sábado, 21 de abril de 2018

A RELAÇÃO ENTRE A EXTREMA-DIREITA E A INSEGURANÇA MASCULINA


Não é segredo que extremistas americanos violentos – dos soldados da alt-right a movimentos de milícia até arquétipo do skinhead – tendem a ser homens. E esses são os caras que Michael Kimmel estuda. O sociólogo da Stony Brook University já escreveu muito sobre masculinidade, e acabou de lançar um novo livro, Healing from Hate: How Young Men Get Into – And Out of – Violent Extremism [A cura do ódio: como homens jovens entram – e saem – do extremismo violento, em tradução livre], que explora o processo pelo qual homens jovens se associam a visões de mundo das margens da sociedade. Sua ideia central é que as pessoas que gravitam para ideologias violentas geralmente são aquelas que não tiveram chance de provar seu valor de maneiras mais típicas – e mainstream – como sustentar uma família. Empregando parte da mesma linguagem que ele e outros em seu campo usaram para explicar o apelo de Donald Trump para a América branca e rural, Kimmel argumenta que esse senso de “direito prejudicado” e desejo de participar numa comunidade são muito mais integrais para a radicalização do que qualquer posição ou questão política.

“A ideia central do autor é que as pessoas que gravitam para ideologias violentas geralmente são aquelas que não tiveram chance de provar seu valor de maneiras mais típicas, como sustentar uma família”

Liguei para o autor para saber exatamente como homens jovens são atraídos para sistemas de crença perigosos – e, tão importante quanto, como eles podem ser salvos. A boa notícia é que, como a ideologia em si não é a principal atração aqui, há um mapa para a redenção.

VICE: Quase invariavelmente, os caras no seu livro estão procurando por um grupo. Mas muita dessa radicalização agora acontece na internet. Como esse tempo cada vez maior que as pessoas passam online moldou o recrutamento da extrema-direita?

Michael Kimmel: Honestamente não sei a resposta completa para isso ainda, porque parte disso tem a ver com a eficácia das comunidades online que, na verdade, dão uma experiência visceral de comunidade. Algumas dessas arenas do Reddit, salas de chat do Stormfront e coisas assim, tipo, esses grupos de homens – esses lugares onde as pessoas incentivam umas as outras. Se isso é suficiente é uma questão em aberto. Inicialmente é muito excitante e há muita energia, mas acho que a energia se dissipa quando te pedem para aparecer pessoalmente. E assim o que você tem é um número constante de pessoas, mas elas fluem. A entrada e saída é muito mais truncada do que costumava ser. Tipo, depois de meses disso, você pensa “OK, conheço esses caras”. Eles nunca te perguntam nada existencialmente. Só para “aparecer e gritar com pessoas”.

“Parte disso tem a ver com a eficácia das comunidades online que, na verdade, dão uma experiência visceral de comunidade”

Além disso, se você se mistura com todo mundo, isso não te leva para o tipo de identidade de oposição, um tipo de amostra sartorial como os velhos skinheads. Os coturnos. Suspensórios. A camiseta branca. Ou na Europa, as jaquetas bomber de seda. Calças camufladas. Esse visual te marca. E caras na Suécia, especialmente, me disseram que quando se juntaram a um grupo skinhead, rasparam a cabeça, conseguiram todos os acessórios e voltaram para suas escolas, as pessoas simplesmente congelavam. Eles eram temíveis, e isso deu a eles uma emoção real. Por essa razão, skinheads, esse aspecto do estilo skinhead, meio que continua popular para caras que veem isso não como um movimento ideológico mas também de identidade.

É rotina para esses caras circular pela extrema-direita – seja online, na vida real, ou ambos – e depois voltarem para círculos mais mainstream?

Sim, muitos caras que saem discretamente voltam para a sociedade. Suspeito que isso será ainda mais verdade para caras que são assimilacionistas. Vai ser muito mais fácil conseguir um emprego, formar família, trabalhar e tudo mais.

Fiquei surpresa em ler que algumas das pessoas que passam por esses programas para sair do estilo de vida da extrema-direita não fazem isso porque renunciam à ideologia, mas porque seus amigos deixaram eles apanharem ou algo particular acontece para deixá-los insatisfeitos. É melhor para essas pessoas terem essas visões aberrantes em segredo – e funcionar como parte da sociedade como um todo – do que serem skinheads explícitos?

