quinta-feira, 13 de maio de 2010

A SOCIEDADE RECREATIVA CULTURAL ELITE E OS “PEQUENININHOS”(KARIMAN)

PELAS BANDAS DO ROCK

Foto da Banda Kariman no palco da Sociedade Recreativa Cultural Elite. Da esquerda para a direita estão o Edu (Eduardo Ribeiro Camello), o Taby (Altamir Floriano Pedroso), o Bidão (Alcebíades Fernandes de Melo) e o Magrão (Jorge André Irion Jobim) com sua guitarra de doze cordas.


A SOCIEDADE RECREATIVA CULTURAL ELITE E OS "PEQUENININHOS"


Outro dia, pesquisando a legislação do município de Santa Maria, por acaso me deparei com a Lei Municipal nº 1750, de 18.12.1974 que declarou a Sociedade Recreativa e Cultural Elite como sendo de utilidade pública. Meu pensamento foi invadido por um turbilhão de lembranças pois afinal, este clube teve um significado especial em minha vida. Infelizmente, não existem outros registros históricos a respeito dele.

O Elite era um clube de madeira localizado lá na Vila Oliveira, freqüentado essencialmente por negros da classe mais pobre da cidade e era dirigido pelo “seu” Agenor Alves do Amaral que, segundo alguns diziam, era um militar aposentado.

Pois corria o ano de 1972, época em que eu e meus amigos Edu (Eduardo Ribeiro Camello) e Taby (Altamir Floriano Pedroso), após termos participado de grupos como “Os Rebeldes” no final dos anos sessenta e do Esquema Som no ano de 1971, decididos que estávamos em fazer uma banda que tocasse não apenas covers mas também músicas próprias, havíamos criado o grupo Kariman e tínhamos um projeto de arrecadar algum dinheiro para darmos um salto maior indo para a capital Porto Alegre, lugar onde proliferavam as bandas e shows de rock.

Eu já trabalhava todas as noites da semana em uma casa noturna, dessas que mantêm uma luz vermelha do lado de fora. Nos finais de semana, como havia uma infinidade de clubes na cidade que promoviam bailes nas sextas-feiras e nos sábados, normalmente nós tínhamos trabalho bastante e dificilmente ficávamos parados. Acontece que todos nós já vivíamos de música e havíamos alugado uma casa na Travessa Rafael Real da Vila Carolina na qual nós ensaiávamos e morávamos. Não sobrava muito dinheiro para investirmos em aparelhagem e a nossa se resumia a uma bateria, um aparelho de voz de 50 watts que eu havia comprado com dinheiro obtido tocando durante algum tempo em uma boite aberta na barragem de Itaúba durante a época em que ela estava sendo construída, um aparelho de contrabaixo que funcionava com pilhas e um aparelho pequeno no qual nós ligávamos duas guitarras. É claro que, mesmo para a época em que não se exigia e nem existia muita qualidade de som, era muito pouco para alçar vôos mais altos.

Tão logo fomos morar na Vila Carolina, ficamos sabendo que ali perto havia a Sociedade Elite, um pequeno clube que promovia reuniões dançantes todos os domingos, das vinte até as vinte e quatro horas. Imaginamos que ali estava mais uma oportunidade de ganharmos mais algum dinheiro para investirmos em uma melhor aparelhagem de som e, no final de semana, fomos até o dito clube para escutar do lado de fora. Ao chegarmos lá, quem estava tocando era uma banda denominada “Som 5”, formada por Mário na bateria, Augusto no contrabaixo, Pedrinho na guitarra-base, Limanuel na Guitarra-solo e Celso como cantor. O repertório deles era essencialmente o mesmo do grupo da jovem guarda Renato e seus Blue Caps e eles o executavam com maestria. Como as nossa músicas, além dos Beatles, Rolling Stones, Beach Boys, Creedence Clearwater Revival, também tinham uma forte influência do Renato e seus Blue Caps e dos Fevers, animamo-nos e resolvemos procurar o diretor do clube.

