Ninguém
tem dúvidas de que o assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio
de Janeiro, foi uma execução, certamente por conta da sua atuação em defesa dos
pobres e negros das favelas e das denúncias sobre a violência policial naqueles
redutos. Socióloga, negra e ativista dos Direitos Humanos, a intimorata
vereadora foi mais uma vítima da luta contra a opressão, como tantas outras nas
grandes cidades e no interior do país, mas o crime, que repercutiu no mundo
inteiro, pode ser o estopim de uma reação em cadeia contra as injustiças
sociais, agravadas pelas medidas do governo golpista de Temer. Não será difícil
identificar e prender os seus autores, a partir da pergunta sobre quem seriam
os maiores interessados na morte de Marielle mas, independente dos prováveis
motivos, o crime ganha dimensão nacional diante da indignação do povo em todo o
país. E pode suscitar maiores manifestações de revolta, sobretudo se não
prenderem os culpados o mais rápido possível, como esperam o Brasil e o mundo,
porque a sensação de impunidade pode encorajar assassinos em potencial,
infiltrados em certos grupos e movimentos, a novos atentados.
Apesar
da comoção nacional, porém, que pode despertar grande parcela da população
anestesiada pela mídia, o clima de intolerância e ódio hoje existente no país
evidencía um surpreendente comportamento de pessoas que, usando as redes
sociais como esgoto para despejar todo o seu veneno, tentam enlamear a
reputação da vereadora assassinada. Até um deputado federal e uma magistrada
participaram dessa tarefa insana, que revela o aleijão moral de quantos se prestam
a semelhante papel. A desembargadora Marilia Castro Neves, do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro, chegou a dizer que Marielle foi eleita pelo Comando
Vermelho e morta por "descumprir compromissos assumidos" com os seus
apoiadores. O deputado Alberto Fraga, do DEM de Brasilia, também fez acusações
à vereadora, baseado, segundo ele, no que leu nas redes sociais. É muita
irresponsabilidade e covardia. Ambos terão de provar as acusações, a magistrada
no Conselho Nacional de Justiça e o parlamentar no Conselho de Ética da Câmara.
Caso contrário devem ser exemplarmente punidos por calúnia.
Como
confiar numa Justiça em que uma desembargadora, que tem o dever de ser
equilibrada, faz semelhantes declarações sem provas, desrespeitando a memória
de uma mulher brutalmente assassinada? Só porque era negra, pobre e de
esquerda? É claro que nem toda a classe de magistrados aprova esse
comportamento, que depõe contra um Judiciário já bastante desacreditado, mas os
que desaprovam as declarações da desembargadora deveriam manifestar-se
publicamente, para evitar que se conclua que todos concordam com ela. A verdade
é que, infelizmente, a Justiça brasileira está contaminada por maus juízes, que
ameaçam apodrecer todo o Judiciário. A ministra aposentada Eliana Calmon, quando
corregedora do Conselho Nacional de Justiça, chegou a dizer que o Judiciário
estava cheio de "bandidos de toga". Em recente entrevista ela revelou
que "sofreu horrores" para tentar sanear a Justiça. E acrescentou:
"Sabe o que meus colegas do CNJ diziam? Que é inconstitucional investigar
juiz".
Independente
dos criminosos imbecis que infestam as redes sociais, disseminando intolerância
e ódio, e dos rola-bostas que compartilham e repassam os dejetos morais
postados, os homens e mulheres de bem deste país precisam acordar e transformar
a indignação em ação, de modo a sacudir essa estrutura podre que, ao que
parece, começa a desmoronar. É preciso seguir o exemplo de Marielle e lutar
pelos seus direitos, que estão sendo subtraídos com maior velocidade pelo governo
que se instalou após o golpe de 2016. A sua morte não pode ter sido em vão.
Muito pelo contrário, deve servir de estimulo para que milhões de vozes se
levantem e ecoem em todo o território nacional, sendo ouvidas em todos os
recantos deste imenso país. Se a Constituição garante que todo poder emana do
povo, então é hora do povo exercê-lo, sem esperar que alguma iniciativa das
instituições, hoje lamentavelmente comprometidas com essa situação, possa
restaurar o estado democrático de direito.
A
morte de Marielle talvez tenha sido a gota dágua que faltava para arrebentar o
dique que vem segurando a revolta popular. É preciso mobilizar as forças
populares para assegurar a realização de eleições livres, que coloquem no
Palácio do Planalto um Presidente legítimo, capaz de salvar o Brasil do saque
realizado por Temer, auxiliado pela Lava-Jato, antes que não reste nada. É
preciso impedir que apenas um pequeno grupo de homens de toga, sem nenhum voto,
contrarie o desejo de mais de 60 milhões de brasileiros, que querem Lula de
volta à Presidência da República. Afinal, diz a Constituição que todo o poder
emana do povo e não de meia dúzia de togados. Ou a Constituição não vale mais
nada?
https://www.brasil247.com/pt/colunistas/ribamarfonseca/347406/Morte-de-Marielle-pode-ser-a-gota-d'%C3%A1gua.htm#.Wq_e-LtZ1KA.twitter
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