É uma boa pergunta. Você entra porque quer um tipo de camaradagem, conexão e irmandade, e a ideologia é acrescentada mais tarde. Então quando eles querem sair, a ideologia pode se dissipar. [Alguns caras] passam muito tempo viajando pelo país e falando sobre suas experiências, no que acreditavam e por quê. Acho que tem um valor de redenção nisso. Além disso, acho que esses caras dizem que foi uma fase e saem para conseguir um emprego.

O que achei interessante foi a diferença entre os caras que estavam flertando com as fronteiras do nacionalismo branco aqui nos EUA; que ainda são muito de direita, anti-ambientais e anti-imigrantes [depois que sua “fase” acaba]; e os caras da Suécia. Muitos deles agora votam no Partido Social Democrata porque são ambientalistas. Eles querem proteger a natureza sueca, mas agora não necessariamente das hordas de imigrantes e judeus que eles acreditavam que manipulavam isso.

Você fala muito sobre castração sendo um fator motivacional para se juntar à extrema-direita, mas sinto que você não explora tanto o fracasso sexual e o fato de que muitas dessas pessoas que flertam com o nacionalismo branco são só caras que não conseguem arrumar uma namorada.

Olha, em Angry White Men, falo sobre George Sodini [o atirador de Collier Township de 2009] e Elliot Rodger [o atirador de Isla Vista de 2014], e esses caras começaram a assassinar mulheres porque não conseguiam transar. Elliot Rodger ficou furioso porque ele era um cara bonito e ainda era virgem, e George Sodini não tinha um encontro há 10 anos. Sim, claro, há casos em que você pode rastrear isso diretamente para um tipo de fracasso sexual como um fracasso de masculinidade.

Não ouvi muito desse lado quando entrevistei esses caras. O que ouvi em vez disso foi que uma das coisas que eram atraente era [os recrutadores dizerem] “Ande com a gente, temos festas ótimas, todo mundo fica bêbado, vai ter garotas”. Mas isso poderia ser propaganda de qualquer fraternidade para calouros de uma grande universidade pública. É atraente para alguns adolescentes que acham que não estão transando tanto quanto deveriam ou gostariam.

Acho que estou curiosa em saber como você abordaria isso se visse que esse foi um fator motivacional para entrar para a direita ou mesmo se envolver com violência.

Você também não pode dizer para as mulheres “Olha, se você der mais um pouco de si, esses caras não vão se juntar aos nazistas”. Aliás, isso também funciona com a esquerda. Tem um cartaz de 1959 com Joan Baez e Mimi Farina, duas rainhas da beleza da música folk, e o cartaz diz “Garotas dizem sim para garotos que dizem não”, uma mensagem contra o alistamento militar. Então esse tipo de apelo pode funcionar dos dois lados.

“Alguns dos caras suecos me disseram que eles davam festas, enchiam a cara, tomavam analgésicos e saíam procurando grupos de imigrantes, antifas ou anarcopunks que também estavam bêbados e tinham tomado analgésicos para arrumar briga.”

Sobre isso, você acha que punks anarquistas também estão procurando restaurar a masculinidade? Esse é tipo o outro lado da moeda?

Às vezes sim. Alguns dos caras suecos me disseram que eles davam festas, enchiam a cara, tomavam analgésicos e saíam procurando grupos de imigrantes, antifas ou anarcopunks que também estavam bêbados e tinham tomado analgésicos para arrumar briga. Acho que esses grupos procuram se envolver na mesma busca por identidade ou demonstração de identidade, só estão de lados opostos do espectro ideológico.

Por que se juntar a um versus o outro? Esses grupos são de muitas maneiras diametralmente opostos, mas como você sugere, parecem atrair um tipo similar em alguns casos.

Similar em processo, mas não em substância. Um cara me disse diretamente: “No meu colégio você não podia ficar sozinho porque todo mundo estava num grupo, então olhei em volta e você tinha os punks, os rappers, os antifas e os skinheads. Todo mundo tinha medo dos skinheads, então me juntei a eles”. E fingir por um minuto que seja que isso é um comprometimento ideológico elaborado vai se mostrar uma decepção.

Tem algum jeito de nós como sociedade fazermos mais para tornar essa opção pouco atraente para homens jovens descontentes?

Claro, um dos jeitos de fazer isso é através da mídia, dizendo a verdade sobre quantos desses caras estão presos por crimes violentos e que a maior porcentagem dos crimes de ódio são cometidos não por terroristas islâmicos, mas por nacionalistas brancos. Alguma representação na mídia desses caras que saíram seria muito legal. Acho que A Outra História Americana e alguns filmes feitos sobre esses caras são muito úteis para mostrar como esse dilema se desenrola. Quais são os verdadeiros riscos.

Allie Conti, Vice | Tradução: Marina Schnoor

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