Lava
Jato, trair a Pátria não é crime? Vender o país não é corrupção?
O
juiz Sérgio Moro sabe; o procurador Deltan Dallagnol tem plena ciência.
Fui,
neste plenário, o primeiro senador a apoiar e a conclamar o apoio à Operação
Lava Jato. Assim como fui o primeiro a fazer reparos aos seus equívocos e
excessos.
Mas,
sobretudo, desde o início, apontei a falta de compromisso da Operação, de seus
principais operadores, com o país. Dizia
que o combate à corrupção descolado da realidade dos fatos da política e da
economia do país era inútil e enganoso.
E
por que a Lava Jato se apartou, distanciou-se dos fatos da política e da
economia do Brasil?
Porque
a Lava Jato acabou presa, imobilizada por sua própria obsessão; obsessão que
toldou, empanou os olhos e a compreensão dos heróis da operação ao ponto de
eles não despertarem e nem reagirem à pilhagem criminosa, desavergonhada do
país.
Querem
um exemplo assombroso, sinistro dessa fuga da realidade?
Nunca
aconteceu na história do Brasil de um presidente ser denunciado por corrupção
durante o exercício do mandato. Não apenas ele.
Todo
o entorno foi indigitado e denunciado. Mas nunca um presidente da República
desbaratou o patrimônio nacional de forma tão açodada, irresponsável e
suspeita, como essa Presidência denunciada por corrupção.
Vejam.
Só no último o leilão do petróleo, esse governo de denunciado como corrupto,
abriu mão de um trilhão de reais de receitas.
Um
trilhão, Moro!
Um
trilhão, Dallagnoll!
Um
trilhão, Polícia Federal!
Um
trilhão, PGR!
Um
trilhão, Supremo, STJ, Tribunais Federais, Conselhos do
Ministério
Público e da Justiça.
Um
trilhão, brava gente da OAB!
Um
trilhão de isenções graciosamente cedidas às maiores e mais ricas empresas do
planeta Terra. Injustificadamente. Sem qualquer amparo em dados econômicos, em
projeções de investimentos, em retorno de investimentos. Sem o apoio de estudos sérios, confiáveis.
Nada!
Absolutamente nada!
Foi
um a doação escandalosa. Uma negociata impudica.
Abrimos
mão de dinheiro suficiente para cobrir todos os alegados déficits
orçamentários, todos os rombos nas tais contas públicas.
Abrimos
mão do dinheiro essencial, vital para a previdência, a saúde, a educação, a
segurança, a habitação e o saneamento, as estradas, ferrovias, aeroportos,
portos e hidrovias, para os próximos anos.
Mas
suas excelentíssimas excelências acima citadas não estão nem aí. Por que,
entendem, não vem ao caso?
Na
década de 80, quando as montadoras de automóveis, depois de saturados os
mercados do Ocidente desenvolvido, voltaram os olhos para o Sul do mundo, os
governantes da América Latina, da África, da Ásia entraram em guerra para ver
quem fazia mais concessões, quem dava mais vantagens para “atrair” as fábricas
de automóveis.
Lester
Turow, um dos papas da globalização, vendo aquele espetáculo deprimente de
presidentes, governadores, prefeitos a oferecer até suas progenitoras para
atrair uma montadora de automóvel, censurou- os, chamando-os de ignorantes por
desperdiçarem o suado dinheiro dos impostos de seus concidadãos para premiarem
empresas biliardárias.
Turow
dizia o seguinte: qualquer primeiroanista de economia, minimamente dotado, que
examinasse um mapa do mundo, veria que a alternativa para as montadoras se
expandirem e sobreviverem estava no Sul do Planeta Terra. Logo, elas não
precisavam de qualquer incentivo para se instalarem na América Latina, Ásia ou
África. Forçosamente viriam para cá.
No
entanto, governantes estúpidos, bocós, provincianos, além de corruptos e
gananciosos deram às montadoras mundos e fundos.
Conto
aqui uma experiência pessoal: eu era governador do Paraná e a fábrica de
colheitadeiras New Holland, do Grupo Fiat, pretendia instalar- se no Brasil,
que vivia à época o boom da produção de grãos.
A
Fiat balançava entre se instalar no Paraná ou Minas Gerais. Recebo no palácio
um dirigente da fábrica italiana, que vai logo fazendo numerosas exigências
para montar a fábrica em meu estado. Queria tudo: isenções de impostos,
terreno, infraestrutura, berço especial no porto de Paranaguá, e mais algumas
benesses.
