No
capitalismo moderno, a legitimação dos interesses dominantes vive de um
“racismo implícito”, encoberto e distorcido, por falsas ideias científicas.
É
a ciência que herda o prestígio da religião de definir coletivamente o que é
verdadeiro ou falso e, a partir disso, o que é justo e injusto.
Os
Estados Unidos são um império que tem logrado, crescentemente, uma nova forma
de colonialismo. Ainda que mantenham a ameaça militar como a última “ratio”,
especializaram-se no uso de uma suposta ciência para espoliar suas colônias
modernas pela escravização dos espíritos.
A
violência simbólica permite dominar sem os custos da violência material. Para
isso é necessário que os povos dominados se vejam, eles próprios, como
“inferiores”.
Quando
pensamos em “racismo”, pensamos sempre no racismo da cor da pele ou “racial”,
base do colonialismo do século XIX. Como os negros eram considerados subumanos,
a exploração da África deveria caber aos brancos supostamente superiores.
Era
um racismo supostamente “científico”, que começa a ser criticado nos anos 20 do
século passado, e é substituído, para responder à questão do desenvolvimento
diferencial das sociedades, pela noção de “estoque cultural”.
Embora
pareça a todos uma superação de todo e qualquer racismo, o culturalismo
hegemônico é um racismo muito mais sutil e virulento do que o anterior. Ele, na
verdade, generaliza o mecanismo de racismo, separar seres humanos de primeira e
de segunda classe, fazendo parecer ter superado um tipo particular de racismo
associado à cor da pele.
O
fundamento deste racismo generalizado e “moderno” é a tese weberiana do
protestantismo ascético como parteiro do capitalismo moderno, baseado na
disciplina e na racionalidade instrumental, e a percepção dos Estados unidos
como a nação do ascetismo protestante.
Talcott
Parsons é o pai desta interpretação que hoje em dia é um pressuposto
inquestionável tanto da ciência central quanto periférica, assim como do senso
comum mundial compartilhado pelos cidadãos comuns.
Não
só as ações do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial se espelham
nessas teorias. A indústria cultural no mundo inteiro também. Este é o nosso
verdadeiro racismo de todos os dias. O racismo da cor da pele é apenas sua
versão mais visível.
Max
Weber, quando formulou sua tese, estava preocupado em explicar a “gênese” do
capitalismo moderno e não a sua expansão para todo o globo, preocupação de
Parsons e da teoria da modernização americana hegemônica até hoje.
Para
Weber, o protestantismo ascético era um mero “mediador evanescente do
capitalismo” destinado a morrer assim que o capitalismo se tornasse maduro.
O
raciocínio era mais ou menos este: o avô, protestante asceta, que trabalha
muito e não gasta, deixa uma grande fortuna ao filho.
Este,
utilitarista, não se guia mais pela mensagem religiosa, ainda que tenha um
vínculo moral secular na noção utilitarista de bem comum.
E
o neto, que herda uma grande fortuna, não tem mais vínculo nenhum de
moralidade, hedonista e consumista, apenas se dedica a gastar a fortuna
acumulada. Essa é a tese de Weber, que não tem nada a ver com a teoria da
modernização, pressuposto nunca refletido de toda ciência, central ou
periférica, que separa os protestantes do resto do mundo como antes separava os
brancos dos mestiços e negros.
Os
EUA passam a ser vistos como uma sociedade composta por “seres superiores”,
como incorporação da “virtude”, definida em termos protestantes ascéticos como
disciplina, autocontrole, impessoalidade, e, pasmem, “honestidade”.
Da
ciência, como instância mais alta da reflexão humana, essas ideias ganham os
filmes, os romances e seriados de tevê, nos quais os mexicanos e os brasileiros
são os ladrões, as bestas do sexo animalizado e os traficantes, enquanto os
norte-americanos (e os ingleses como James Bond) representam a incorporação da
lei, do bem e da correção do mundo, nem que seja a força.
A
partir da indústria cultural e seu bombardeio diário, este tipo de mensagem
subliminar ganha uma naturalidade tão grande quanto o ato que se respira. Não
mais refletimos sobre elas e as aceitamos como verdade.
Essa
pseudociência racista aumenta a cada dia sua eficácia. Se em 1964 os
norte-americanos ainda tiveram que enviar a sexta frota naval e seus
porta-aviões para o caso de uma necessidade, em 2016 não foi necessário gastar
um centavo para destruir a participação brasileira no BRICS, controlar o
orçamento público para drenagem de juros e tomar o pré-sal e outras riquezas.
Tudo como se estivesse a auxiliar o País a combater sua corrupção de povo
inferior.
Que
as idas e vindas da equipe da Lava Jato aos Estados Unidos, além das
colaborações do Departamento de Estado americano, segundo relatos da equipe de
Donald Trump, não sejam escondidas, mas até alardeadas com orgulho, mostram a
eficácia deste colonialismo moderno, implícito e subliminar.
Ele
mostra que não existe maneira melhor de controlar os subordinados do que
“moralizar” sua submissão. Ela permite retirar qualquer defesa do povo oprimido
ao mesmo tempo em que torna invisível a “grande imoralidade” do opressor.
A
verdadeira corrupção, no seu sentido de logro coletivo, materializada na
"desregulação do mercado financeiro”, que significa obviamente ausência de
controle e carta branca para a corrupção sistêmica dos paraísos fiscais, da
sonegação de impostos, da manipulação de clientes e de balanços de empresas e
países e de todas as bandalhas que vimos na crise financeira (que continua tal
qual ate hoje) pode se tornar invisível.
Em
parte o que explica esta gigantesca imbecilização de todos os povos oprimidos
advém do fato de as elites locais repetirem, dentro do próprio país, o mesmo
expediente.
Pelo
fato de mídia distorcer o mundo como a ciência hegemônica, a grande corrupção
dos proprietários torna-se invisível. É o vinculo orgânico entre a elite
internacional e a local.
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