No outro dia, fomos até lá à procura do “seu Agenor” que nos recebeu com seu habitual sorriso e perguntou o que queríamos. Falamos a ele que tínhamos um grupo musical, que morávamos a poucas quadras dali e perguntamos se ele não teria uma data vaga para que nós pudéssemos apresentar o nosso trabalho em seu clube. Como nós usávamos os cabelos compridos, ele nos olhou um pouco desconfiado e disse que normalmente, ele não contratava conjuntos que não conhecia. Disse-nos que pela Sociedade Elite haviam passado grandes “orquestras” conforme ele dizia. Perguntamos quais e ele nos respondeu que a maior de todas havia sido o Jazz do Sabonete. Bem, nós não havíamos conhecido o tal grupo mas, por acaso, a primeira bateria que nós conseguimos adquirir com nosso pouco dinheiro, era justamente aquela que havia pertencido à tal orquestra tão logo ela se desfez. Quando contamos esta história, ele pareceu ter mudado e resolveu nos dar uma chance para dali duas semanas mas foi logo avisando que se o grupo não agradasse, nunca mais teria chance de voltar lá. Na época, nós ensaiávamos o dia inteiro e a única coisa que podia nos atrapalhar era a deficiência de aparelhagem.

Chegado o dia de nossa apresentação no Elite, como estávamos sempre tentando economizar e o lugar era perto, resolvemos não contratar a caminhonete do seu Pedro, pai de nosso baterista Bidão (Alcebíades Fernandes de Melo) e decidimos por um transporte mais barato: a charrete do meu vizinho Valdori que nos cobrou apenas dois quilos de milho. Colocamos a nossa “imensa” aparelhagem no veículo movido a um cavalo de potência, e fomos caminhando ao lado dele até chegarmos ao clube. O seu Agenor ao ver aquela cena inusitada, riu bastante mas ficou preocupado, achando que iria “faltar som” para seus habituais fregueses. Nós prometemos que isso não iria acontecer e começamos a montar a aparelhagem e, apesar do palco ser bastante pequeno, não conseguimos encher toda a sua extensão com nosso minguado equipamento.

Chegada a hora de iniciar a reunião dançante, como o pessoal não conhecia o conjunto, ficou do lado de fora para ver se valia a pena pagar o ingresso ou não. Iniciamos com músicas bastante conhecidas e com ritmos que já havíamos percebido que eles gostavam. É claro que houve deficiência de som, mas tudo isso era superado pelo fato de que o nosso forte eram justamente os vocais à moda dos Beach Boys e isso dava bastante vida às músicas. Aos poucos o pessoal foi entrando e dali a pouco, o Elite já estava lotado com as pessoas dançando. No meio da reunião, anunciamos que iríamos tocar algumas composições nossas, entre elas, Marina, Pelos Lugares que Passei, Lembre-se de Mim, Quero que me Faças Feliz, Preciso Urgentemente lhe Falar, Mary Jane, etc. e todas elas caíram nas graças do público. Tanto que em outras vezes que ali tocamos, recebíamos pedidos para executá-las.

No final da noite, o seu Agenor veio nos dar os parabéns e dizer que havia ficado apreensivo com a nossa diminuta aparelhagem mas assim que viu nós iniciarmos a tocar, ficou mais aliviado, Daquele dia em diante, ele nos apelidou de “Os Pequenininhos”, nome pelo qual ele nos chamou até o último contato que tivemos.

Muitas outras vezes nos apresentamos no Elite, até o dia em que, já com um equipamento de som respeitável, resolvemos partir para Porto Alegre. À época, já contávamos com o baterista Tonho (Luiz Antonio Martins da Silva) pois o Bidão precisou prestar o serviço militar e evidentemente, a nossa despedida foi no Elite.

