A
imprensa acaba de revelar algo que muitos já sabiam: há um abjeto submundo nas
delações premiadas, uma verdadeira indústria. Não só nas delações, mas também
em alguns silêncios premiados. Segundo a imprensa, o advogado Figueiredo Basto,
pioneiro das delações, cobrava propina para garantir silêncio seletivo de seus
clientes, manipulando depoimentos. Eu e Paulo Bernardo sempre denunciamos que
somos vítimas destas manipulações. Explico em seguida.
Antes,
porém, cabe registrar a grande ironia disso tudo. Acusado por delatores
premiados, Figueiredo Basto agora diz que a palavra de delatores não deve ser
considerada. Em outros termos: advogado de delatores descarta a palavra de
delatores. Seria a piada pronta, mas é o trágico retrato de um sistema judicial
envenenado e partidarizado.
Figueiredo
Basto deve ter amplo direito de defesa para (eventualmente) desconstituir a
palavra dos delatores. Daqui a alguns anos poderá provar que não é o achacador
que hoje estão dizendo na imprensa. Aviso ao advogado que será um tempo de
muita dor.
Há
quase quatro anos, Paulo Bernardo e eu fomos acusados falsamente de pedir e receber dinheiro ilícito para uma
campanha eleitoral. A notícia ocupou e ocupa ainda hoje enorme espaço na
imprensa. O caso deve ser resolvido em breve pelo Supremo. O que há contra nós
está (só e só) nas palavras dos delatores que eram clientes do agora delatado
Figueiredo Basto.
Alberto
Youssef afirmou que Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás, teria
recebido um pedido de doação de campanha diretamente de Paulo Bernardo.
Youssef, o delator original da Lava Jato, é defendido por Figueiredo Basto.
Youssef (do Figueiredo Basto) está, portanto, na origem da denúncia.
A
delação começou a ruir quando Paulo Roberto Costa – que tem outro advogado – desmentiu
Youssef e negou que Paulo Bernardo tivesse solicitado qualquer doação de
campanha. E negou em inúmeros depoimentos (incluídas duas acareações com o
próprio Youssef). Até hoje não há ninguém que diga ter recebido, de Gleisi ou
Paulo Bernardo, o pedido de dinheiro. No entanto, estão considerando no
processo, até aqui, que possa ter existido a entrega.
Neste
ponto, Youssef (do Figueiredo Basto) disse originalmente que ele próprio havia
entregado o dinheiro, em parcela única, a um emissário de Paulo Bernardo, o
empresário Ernesto Kugler. Depois alterou a versão para sustentar que teriam
sido várias entregas. Afirmava que Kugler, com este objetivo, teria estado em
seu escritório em São Paulo. Investigados os registros, ficou demonstrado que Kugler
nunca havia estado no escritório mencionado. E Kugler sempre sustentou que
nunca recebeu nada de ninguém. Até aqui, portanto, não havia prova alguma do
pedido ou da entrega de dinheiro.
Youssef
(do Figueiredo Basto) altera outra vez o depoimento (já estamos na terceira
versão...). Diz que outros “auxiliares” teriam cumprido a missão de entregar o
dinheiro. No entanto, os “auxiliares” indicados por Youssef, ouvidos pela
Polícia Federal, negaram (nenhum era cliente de Figueiredo).
A
estória seguia órfã de um pedido e de uma entrega de dinheiro. É neste momento
que aparece (mais de um ano depois denúncia) outro cliente de Figueiredo Basto:
Antônio Carlos Pieruccini. Trata-se de um velho conhecido da Polícia Federal.
Foi sócio de Youssef no famoso escândalo da Copel/Olvepar. À época, os dois –
Pieruccini e Youssef – também foram defendidos por Figueiredo Basto (e ambos
também delataram).
Voltando
à denúncia, fato é que Pieruccini (indicado na quinta versão de Youssef)
afirmou que teria sido o responsável pela suposta entrega de dinheiro a Ernesto
Kugler (que continuou negando). Aqui é importante uma pausa para tentar
compreender o possível concerto de delações.
