A
denúncia oferecida na segunda-feira (3/9), em pleno período eleitoral, pelo
promotor Marcelo Mendroni contra o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad —
candidato a vice-presidente na chapa de Lula —, pelos crimes de corrupção,
lavagem de dinheiro e associação criminosa, é mais um movimento político do Ministério
Público paulista para, como sói acontecer, tentar desmoralizar os candidatos do
PT e influenciar as eleições de outubro.
A
denúncia tem como base as levianas e insustentáveis delações de Ricardo Pessoa
e Walmir Pinheiro, da UTC, e do desmoralizado doleiro Alberto Youssef. Segundo
o promotor, Haddad recebeu R$ 2,6 milhões em “propina da empreiteira UTC para
pagamento de dividas da campanha de 2012”.
Segundo
a acusação, o então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, se reuniu com Ricardo
Pessoa (UTC) em abril ou maio de 2013 e pediu R$ 3 milhões “em nome do
prefeito” para sanar dívidas da campanha. Sendo que a UTC teria negociado o
pagamento de R$ 2,6 milhões.
Embora
o inquérito não apresente prova que demonstre um pedido explícito de Fernando
Haddad de dinheiro para pagamento da dívida nem aponte qualquer contrapartida
de Haddad ao pagamento da UTC, o promotor afirmou a jornalistas que “não
chamaria isso de suposição, diria que é uma matemática jurídica”[1].
A
instauração de ação penal contra alguém, no Estado que se pretende democrático
e de direito, precisa ser justificada por condutas concretas, e não imaginadas.
Nesse sentido, o acórdão do TJ-SC, da lavra do desembargador Carlos Alberto
Civinski, reafirma a necessidade de elementos consistentes (Recurso Criminal
2014.090676-7)[2].
Com
a entrada em vigor da Lei 11.719/2008, o legislador pátrio inseriu de forma
expressa a chamada “justa causa” no Código de Processo Penal, transformando-a
em requisito indispensável a ser analisado pelo juiz quando do recebimento da
denúncia ou da queixa.
De
acordo com o Código de Processo Penal (artigo 395, III):
“A
denúncia ou a queixa será rejeitada quando:
...............................................................................
III-
faltar justa causa para o exercício da ação penal”.
Para
Afranio da Silva Jardim, a justa causa é uma quarta condição da ação que se
junta às três outras (legitimidade das partes, o interesse de agir e a
possibilidade jurídica do pedido). De acordo com o eminente processualista:
A
justa causa, ou seja, um suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a
acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge
o chamado status dignitatis do imputado. Tal lastro probatório nos é fornecido
pelo inquérito policial ou pelas peças de informação, que devem acompanhar a
acusação penal[3].
No
mesmo sentido Aury Lopes Júnior, para quem a justa causa constitui uma condição
de garantia contra o uso abusivo do direito de acusar. Assevera o citado autor
que:
A
acusação não pode, diante inegável existência de penas processuais, ser leviana
e despida de um suporte probatório suficiente para, à luz do princípio da
proporcionalidade, justificar o imenso constrangimento que representa a
assunção da condição de réu[4].
Necessário
salientar, ainda, que a denúncia é completamente inepta, posto que, como é de
pleno conhecimento, a acusação deve ser “determinada, circunstanciada,
especificando-se, inclusive, o máximo possível, em que consistiu a conduta
delituosa e a participação de cada um dos autores do fato”[5].
No
que diz respeito à delação, uma vez mais tomada sem qualquer crivo pela
acusação, Geraldo Prado é definitivo em afirmar que:
Não
há na delação premiada nada que possa, sequer timidamente, associá-la ao modelo
acusatório de processo penal. Pelo contrário, os antecedentes menos remotos
deste instituto podem ser pesquisados no Manual dos Inquisidores. Jogar o peso
da pesquisa dos fatos nos ombros de suspeitos e cancelar, arbitrariamente, a
condição que todas as pessoas têm, sem exceção, de serem titulares de direitos
fundamentais, é trilhar o caminho de volta à Inquisição (em tempos de
neofeudalismo isso não surpreende)[6].
A
denúncia oferecida contra Haddad, mais que uma “matemática jurídica” — no dizer
do promotor —, é uma peça de ficção que viola os princípios mais elementares do
processo penal e do Direito Penal em conformidade com a Constituição da
República.
Promover
uma ação penal sem indícios razoáveis de autoria e materialidade, destituída de
qualquer suporte fático e, portanto, sem justa causa, representa uma afronta ao
consagrado princípio constitucional da presunção de inocência (artigo 5º, LVII
da Constituição da República).
Qualquer
pessoa desprovida de paixão, de interesses políticos, comprometida com o
processo penal democrático, com o Direito Penal garantista e com o próprio
Estado Democrático de Direito, que tem como postulado o respeito à dignidade da
pessoa humana, tem ciência de que a peça acusatória oferecida contra o
ex-prefeito Fernando Haddad — em mais um jogo político — não tem o suporte
probatório mínimo para embasar uma acusação.
[1]
Disponível em:
Acesso em 5/9/2018.
[2]
Disponível em:
.
[3]
JARDIM, Afranio Silva. Direito Processual Penal: estudos e pareceres. Rio de
Janeiro: Forense, 1991.
[4]
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional,
volume I – 5ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
[5]
BONACCORSI, Daniela Villani. A denúncia alternativa no crime de lavagem de
dinheiro. Belo Horizonte: Editora D’Placido, 2014.
[6]
Disponível em:
.
Leonardo Isaac
Yarochewsky é advogado criminalista e professor de Direito Penal.
Revista Consultor
Jurídico
https://www.conjur.com.br/2018-set-05/yarochewsky-denuncia-haddad-inepta-vazia-leviana
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