Daquelas
sílabas fatais
Entender
o que quis dizer a ave do medo
Grasnando
a frase: Nunca mais!
É
uma parte do lúgubre e triste poema de Poe, “O Corvo”, com a fala soturna da
desgraça, que arremessou o poeta para dor sem fim da perda. A perda, na “casa
onde o Horror, o Horror profundo\ Tem seus ares triunfais.” É um poema do amor
negado pela frieza da morte, mas que – como trata do triunfo da dor sobre a
vida – também alerta para o fim de tudo que as frustrações da política podem
alcançar. Lembra, com outras consequências, Moro advertindo Lula, em nome do
Poder Judiciário em pleno processo de “exceção”, dizendo a ele – no Horror da
democracia decadente – que tudo terminou: “Nunca mais, Lula, nunca mais!”.
Sustentado
como herói pelo oligopólio da mídia, que instaurou um processo paralelo contra
Lula, transformando o devido processo legal num duplo espetáculo – de
condenação prévia e de imposição do espírito de manada às “classes altas” – o
Juiz Moro promoveu um padrão novo para as instâncias de Justiça Penal no
Brasil: fez da propaganda da necessidade de uma decisão final condenatória –
mesmo sem provas – o sentido jurídico da condenação, o trunfo básico para a
instauração do “Horror”. Para informar ao final, para Lula, que “Nunca mais”
ouse colocar os pobres, os trabalhadores, os deserdados do capital, na mesa da
democracia. Lula, como todos nós, tem limites, grandezas e defeitos, mas como
agora está contrastado com o corvo judicial do “Nunca mais!”, o que ressalta é
a sua grandeza histórica e o seu compromisso com o povo trabalhador, do qual
ele é originário.
Pautado
pela mídia Moro fez da sua instância inferior um “bunker”, que enquadrou, na
sua visão de mundo e do Direito, as instâncias superiores, inclusive a maioria
do STF, definindo o Direito a partir das externalidades do processo, não dele
mesmo, com suas provas colhidas regularmente. Para quem não entendeu isso é um
exemplo cabal da “exceção”, que – se não atingiu ainda todos os poros do Estado
– conseguiu o consenso de uma parte significativa do Poder Judiciário e a
simpatia de uma parte da população de média e alta renda.
Eliminar
Lula da política, informar-lhe que “Nunca mais”, é a glória que Moro fez
brilhar na Casa dos Horrores que se tornou o Brasil, a partir das motivações da
maioria dos votos do Congresso corrupto, que cassou o mandato de Dilma, e da
sua jurisdição invertida. Hoje ele apresenta-a como passaporte para os inimigos
da democracia, para os caudatários das políticas da CIA, para os algozes dos
direitos sociais e para os mascates baratos do pré-sal, mas isso não vai se
eternizar. Moro comandou o Brasil neste período junto com o oligopólio da
mídia, mas cometeu um grave erro: pensou que Lula era um cordeiro anestesiado
para o sacrifício, sem entender o que é ser um verdadeiro filho do povo, que
pode ter alguns períodos de deslumbramento com as suas vitórias, mas que não
perde a essência das suas origens.
Lula
está indo para a História sem sair do seu presente, mas Moro será lembrado,
quando restaurarmos a plenitude da democracia e da Constituição de 88, como um
lamentável artifício do autoritarismo, como uma peça do golpismo pós-moderno,
como um juiz que foi forte na sua jurisdição, mas agindo fora dela – epígono da
exceção – que se preparou para um momento de glória, mas que encontrou – no fim
daquele lúgubre corredor midiático da hipnose fascista – um povo digno que
ainda vai lhe dizer: “Nunca mais!”.
* Tarso Genro foi Governador
do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça,
Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
https://www.sul21.com.br/colunas/tarso-genro/2018/04/nunca-mais-moro-nunca-mais/
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