Na capital, após um início difícil, já que lá ninguém trabalhava sem ter um empresário, acabamos ficando conhecidos pelos shows de rock que participamos. Em uma temporada que fizemos no Clube de Cultura, fomos descobertos pela mídia porto-alegrense e eram publicadas diariamente reportagens sobre a nossa banda em todos os grandes jornais locais. Juarez Fonseca que era o crítico de música mais respeitado à época, chegou a publicar entrevistas nossas que tomavam quase meia página do jornal acompanhadas com fotografias que ele mesmo havia tirado.

E foi assim que no ano de 1975, nós éramos chamados para fazer shows de apenas meia hora no meio de bailes abrilhantados por outros grupos musicais, ganhando valores que sequer imaginávamos há dois anos atrás. Em algumas datas, chegávamos a fazer cinco apresentações por noite e, segundo noticiavam os jornais, tivemos a melhor aparelhagem de rock da cidade.

É claro que toda essa correria, nos tirava o tempo para ensaiar e resolvemos voltar à Santa Maria para dar uma reciclada. Ao chegarmos aqui, naturalmente a primeira pessoa que procuramos foi justamente aquele senhor que havia acreditado em nós e nos dado uma oportunidade, o seu Agenor. Quando ele nos viu ficou emocionado dizendo que “os Pequenininhos” haviam voltado agora bastante famosos em virtude da ampla divulgação na mídia. É claro que o Elite foi o lugar escolhidos para que nós fizéssemos a nossa primeiro apresentação em nosso retorno à cidade. Foi uma noite inesquecível. O Elite estava lotado de pessoas que nos conheciam anteriormente e que não paravam de pedir que tocássemos as nossas músicas.

Dali por diante, durante o tempo em que permanecemos em Santa Maria naquele ano de 1976, sempre que podíamos, voltávamos a tocar no Elite. É claro que não recordo o dia, mas tenho a lembrança de que na última vez que lá nos apresentamos, vi o “seu Agenor” com um olhar um pouco triste e chegamos a comentar este fato.

Pois havia uma razão para aquele ar de tristeza que ele denotava naquela noite. E só fomos descobrir a razão na outra semana quando fomos procurá-lo para acertar uma nova data e, para nossa surpresa, ao chegarmos ao clube ele havia sido demolido. Nós nunca ficamos sabendo a razão, até pelo fato de que não conseguimos mais falar com o seu Agenor pois já estávamos de partida novamente para Porto Alegre. Não é preciso falar que nós também ficamos entristecidos de ver o repentino e inglório fim de um clube que tinha para nós um significado tão grande.

Bem, saímos dali cabisbaixos mas ao mesmo tempo honrados pelo fato de termos sido o último grupo a se apresentar na Sociedade Recreativa e Cultural Elite. Sem que soubéssemos o nosso Mecenas havia nos reservado tal privilégio.

Lembramos que em nossa última apresentação, o seu Agenor, no final da noite havia nos confidenciado que sem dúvida, as duas grandes “orquestras” que havia tocado no Elite eram o “Jazz do Sabonete” e os “Pequenininhos”. Para nós do grupo Kariman, foi o maior elogio musical que recebemos em toda a nossa história. Muito maior e mais importante do que toda a crítica favorável recebida da grande mídia gaúcha à época.

Jorge André Irion Jobim.


Estas são algumas músicas que tocávamos na Sociedade Elite. São músicas simples com letras ingênuas, fruto daquela época em que éramos jovens e acreditávamos no amor. Aqui elas foram gravadas apenas por mim com um velho violão, “dedos enferrujados” e em um programa caseiro. De qualquer maneira, elas dão uma remota ideia do estilo da banda.


LEMBRE-SE DE MIM



MARY JANE



MARINA



width="400">Link para outra história do Kariman. O REENCONTRO

Um comentário:

Unknown disse...

Muito legal, registro que passa a fazer parte da história de Santa Maria. Eu testemunhei a cena da "charrete" em outra ocasião, quando a Banda ia tocar na Escola da Vila Carolina. Abraço!