Até
poucos meses atrás, colocar um adesivo no peito para manifestar uma ideia,
andar de mãos dadas com alguém do mesmo sexo, ser feminista, manifestar sua
opinião ou até mesmo amamentar o bebê em público podia render alguns olhares
enviesados, mas o constrangimento não era exatamente uma regra, muito menos a
violência.
Isso
mudou, e para muito pior. Somam dezenas os relatos de pessoas que foram
atacadas física ou verbalmente por seguidores do candidato do PSL à Presidência
da República, Jair Bolsonaro. E não se trata de um acaso.
As
agressões ou ameaças vêm sempre acompanhadas de frases como: “Aí, seu viadinho
de merda, já viu as pesquisas? Vai aproveitando até o dia 28 pra andar de
mãozinha dada, porque, quando o mito assumir, acabou essa putaria e você vai
levar porrada até virar homem”. Ou: “Achou mesmo que era só sair gritando
#elenão pra parar o bolsomito, feminazi??? Perdeu, escrota!! E daqui a pouco
você vai ter motivo pra gritar de verdade!!!”
Esses
são relatos feitos por pacientes da psicanalista Silvia Bellintani, de São
Paulo. Pouco antes do primeiro turno das eleições, autorizada pelo jovem
homossexual de 19 anos e pela garota hetero e feminista de 17 anos, Silvia
publicou um apelo nas redes sociais: “Perceber o pavor desses dois adolescentes
me virou do avesso e despertou uma indignação difícil de descrever; escutei os
relatos com a visão nublada pela fúria que senti, seguida por um desejo quase
incontrolável de proteger os dois”.
Ainda
sob um cenário indefinido, a psicanalista reforçava. “Fico imaginando o que vem
pela frente. A homofobia e a misoginia presentes nas ameaças sofridas por esses
dois adolescentes são apenas duas amostras dentre tantas outras atrocidades que
BOLSONARO, ESSE CRIMINOSO NAZIFASCISTA, incentiva e legitima”.
E
segue em seu post, considerando não haver justificativa para essa escolha. “Se
você vota nele, é CORRESPONSÁVEL: não apenas por essas, mas por todas as outras
ameaças que ainda estão por vir”.
O
terror contido nas palavras de Silvia Bellintani tomou os divãs de psicanalistas
em todo o Brasil. E não só da parte de quem sente medo, mas também dos que
sentem ódio.
A
psicanalista Glaucia Segalla tem observado em pacientes transtornados de raiva.
“A pauta política e as redes sociais potencializam e fortalecem uma agressividade
que já havia”, relata Glaucia, que encaminhou à reportagem o Manifesto dos
Psicanalistas Brasileiros pela Democracia (leia íntegra abaixo), preocupada em
repercutir a posição dela e de outros colegas de profissão.
O
texto, assinado por cerca de 40 sociedades psicanalíticas, escolas de
psicanálise e associações de psicanalistas, frisa que Brasil se encontra em um
momento crucial de sua história. “Nas próximas três semanas estaremos diante de
uma escolha que moldará de forma contundente nosso horizonte. Estamos todos
sendo convocados a definir de maneira clara que tipo de sociedade queremos
ser”, afirmam os profissionais do divã.
O
documento expressa imensa apreensão diante de um cenário que, “de maneira
flagrante, vem pondo em risco o Estado Democrático de Direito que com grande
esforço conquistamos, e que vem sustentando a sociedade brasileira nos últimos
trinta anos. Não podemos deixar que isso aconteça!”.
Os
profissionais lembram que a democracia é o único fiador de nosso futuro como
nação, é único caminho em direção a uma sociedade livre, justa e fraterna.
“Para mantê-la é preciso sustentar o direito inalienável de livre expressão de
ideias, e de associação - que se traduzem na diversidade política, cultural,
religiosa e sexual, e no repúdio a toda forma de preconceito, opressão social,
racial ou sexual”. E conclamam “todos os brasileiros a usarem conscientemente
seu voto como um instrumento de defesa dos valores essenciais da democracia. O
momento que vivemos não admite hesitação!”
Palavras
como balas perdidas
“Uma
amiga estava amamentando seu filho, que tem menos de um ano, em uma padaria
próxima à sua casa, quando passaram dois caras e um deles gritou, olhando pra
ela: ‘Quando ele ganhar, essas vagabundas não vão mais poder fazer isso!’”
A
frase faz parte de “um movimento de circulação de breves relatos do que tem
sido escutado nas ruas do país sobre os efeitos nefastos que a ameaça do
fascismo é capaz de provocar”, proposto por psicanalistas da Escola Brasileira
de Psicanálise.
São
histórias cada vez mais comuns, mas tão desprovidas de sentido que só encontram
respaldo nas frases disparadas por anos a fio pelo candidato que há 28 anos na
vida política só fez tecer uma colcha de retalhos de preconceitos, ameaças,
incentivo à violência. Um dos relatos apresentados pela Escola Brasileira dá
conta de uma longa conversa na qual alguém tentava argumentar contra o que
representa a candidatura do capitão. “O alguém perde os argumentos e enuncia a
verdade velada. 'Ah, quer saber, foda-se se ele defende a tortura. Comunista
pode ser torturado!’”
