões de brasileiros e brasileiras elegeram Jair Bolsonaro presidente
da República. Isso representa 39% do total de 147 milhões de pessoas aptas a
votar. Temos então que 89 milhões de brasileiros e brasileiras, ou 61% dos
eleitores, não votaram nele. Destes que não votaram em Bolsonaro, 47 milhões
votaram em Haddad; quase 30 milhões não compareceram às urnas; votos brancos e
nulos somaram 14 milhões de eleitores. Está dada uma ampla base potencial para
a organização de um bloco de defesa da democracia e dos direitos sociais,
configurando a possibilidade de criação de uma forte oposição política ao
governante eleito.
Pela
visão autoritária e repressiva do governo eleito, que se propõe a destituir
direitos por atacado no começo de seu governo, a enquadrar os movimentos
sociais como terroristas e a tratar com violência a oposição, não faltarão
motivos para que a oposição se articule.
Como
Bolsonaro não tem experiência de gestão nem equipe de governo e demonstrou não
se entender nem com seus principais assessores, também é previsível que surjam
crises internas já no início da gestão. Essas crises dificultarão a
implementação de estratégias de crescimento e governabilidade, prenunciando que
a retomada do crescimento e a redução do desemprego não serão conquistadas a
curto prazo. Ao contrário, com os cortes previstos na área social, Bolsonaro
vai encurtar o cobertor de proteção social das políticas públicas justamente
quando os mais pobres delas mais necessitam, o que vai aumentar a pobreza e a
exclusão e elevar a tensão social e política.
A
política como narrativa midiática tem seus limites; não terá como enfrentar a
realidade de crescente exclusão que será imposta às maiorias. Muitos daqueles
que votaram em Bolsonaro como expressão de sua crítica ao conjunto do sistema
político vão encontrar “mais do mesmo”, uma verdadeira continuidade do governo
Temer em suas tentativas de compor maiorias no Congresso e impor suas políticas
neoliberais.
As
instituições democráticas estarão sob tensão. O presidente eleito e seus
assessores mais próximos já declararam que, se não conseguirem operar suas
políticas no cenário democrático, não terão dificuldades em adotar a via
autoritária. Assim, tanto o Judiciário como o Parlamento poderão se tornar
frentes de conflito importantes e angariar eventuais aliados ao bloco de
oposição. É até pertinente se perguntar se Bolsonaro, como foi com Fernando
Collor, o caçador de marajás, terminará seu mandato.
Particularmente
as últimas semanas da campanha eleitoral apresentaram inovações importantes na busca
da eleição de Haddad, todas de aproximação com o povo e com respeito à
diversidade de opiniões, buscando um ambiente solidário e de diálogo. Vimos em
muitos lugares iniciativas para tentar virar votos. Em muitas praças e
logradouros públicos do país, militantes pela democracia armavam mesas e
cadeiras e faziam o convite: “Se você vai se abster ou anular seu voto, venha
comer um pedaço de bolo, tomar um cafezinho e conversar com a gente”.
Talvez
esteja embutida nessas práticas uma crítica importante aos partidos de
oposição, especialmente ao PT, de que o jogo só muda se os militantes políticos
se aproximarem do povo, buscando sua participação e seu envolvimento na defesa
da democracia.
Em
pouco tempo, o apoio ao governo poderá se esvair. Se hoje já é possível
identificar que as eleições foram manipuladas pela difusão maciça de falsidades
e mentiras nas redes sociais, pelo uso de tecnologias digitais para impulsionar
mensagens financiadas ilegalmente por empresas ou mesmo por grupos no exterior,
é preciso denunciar esses acontecimentos para todos os brasileiros e impedir
que essas estratégias de convencimento continuem.
Não
há como deixar de considerar a possibilidade de que os militares, seja por meio
do vice, seja por decisão do alto comando, diante de uma crise que se agudize,
entendam que é sua responsabilidade assumir diretamente o governo. Várias
declarações recentes de generais da reserva respaldam essa possibilidade.
Neste
cenário, as manifestações em defesa da democracia e da Constituição, as
mobilizações de rua, a discussão com o povo sobre o impacto das políticas que
serão implementadas e a disputa das narrativas nas mídias sociais são o caminho
para organizar a resistência democrática e ampliar, para além dos partidos de
oposição, uma frente democrática, um amplo leque de solidariedades que possa
vir a mobilizar energias de mudança e recuperar a democracia, sacrificada neste
momento pelo impacto das fake news.
Não
se trata, porém, de olhar para trás e recuperar o modelo da democracia liberal,
assinando outra vez um cheque em branco para o candidato que se elege. É
preciso criar uma nova democracia, na qual o cidadão e a cidadã se reapropriem
do poder de decidir sobre sua vida, sobre o destino de seus territórios e sobre
o futuro do Brasil.
http://www.patrialatina.com.br/somos-muitos-podemos-ser-fortes/
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