Nesta
oportunidade, preocupado com temas da maior atualidade, optei por publicar dois
breves textos que acabo de redigir sobre a nova acusação apresentada contra o
ex-presidente Lula.
Procuro
demonstrar que a denúncia assinada pela atual procuradora-geral da República
não está de acordo com a boa técnica jurídica, podendo ser considerada uma
acusação inepta, na medida em que é contraditória e de difícil compreensão.
A
toda evidência, se a imputação não é clara e chega a ser contraditória, pode
efetivamente prejudicar o direito de defesa, consagrado na nossa Constituição
Federal.
Vamos aos referidos textos
críticos.
1 – Nova e absurda denúncia
do Ministério Público Federal
O
ex-presidente Lula não recebeu um centavo de propina. É a própria acusação que
o diz. Trata-se de eventual doação ao Partido dos Trabalhadores.
Mais
uma vez se deseja criminalizar a política.
Segundo
as notícias, o Ministério Público Federal, através da procuradora-geral da
República, ofereceu denúncia contra o ex-presidente Lula e outros dirigentes do
PT e ex-ministros de Estado por corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal).
Lógico
que precisamos conhecer, com detalhes, a peça acusatória apresentada ao STF.
Entretanto, pelas informações que colhemos, constata-se que o ex-presidente
Lula não é acusado de receber para si qualquer valor econômico.
A
própria denúncia — petição inicial da ação penal — imputa ao ex-presidente que
ele teria recebido expressiva soma de dinheiro da empresa Odebrecht para o
Partido dos Trabalhadores, e não para ele.
Lógico
que a conduta imputada ao ex-presidente precisa ser corretamente descrita na
denúncia, conforme exige o artigo 41 do Código de Processo Penal (dia, local,
forma ou modo etc.). Além do mais, a imputação precisa estar lastreada em prova
colhida na fase investigatória.
Segundo
se depreende, o ex-presidente Lula não recebeu qualquer doação para o Partido
dos Trabalhadores. Isso não era tratado pelo então presidente da República.
Mesmo durante as campanhas eleitorais, cabia ao tesoureiro do partido ou da
própria campanha fazer os contatos com as empresas. Na época, a doação de
empresas era permitida pela lei.
Aliás,
a doação seria para o partido político, e não para o ex-presidente. Ele não
pediu e não recebeu nada para si.
Alega
a acusação que o governo iria facilitar o financiamento para a República de
Angola viabilizar suas atividades de comércio exterior.
Ao
que parece, não houve prejuízo para ninguém, pois apenas foi ampliada a linha
de crédito do BNDES.
Por
outro lado, não está clara a vinculação entre o aumento do valor do empréstimo
à Angola com a eventual doação da Odebrecht ao Partido dos Trabalhadores (caixa
dois). Se é que o valor não foi declarado à Justiça Eleitoral...
O
que está claro é que o ex-presidente Lula não é corrupto, pois não recebeu
qualquer valor monetário. Vale a pena repetir: Lula não teve qualquer benefício
pecuniário em razão da ampliação do valor do empréstimo para a República de
Angola.
Como
se vê, independentemente de uma futura análise técnica da denúncia, constata-se
que o ex-presidente não teve o seu patrimônio acrescido com qualquer
"propina", sendo um caso mais próximo do chamado "caixa
dois" para o Partido dos Trabalhadores, da competência da Justiça
Eleitoral, como tantos outros que o STJ tem para ela encaminhado (casos
envolvendo os ex-governadores de São Paulo e Santa Catarina).
2 – Mais um caso Lula. Mais
uma acusação temerária
Colocar
à disposição de alguém os valores de um conta corrente não significa que este
alguém recebeu os valores ou mesmo parte deles. No caso, sequer se trata de uma
conta bancária.
Na
verdade, a denúncia mais parece uma peça processual chamada de “alegações
finais”. Em relação ao aspecto técnico, ela está muito ruim, chegando ao ponto
de poder prejudicar o próprio exercício de direito de defesa dos acusados.
Mais
uma vez, o Ministério Público Federal demonstra uma absoluta falta de técnica
ao elaborar uma denúncia (petição inicial da ação penal pública). Desta feita,
o defeito é da própria procuradoria-geral da República.
A
criticada denúncia, além de repetitiva, indevidamente transcreve trechos de
depoimentos de testemunhas e delatores, reproduz documentos etc., sendo
absolutamente contraditória no que diz respeito à imputação feita ao ex-presidente
Lula.
Ela
começa afirmando que o ex-presidente Lula e outros acusados "receberam de
MARCELO ODEBRECHT quarenta milhões de dólares (ou R$ 64 milhões de
reais)".
Entretanto,
no parágrafo seguinte, a própria denúncia demonstra que o ex-presidente Lula
não recebeu dinheiro algum de Marcelo Odebrecht, afirmando:
"O
valor milionário ficou à disposição do PT dali em diante em uma conta mantida
pela ODEBRECHT para despesas que fossem indicada pelos integrantes do Partido
dos Trabalhadores, ora denunciados" (trecho da denúncia. O erro de
concordância verbal é do original).
Ora,
dizer que eu tenho disponível algum valor na conta bancária de outrem significa
que eu recebi este dinheiro? Lógico que o dinheiro não me foi entregue, que eu
não o recebi.
O
escandaloso é que, ao que parece, não existe uma conta bancária. Na verdade,
trata-se de uma escrituração unilateral da empresa Odebrecht. A denúncia fala
em "conta corrente para o futuro"...
Em
outras palavras, uma mera promessa de disponibilização de numerário em favor do
Partido dos Trabalhadores. Como acusar o ex-presidente de "receber"
se nenhuma verba pecuniária lhe foi entregue ou transferida?
Vale
dizer, o dinheiro continuou no patrimônio do titular da conta corrente
(escritural da empresa).
Essa
acusação está parecendo com aquela temerária acusação do tríplex que o Lula
teria recebido sem receber.
Importante
notar que a própria acusação diz que a tal conta corrente da Odebrecht foi
aberta em 2008, "para arrecadação de vantagens indevidas no interesse do
Partido do Trabalhadores" (página 22 da denúncia).
A
inépcia da acusação é evidente. Disponibilizar alguma coisa não é transferir a
propriedade desta coisa. É uma questão de lógica.
Por
derradeiro, cabe salientar que os pedidos de condenação dos réus a vultosas
quantias são surreais.
Pedem
condenação por dano moral coletivo (que dano?) e condenação de US$ 40 milhões a
título de indenização, quando o aumento de uma linha de crédito não causa dano
ao credor.
Dano
ocorre se o mutuário não pagar a dívida, sendo ele o responsável por eventual
inadimplemento. Enfim, Lula tem de indenizar dano inexistente? Se existisse,
não seria de responsabilidade do devedor da dívida? Não houve garantias por
parte de Angola?
Afranio Silva Jardim é
professor associado de Direito Processual Penal da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (Uerj), mestre e livre-docente em Direito Processual Penal pela
mesma instituição, além de procurador de Justiça aposentado.
Revista Consultor
Jurídico
https://www.conjur.com.br/2018-mai-09/afranio-jardim-continua-lawfare-ex-presidente-lula
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