terça-feira, 13 de novembro de 2018

NÃO SOLTA DA MINHA MÃO. Por Sérgio Saraiva


Em um tempo de festas pelas ruas, guiados por insanos e devassas musas nuas, bêbados e cegos pisam flores. Um tempo de enjoo, um tempo de azia. Em um tempo de ressacadas, choramos pelas flores esmagadas. Nossos sonhos e nossas dores – nossos amores.

E há essa urgência em recolhê-las pisadas pelas calçadas e replantá-las em jardins e praças públicas. Mas os jardins, agora, estão fechados, noite e dia, a cadeado e há vigias e portões em suas cercanias e fronteiras.

Os jardins não abrem mais aos domingos. Todos os dias transformaram-se em segundas-feiras, com seus patrões, suas moendas e britadeiras. Todos os dias são agora dias santos com seus cânticos, sacerdotes e penitências. Todos os dias, feriados nacionais, com generais e gestos de continência.

Os jardins e as praças são agora campos de mineração.

E um tempo de razia, deixaram-nos vazias as vidas e as mãos. Perdi meu tempo e a razão. Neste tempo em que é necessário novamente dar-se as mãos – como meio de proteção - enterrei vários amigos. Um tempo de perdição.

Impedida a passagem, meus companheiros de viagem sentaram-se à beira do mundo. O mundo-meio-fio e a sua sarjeta. Em um tempo de vendeta que se avizinha, maus pressentimentos correm como dedos frios cada nó da espinha.

Estão exaustos. Gastamos as palavras e as solas dos sapatos. Em vão. Trazemos as roupas sujas. Mas as mãos estão limpas. E os sentimentos estão sãos.

Mudos, contemplam o horizonte perdido em um grafite colorido no muro da prisão. Um conselho de finados ou algo assim: quando os soldados, por fim, apagarem a luz e ficarmos na escuridão, procura por mim e não solta da minha mão.

PS: quando a razão se torna irracional, meu coração se refugia na Oficina de Concertos Gerais e Poesia.




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