A
Medida Provisória 746, que prevê a reforma do ensino médio, vem gerando
críticas e protestos, sobretudo, no meio estudantil. Sem entrar no mérito
daquilo que propõe a medida, me detenho a observar que, no ordenamento jurídico
brasileiro, as medidas provisórias funcionam como dispositivos de calibragem
entre os poderes Executivo e Legislativo.
Como
se sabe, a cada um dos poderes da República são atribuídos papéis diferentes, o
que não significa que haja divisão do poder do Estado. Pelo contrário, o poder
do Estado é uno; o que se divide são suas funções.
Vale
apontar que o Brasil é um dos países que aplica com maior vigor o conceito de
independência entre os poderes concebido por Montesquieu. Aqui, conforme
estabelecido na nossa Constituição, há uma divisão clássica de poder, que os
americanos chamam de checks and balances – freios e contrapesos –, para que um
poder não exerça a função do outro e não haja concentração de poderes na pessoa
de um soberano, evitando, portanto, o abuso.
Com
essa distribuição de atribuições de forma muito clara, diferentemente do que
ocorre em outros países, a Constituição determina que somente a lei pode inovar
na ordem jurídica. No inciso II do artigo 5º estipula-se que “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, o
que equivale a dizer que, no Brasil, as relações originárias de direito e
obrigação só podem ser criadas por lei.
Tais
princípios são importantes para que se possa compreender as diferenças entre as
funções do Executivo e a do Legislativo. Enquanto este cria normas, aquele as
aplica. Cabe ao Executivo atividade que o professor Celso Antônio Bandeira de
Mello chama de ancilar da lei, ou seja, escrava, serva da lei. Neste aspecto, é
descabido pensar o Executivo como produtor originário de normas.
É
verdade que a dinâmica da vida social, ocasionalmente, exige que o Executivo
atenda de forma emergencial a um determinado interesse público, sem a
possibilidade de aguardar a deliberação do Legislativo. É o que ocorre em casos
de catástrofes naturais e climáticas, por exemplo, quando a vida das pessoas
precisa ser protegida. E é exatamente para estas situações urgentes e
relevantes que foi criado o instituto da Medida Provisória.
Em
síntese, a Medida Provisória, no seu regime jurídico, enseja, necessariamente,
acolher uma situação de urgência, que não possa ser atendida dentro de um
determinado prazo. Uma medida de calibragem no sistema constitucional de
divisão de funções
A
reforma do ensino médio, definitivamente, não possui tais características.
Logo, poderia e deveria seguir o rito legislativo necessário a sua aprovação.
Inclusive, já tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que visa
justamente estabelecer mudanças nessa etapa do ensino básico. O Executivo
poderia, por exemplo, pedir que o PL fosse votado em regime de urgência
urgentíssima, sem invadir a função do
Poder Legislativo.
Executar
por Medida Provisória uma reforma que irá afetar toda a atividade educacional
brasileira, sem realizar um debate amplo com agentes pedagógicos, estudantes
secundaristas e entidades estudantis, professores, pais e mães, enfim, sem o
real envolvimento da sociedade, é expediente autoritário e antidemocrático.
Trata-se de um meio absolutamente inadequado ao Estado Democrático de Direito
que, infelizmente, tem sido empregado de forma frequente, desnecessária e,
portanto, abusiva, no Brasil.
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-constituicao-e-a-reforma-do-ensino-medio
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