Ou
uma mãe que conta, preocupada: “Minha filha, ontem, na saída da escola, foi
abordada por um cara, que, por conta do adesivo do Haddad, que ela trazia
colado na camisa, mandou essa: ‘Fica esperta que eu sou do exército Bolsonaro
que esfola comunista’”.
Para
os profissionais da Escola Brasileira de Psicanálise, “quando o valor das
palavras é banalizado, a ponto de o pior poder ser dito por um candidato à
presidência da República, como se fossem apenas palavras ao ar, perdemos a
noção de que estamos escrevendo, com elas, nossa história. Perdemos a noção de
que palavras se cravam na história, nos ouvidos e nos corpos de um país.
Palavras que incentivam a negação absoluta do outro são como balas perdidas:
encontrarão um ponto de parada para perfurar. E nunca se sabe ao certo, de
antemão, onde será. Não será sem consequências nos fazermos de surdos para o
pior. Escutemos, pois”.
*****
Manifesto
dos psicanalistas brasileiros pela democracia
O
Brasil se encontra num momento crucial de sua história. Nas próximas três
semanas estaremos diante de uma escolha que moldará de forma contundente nosso
horizonte. Estamos todos sendo convocados a definir de maneira clara que tipo
de sociedade queremos ser.
As
entidades que assinam este Manifesto - Sociedades psicanalíticas, Escolas de
Psicanálise e Associações de psicanalistas - vêm a público manifestar sua
imensa apreensão diante de um cenário que, de maneira flagrante, vem pondo em
risco o Estado Democrático de Direito que com grande esforço conquistamos, e
que vem sustentando a sociedade brasileira nos últimos trinta anos. Não podemos
deixar que isso aconteça!
A
democracia é o único fiador de nosso futuro como nação, é o único caminho em
direção a uma sociedade livre, justa e fraterna. Para mantê-la é preciso
sustentar o direito inalienável de livre expressão de ideias, e de associação -
que se traduzem na diversidade política, cultural, religiosa e sexual, e no
repúdio a toda forma de preconceito, opressão social, racial ou sexual. É
necessário apostar na construção de uma sociedade que busque de forma
permanente reduzir a abjeta desigualdade econômica que ainda nos caracteriza.
Por
isso, instamos todos os brasileiros a usarem conscientemente seu voto como um
instrumento de defesa dos valores essenciais da democracia. O momento que
vivemos não admite hesitação!
Brasil,
10 de Outubro de 2018
Assinam
o presente Manifesto:
Movimento
Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras:
ALEPH
– Escola de Psicanálise
Associação
Psicanalítica de Porto Alegre - APPOA
CEPdePA
- Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre
Círculo
Brasileiro de Psicanálise - CBP
Círculo
Psicanalítico do Rio de Janeiro - CPRJ
Corpo
Freudiano do Rio de Janeiro Escola de Psicanálise
Departamento
de Psicanálise - SEDES SAPIENTIAE
Departamento
Formação em Psicanálise - SEDES SAPIENTIAE
Escola
Brasileira de Psicanálise - EBP
Escola
de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - EPFCL/BRASIL
Escola
Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro
Escola
Letra Freudiana
Federação
Brasileira de Psicanálise - FEBRAPSI
Laço
Analítico/Escola de Psicanálise - LAEP
Práxis
Lacaniana/Formação em Escola – Niterói
Sigmund
Freud Associação Psicanalítica
Sociedade
de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro - SPCRJ
Tempo
Freudiano Associação Psicanalítica
Associação
Psicanalítica de Nova Friburgo
Círculo
Psicanalítico de Minas Gerais - CPMG
Círculo
Psicanalítico de Pernambuco - CPP
Coletivo
Psicanalistas pela Democracia
Espaço
Brasileiro de Estudos Psicanalíticos - EBEP
Fórum
do Campo Lacaniano - Rio de Janeiro
Fórum
do Campo Lacaniano - São Paulo
Laboratório
de Estudos de Psicanálise da Infância e da Educação - IPUSP/USP
Laboratório
de Pesquisa em Psicanalise, arte e politica – LAPPAP/UFRGS
Maiêutica
Florianópolis - Instituição Psicanalítica
Núcleo
de Pesquisa Psicanálise e Sociedade da PUC-SP
Núcleo
de Psicanálise – HCFM- USP=
Programa
de Mestrado Profissional em Psicanálise e Políticas Públicas do IP/UERJ
Programa
de Pós-Graduação em Psicanálise do Instituto de Psicologia da UERJ
Programa
de Pós-graduação em Psicanálise, clínica e cultura da UFRGS
Rede
Interamericana de Psicanálise e Política - REDIPPOL
Rede
Internacional Coletivo Amarrações: políticas com adolescentes
Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo - SBPSP
Sociedade
Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro - SBPRJ
Toro
- Escola de Psicanálise (Maceió)
https://www.redebrasilatual.com.br/eleicoes-2018/a-violencia-e-o-odio-chegam-ao-diva-e-analistas-clamam-por-democracia
Nenhum comentário:
Postar um comentário