No
momento em que assumiu o papel de entregador, Pieruccini estava encrencado na
Lava Jato. Havia sido denunciado pelo Ministério Público Federal como sócio e
“laranja” de Youssef. Para complicar o caso, Pieruccini teria lavado dinheiro
por intermédio de uma empresa que estava em nome das filhas. Havia uma nítida situação
de oferta e demanda de delações a envolver dois clientes de Figueiredo Basto.
Por tal razão, não tenho dúvida alguma, é possível afirmar que houve um
concerto de delações.
Há
anos venho denunciando este concerto de delações.
Pieruccini
– que ao longo de todos os casos de Youssef ainda não havia sido apontado como
“entregador” – assumiu-se responsável por uma entrega de dinheiro que nunca
existiu. O depoimento de Pieruccini à Polícia Federal é ilustrado integralmente
por elementos que já estavam no próprio inquérito (uma verdadeira engenharia de
obra pronta). Mais do que isso, o depoimento é incrementado com fantasias
inverossímeis, como o meu nome em etiquetas nos pacotes de dinheiro, o que
nunca havia sido cogitado em nenhuma outra entrega de dinheiro por Youssef.
Detalhe
importante: Pieruccini disse ter recebido dinheiro de Rafael Ângulo, pessoa
ligada a Youssef. Só que Ângulo negou. Detalhe não menos importante: Ângulo
também não é cliente de Figueiredo Basto.
A
verdade é que estas falhas e contradições não importam. O concerto de delações
foi bem exitoso para os dois clientes de Figueiredo Bastos. Youssef confirma a
estória que andava órfã e Pieruccini “colabora” para livrar-se e salvar as
filhas.
Apesar
do concerto, a acusação contra Gleisi e Paulo Bernardo claramente ainda não
tinha a robustez necessária. Aqui entram em cena mais dois clientes do mesmo
Figueiredo Basto, todos citados na denúncia do Ministério Púbico. Em estória
desconexa e fora de contexto, Delcídio Amaral (do Figueiredo Basto) afirma que
Paulo Bernardo seria um “operador” de Gleisi. Uma acusação de “ouvir dizer”. O
ex-deputado Pedro Correa (do Figueiredo Basto) teria ouvido de Paulo Roberto
Costa sobre o pedido de Paulo Bernardo de doação de dinheiro para a campanha.
Faltou lembrar que, à época do suposto pedido, Pedro Correa estava cumprindo
pena pela Ação Penal 470 (mensalão). Parece que o concerto de delações
comandado pelo delatado Figueiredo nem sempre é tão cuidadoso. A imprensa agora
também revela descuido na venda de silêncio por Figueiredo Bastos.
O
então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, em entrevista ao jornal
Folha de S. Paulo (edição de 17/11/2014), afirmou textualmente que Figueiredo
Basto tinha vinculações com o PSDB e com o ex-governador do Paraná, Beto Richa,
sugerindo motivações eleitorais na movimentação do advogado. Sempre sustentamos
isso. A acusação de Janot já autorizava supor que o fato de sermos do PT e
adversários históricos de Richa tenha influenciado na condução das delações dos
clientes de Figueiredo Bastos.
O mais provável, no entanto, é que tenha
havido neste caso (como em tantos outros, quem sabe) conveniente tráfico e
concerto de delações. Se Figueiredo supostamente recebia dinheiro para
manipular delações (dizem agora delatores), por que não as manipularia para
ajudar outros clientes que o remuneravam ou agradar políticos amigos?
Figueiredo ocupou cargos no governo Richa, mas não vamos acusá-lo apenas com
base em delações.
Se
a motivação é incerta; a vítima é certa. As vítimas somos nós – que estamos há
quatro anos respondendo a um processo ancorado exclusivamente nas delações
concertadas do delatado Figueiredo Basto. Quantas vítimas o submundo das
delações tem feito ao longo destes tempos difíceis? Um dia, em ambiente menos
conflagrado, teremos uma resposta justa e verdadeira.
Gleisi Hoffmann é senadora
(PT-PR) e presidenta nacional do PT
https://jornalggn.com.br/noticia/como-o-advogado-das-delacoes-arma-as-denuncias-com-a-lava-jato-por-gleisi-hoffmann#.WwIUP1kWj_k.twitter
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