Como
resposta, pedi ao meu chefe de gabinete uma ligação para o então governador de
Minas Gerais, o Hélio Garcia. Feito o contanto, cumprimento o governador:
“Parabéns, Hélio, você acaba de ganhar a fábrica da New Holland”. Ele fica
intrigado e me pergunta o que havia acontecido.
Explico
a ele que o Paraná não aceitava nenhuma das exigências da Fiat para atrair a
fábrica, e já que Minas aceitava, a fábrica iria para lá.
O
diretor da Fiat ficou pasmo e se retirou. Dias depois, ele aparece e comunica
que a New Holland iria se instalar no Paraná.
Por
que?
Pela
obviedade dos fatos: o Paraná à época, era o maior produtor de grãos do Brasil
e, logo, o maior consumidor de colheitadeiras do país; a fábrica ficaria a
apenas cem quilômetros do porto de Paranaguá; tínhamos mão-de-obra altamente
especializada e assim por diante.
Enfim,
o grande incentivo que o Paraná oferecia era o mercado.
O
que me inspirou trucar a Fiat? O conselho de Lester Turow e o exemplo de meu
antecessor no governo, que atraiu a Renault, a Wolks e a Chrysler a peso de
ouro e às custas dos salários dos metalúrgicos paranaenses, pois o governador
de então chegou até mesmo negociar os vencimentos dos operários, fixando-os a
uma fração do que recebiam os trabalhadores paulista. Mundos e fundos, e um
retorno pífio.
Pois
bem, voltemos aos dias de hoje, retornemos à história, que agora se reproduz
como um pastelão.
O
pré-sal, pelos custos de sua extração, coisa de sete dólares o barril, é
moranguinho com nata, uma mamata só!
A
extração do óleo xisto, nos Estados Unidos, o shale oil, chegou a custar até 50
dólares o barril;
O
petróleo extraído pelos canadenses das areias betuminosas sai por 20 a 30
dólares o barril; as petrolíferas, as mesmas que vieram aqui tomar o nosso
pré-sal, fecharam vários projetos de extração de petróleo no Alasca porque os
custos ultrapassavam os 40 dólares o barril.
Quer
dizer: como no caso das montadoras, era natural, favas contadas que as
petrolíferas enxameassem, como abelhas no mel, o pré-sal. Com esse custo, quem
não seria atraído?
Por
que então, imbecis, por que então, entreguistas de uma figa, oferecer mais
vantagens ainda que a já enorme, incomparável e indisputável vantagem do custo
da extração?
Mais
um dado, senhoras e senhores da Lava Jato, atrizes e atores daquele malfadado
filme: vocês sabem quanto o governo arrecadou com o último leilão? Arrecadou o correspondente a um centavo de
real por litro leiloado.
Um
centavo, Moro!
Um
centavo, Dallagnoll!
Um
centavo, Carmem Lúcia!
Um
centavo, Raquel Dodge!
Um
centavo, ínclitos delegados da Policia Federal!
Esse
governo de meliantes faz isso e vocês fazem cara de paisagem, viram o rosto
para o outro lado.
Já
sei, uma das razões para essa omissão indecente certamente é, foi e haverá de
ser a opinião da mídia.
Com
toda a mídia comercial, monopolizada por seis famílias, todas a favor desse
leilão rapinante, como os senhores e as senhoras iriam falar qualquer coisa,
não é?
Não
pegava bem contrariar a imprensa amiga, não é, lavajatinos?
Renovo
a pergunta: desbaratar o suado dinheiro que é esfolado dos brasileiros via
impostos e dar isenção às empresas mais ricas do planeta é um ou não é
corrupção?
Entregar
o preciosíssimo pré-sal, o nosso passaporte para romper com o
subdesenvolvimento, é ou não é suprema, absoluta, imperdoável corrupção?
É
ou não uma corrupção inominável reduzir o salário mínimo e isentar as
petroleiras?
Será,
juízes, procuradores, policiais federais, defensores públicos, será que as
senhoras e os senhores são tão limitados, tão fronteiriços, tão pouco dotados
de perspicácia e patriotismo ao ponto de engolirem essa roubalheira toda sem
piscar?
Bom,
eu não acredito, como alguns chegam a acusar, que os senhores e as senhoras são
quintas-colunas, agentes estrangeiros, calabares, joaquins silvérios ou, então,
cabos anselmos.
Não,
não acredito.
