A
defesa do ex-presidente Lula apresentou ontem (02/04) ao Supremo Tribunal
Federal (STF) parecer emitido pelo jurista José Afonso da Silva, Professor
Titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, demonstrando que “O
princípio ou garantia da presunção de inocência tem a extensão que lhe deu o
inc. LVII do art. 5º da Constituição Federal, qual seja, até o trânsito em
julgado da sentença condenatória”.
“A
execução da pena antes disso — prossegue — viola gravemente a Constituição num
dos elementos fundamentais do Estado Democrático de Direito, que é um direito
individual fundamental”.
Afonso
da Silva é o jurista mais citado pelo STF em decisões relativas ao controle
abstrato da Constituição Federal. Ele elaborou o Parecer “pro bono” (sem
cobrança de honorários) porque, segundo explicou, está exercendo um “dever
impostergável” de “defesa da Constituição”: “Afirmei que tenho o ‘dever
impostergável’ de defender a Constituição, e essa afirmativa decorre do fato de
que trabalhei muito, me empenhei para além mesmo de minhas forças, para que ela
fosse uma Constituição essencialmente voltada para a garantia da realização
efetiva dos direitos humanos fundamentais, confiante em que os Tribunais,
especialmente o Tribunal incumbido de sua guarda, soubessem interpretar a
formulação normativa desses direitos, segundo a concepção de que seu
entendimento há de ser sempre expansivo e nunca restritivo”.
Ao
responder os quesitos formulados pela Defesa do ex-presidente, José Afonso da
Silva assim se manifestou:
Ao
1º quesito:
O
principio da presunção de inocência tem a extensão que lhe deu o inc. LVII do
art. 5º da Constituição Federal, qual seja, até o trânsito em julgado da
sentença condenatória. A execução da pena antes disso viola gravemente a
Constituição num dos elementos fundamentais do Estado Democrático de Direito,
que é um direito individual fundamental (…) Dá-se a preclusão máxima com a
coisa julgada, antes da qual, por força do princípio da presunção de inocência,
não se pode executar a pena nem definitiva nem provisoriamente, sob pena de
infringência à Constituição.
Ao
2º. Quesito:
Não.
Indubitavelmente não é compatível com o inc. LVII do art. 5º da Constituição a
tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no HC 126.292 de que ‘a execução
provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda
que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio
constitucional da presunção da inocência’. É incompreensível como o grande
Tribunal, que a Constituição erigiu em guardião da Constituição, dando-lhe a
feição de Corte Constitucional, pôde emitir tal decisão em franco confronto com
aquele dispositivo constitucional.
Ao
3º. Quesito:
Não.
Não é compatível com o art. 5º, LVII da Constituição a interpretação do
Tribunal Regional Federal da 4ª. Região de se dar início ao cumprimento da pena
imposta a Lula imediatamente após o esgotamento da jurisdição daquela Corte, e
não a partir do trânsito em julgado do processo-crime. O Tribunal comete grave
inconstitucionalidade com essa determinação.
Ao
4º. Quesito:
Não.
A ordem de execução provisória da pena imposta a Lula, decretada de ofício,
limitando-se a mencionar entendimentos sumulares e precedentes do STF, e sendo
a mesma, ante os elementos concretos, desnecessária, não é compatível com o
art. 5º. LVII da Constituição. O sistema processual penal brasileiro, de acordo
com a Constituição, se rege pelo princípio acusatório, no qual se exige que o
juiz não pode agir de ofício, ‘nemo iudex sine actor’. E a execução é
reconhecidamente um processo administrativo autônomo, por isso só pode ser
iniciado quando devidamente provocado.
Ao
5º. Quesito:
Sim,
sem dúvida. O contexto fático apresentado no HC 152.752 – revelando iminente
possibilidade de execução de pena de Lula antes do trânsito em julgado de sua
condenação criminal – constitui-se em hipótese de flagrante constrangimento
ilegal apta a afastar a incidência da Súmula 691/STF. “Toda decisão ilegal ou
inconstitucional de juiz ou Tribunal constitui constrangimento apto ao
cabimento de habeas corpus, para evitar a consumação de ação ilegal e
constrangedora”.
O
Parecer do Professor José Afonso da Silva evidencia que o HC impetrado pela
Defesa do ex-presidente Lula está baseado na única interpretação possível do
art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que veda a antecipação da pena
sem a existência de decisão condenatória contra a qual não caiba mais recurso
(transitada em julgado). Esperamos que esse resultado venha a prevalecer no
julgamento que será realizado no próximo dia 04, sobretudo por reafirmar o
próprio Texto Constitucional.
Trechos
do Parecer emitido pelo Professor José Afonso da Silva a pedido da Defesa do
ex-Presidente Lula:
“4.
Tratando-se, pois, de uma questão constitucional de repercussão geral,
significa que não é uma questão menor, de sorte que o Tribunal não se apequena
revendo-a nos ditames da Constituição. De fato, a presunção de inocência
integra o constitucionalismo, desde sua implantação no Séc. XVIII, como sistema
de limite ao poder, e, especificamente, como limite ao poder de imposição de
penas do juiz. Como veremos, em seguida, originou-se das mesmas fontes
políticas, sociológicas e filosóficas que fundamentaram a formação da
jurisdição penal autônoma e independente, contemporânea, assim, do surgimento
do direito penal garantístico”.
“21.
Pode-se criticar o texto, pode-se condená-lo, mas um texto de uma Constituição
rígida tem que ser respeitado, principalmente pela instituição incumbida de
guardá-lo e garantir sua eficácia e aplicabilidade na sua inteireza”.
“25
(…) Para fins deste parecer, posso deixar de lado a tipicidade e a
antijuridicidade, para me ater apenas na culpabilidade que é o conceito que
está em jogo na análise do inc. LVII do art. 5º da CF. A culpabilidade é,
assim, um elemento da estrutura conceitual do crime, é uma situação anterior,
fase subjetiva, que se forma com a imputabilidade, a culpabilidade e a
responsabilidade penal. Sem culpabilidade não há crime e, pois, nem condenação
legítima. Logo, a culpabilidade é pressuposto da condenação. E assim está
intrinsicamente dependente daquela. Se não existe culpabilidade,
consequentemente não pode existir condenação e, menos ainda, aplicação de pena
(…)”.
“34.
(…) Não é possível otimizar algo que é binário: ou a presunção vale até o
trânsito em julgado, ou não vale. Não há meio termo possível (…). É grave
empregar uma doutrina ‘pro domus sua’ para obter um resultado contra norma
expressa da Constituição”.
“54.
(…) Fere o princípio da presunção de inocência admitir a prisão do condenado
antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, porque isso significa
considerá-lo culpado antes do trânsito em julgado. Então, é uma posição que
fere a vedação constante do inc. LVII do art. 5º da Constituição. Do contrário
seria admitir mudança de um dispositivo que integra as cláusulas pétreas da
Constituição (art. 60, §4º, IV) por via de interpretação judicial (…)”.
“58.
A grandeza de um Tribunal não se perde quando, no cumprimento de sua missão
constitucional, presta a jurisdição sem temor e sem concessão e não se sente
apequenado pelo fato de rever sua posição em favor dos direitos fundamentais, a
favor de quem quer que seja que lhe bata às portas. Um Tribunal só se diminui e
perde credibilidade quando decide contra ela, qualquer que seja a motivação”.
https://www.pragmatismopolitico.com.br/2018/04/jurista-mais-citado-stf-hc-de-lula.html?utm_source=push&utm_medium=social&utm_campaign=artigos
Nenhum comentário:
Postar um comentário