Com
a crise do petróleo de 1973 e o colapso do fordismo e do estado de bem-estar
social, o Direito Penal passou a ter o objetivo de promover ajustes que
possibilitem a administração do capital. Esse Direito Criminal protege os
direitos dos ricos, mas não os da maioria da população. Só é possível construir
um Direito Penal que resguarde as pessoas do arbítrio estatal com uma análise
crítica da história da sociedade.
Esse
é o entendimento do professor Alysson Leandro Mascaro, da Universidade de São
Paulo (USP), e da professora Vera Malaguti Batista, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj). No pós-guerra, o Direito Penal tinha uma lógica:
prever um fato, tipificá-lo e fazer a subsunção entre o fato e o tipo, para
verificar se houve crime ou não, afirmou Mascaro nesta terça-feira (28/8) no
24º Seminário Internacional de Ciências Criminais, promovido em São Paulo pelo
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).
Porém,
com a crise de 1973 e o fim do fordismo, essa lógica mudou, apontou o
professor. Agora, o Direito Penal é usado para promover ajustes em prol da
gestão do capital. Um exemplo dessa função, segundo Mascaro, é a condenação do
ex-presidente Lula, e suas consequentes prisão e proibição de concorrer à
Presidência da República. Embora os mandatos do petista tenham sido benéficos a
empresas e aos mais ricos, eles o encaram como risco, e usaram as normas
criminais para neutralizá-lo.
“Hoje,
não são apenas os pobres que são atingidos pelo Direito Penal. Até um
presidente pode ser alvo dele. Mas isso não quer dizer que o Direito Penal seja
funcional. Pelo contrário: o Direito Penal é cada vez mais disfuncional”,
avaliou Alysson Mascaro.
Por
causa desse transtorno, destacou o docente da USP, o sistema penal não consegue
mais controlar totalmente a sociedade. “O pós-fordismo é uma exploração tão infame
que não consegue mais fazer um sistema. É tão absurdo que o Direito Penal nem
tem mais lógica”, disse.
Novo sistema
Vera
Malaguti Batista afirmou que a crise do petróleo fez com que os países não
pudessem mais bancar o Estado de bem-estar social. Com isso, ressaltou, houve
uma consolidação do Estado penal, que produziu uma máquina de guerra dirigida a
promover a pacificação interna.
A
construção de um “inimigo interno”, feita pela guerra às drogas, reconfigurou a
Justiça Criminal brasileira, declarou a professora da Uerj. Nos últimos tempos,
o Judiciário também foi influenciado pelo pensamento do “cidadão comum”. Com
isso, citou Vera, policiais, promotores, procuradores e magistrados passaram a
entender que suas funções não eram a de investigar ou julgar, mas de “combater”
algo — seja os entorpecentes, a corrupção ou o crime.
Nesse
cenário, “as criminalizações e penalizações viraram uma panaceia para todos os
males”, destacou a docente. E os mais afetados por essa política, de acordo com
Vera, são minorias, como negros, pobres e indígenas.
Dessa
maneira, é uma falácia dizer que o Direito Criminal resguarda a população dos
arbítrios do Estado, disse Vera Malaguti, ao conclamar uma análise história
para produzir um sistema que sirva para esses fins.
“Temos
que repensar esse equívoco do encarar o Direito Penal como protetor de
direitos. Temos que usar a imaginação criminológica, a imaginação
jurídico-penal para produzir um Direito Penal que contenha o poder punitivo. Só
o conhecimento da nossa história, da escravidão, do genocídio dos índios, que
irá nos permitir produzir um Direito Penal que seja a favor do povo brasileiro,
e não contra.”
Sérgio
Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista
Consultor Jurídico
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