Não
acredito, mas a passividade das senhoras e dos senhores diante da destruição da
soberania nacional, diante da submissão do Brasil às transnacionais, diante da
liquidação dos direitos trabalhistas e sociais, diante da reintrodução da
escravatura no país? Essa passividade
incomoda e desperta desconfianças, levanta suspeitas.
Pergunto,
renovo a pergunta: como pode um país ser comandado por uma quadrilha, clara e
explicitamente uma quadrilha, e tudo continuar como se nada estivesse acontecendo?
Responda,
Moro.
Responda,
Dallagnoll.
Responda,
Carmem Lúcia.
Responda,
Raquel Dodge.
Respondam,
oh, ínclitos e severos ministros do Tribunal de Contas da União que ajudaram a
derrubar uma presidente honesta.
Respondam,
oh guardiões da moral, da ética, da honestidade, dos bons costumes, da família,
da propriedade e da civilização cristã ocidental.
Respondam
porque denunciaram, mandaram prender, processaram e condenaram tantos lobistas,
corruptores de parlamentares e de dirigentes de estatais, mas pouco se dão se,
por exemplo, lobistas da Shell, da Exxon e de outras petroleiras estrangeiras
circulem pelo Congresso obscenamente, a pressionar, a constranger parlamentares
em defesa da entrega do pré-sal, e do desmantelamento indústria nacional do óleo
e do gás?
Eu
vi, senhoras e senhores. Eu vi com que liberdade e desfaçatez o lobista da
Shell, semanas atrás, buscava angarias votos para aprovar a maldita, indecorosa
MP franqueando todo o setor industrial nacional do petróleo à predação das
multinacionais.
Já
sei, já sei? Isso não vem, ao caso.
Fico
cá pensando o que esses rapazes e essas moças, brilhantíssimos campeões de
concursos públicos, fico pensando?. O que eles e elas conhecem de economia, da
história e dos impasses históricos do desenvolvimento brasileiro?
Será
que eles são tão tapados ao ponto de não saberem que sem energia, sem
indústria, sem mercado consumidor, sem sistema financeiro público, para
alavancar a economia, sem infraestrutura não há futuro para qualquer país que
seja? Esses são os ativos imprescindíveis para o desenvolvimento, para a
remissão do atraso, para o bem-estar social e para a paz social.
Sem
esses ativos, vamos nos escorar no quê? Na produção e exportação de
commodities? Ora?
Mas,
os nossos bravos e bravas lavajatinos não consideram o desbaratamento dos
ativos nacionais uma forma de corrupção.
Senhoras,
senhores, estamos falando da venda subfaturada –ou melhor, da doação- do país
todo! Todo!
E
quem o vende?
Um
governo atolado, completamente submerso na corrupção.
E
para que vende?
Para
comprar parlamentares e assim escapar de ser julgado por corrupção.
Depois
de jogar o petróleo pela janela, preparando assim o terreno para a nossa
perpetuação no subdesenvolvimento, o governo aproveita a distração de um
feriado prolongado e coloca em hasta pública o Banco do Brasil, a Caixa
Econômica, a Eletrobrás, a Petrobrás e que mais seja de estatal.
Ladrões
de dinheiro público vendendo o patrimônio público.
Pode
isso, Moro?
Pode
isso, Dallagnoll?
Pode
isso, Carmem Lúcia?
Pode
isso, Raquel Dodge?
Ou
devo perguntar para o Arnaldo?
À
véspera do leilão do pré-sal, semana passada, tive a esperança de que algum
juiz intrépido ou algum procurador audacioso, iluminados pelos feéricos,
espetaculosos exemplos da Lava Jato, impedissem esse supremo ato de corrupção
praticado por um governo corrupto.
Mas,
como isso não vinha ao caso, nada tinha com os pedalinhos, o tríplex, as
palestras, o aluguel do apartamento, nenhum juiz, nenhum procurador, nenhum
delegado da polícia federal, e nem aquele rapaz do TCU, tão rigoroso com a
presidente Dilma, ninguém enfim, se lixou para o esbulho.
Ah,
sim, não estava também no power point?.
É
com desencanto e o mais profundo desânimo que pergunto: por que Deus está sendo tão duro assim com o
Brasil.
*Roberto Requião é
senador da República no segundo mandato. Foi governador de estado por 3
mandatos, 12 anos, prefeito de Curitiba, secretário de estado, deputado,
industrial, agricultor, oficial do exército brasileiro e advogado de movimento
sociais. É graduado em direito e jornalismo com pós-graduação em urbanismo e
comunicação.
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