segunda-feira, 19 de março de 2018

MORTE DE MARIELLE PODE SER A GOTA D'ÁGUA. Por Ribamar Fonseca


Ninguém tem dúvidas de que o assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio de Janeiro, foi uma execução, certamente por conta da sua atuação em defesa dos pobres e negros das favelas e das denúncias sobre a violência policial naqueles redutos. Socióloga, negra e ativista dos Direitos Humanos, a intimorata vereadora foi mais uma vítima da luta contra a opressão, como tantas outras nas grandes cidades e no interior do país, mas o crime, que repercutiu no mundo inteiro, pode ser o estopim de uma reação em cadeia contra as injustiças sociais, agravadas pelas medidas do governo golpista de Temer. Não será difícil identificar e prender os seus autores, a partir da pergunta sobre quem seriam os maiores interessados na morte de Marielle mas, independente dos prováveis motivos, o crime ganha dimensão nacional diante da indignação do povo em todo o país. E pode suscitar maiores manifestações de revolta, sobretudo se não prenderem os culpados o mais rápido possível, como esperam o Brasil e o mundo, porque a sensação de impunidade pode encorajar assassinos em potencial, infiltrados em certos grupos e movimentos, a novos atentados.

Apesar da comoção nacional, porém, que pode despertar grande parcela da população anestesiada pela mídia, o clima de intolerância e ódio hoje existente no país evidencía um surpreendente comportamento de pessoas que, usando as redes sociais como esgoto para despejar todo o seu veneno, tentam enlamear a reputação da vereadora assassinada. Até um deputado federal e uma magistrada participaram dessa tarefa insana, que revela o aleijão moral de quantos se prestam a semelhante papel. A desembargadora Marilia Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, chegou a dizer que Marielle foi eleita pelo Comando Vermelho e morta por "descumprir compromissos assumidos" com os seus apoiadores. O deputado Alberto Fraga, do DEM de Brasilia, também fez acusações à vereadora, baseado, segundo ele, no que leu nas redes sociais. É muita irresponsabilidade e covardia. Ambos terão de provar as acusações, a magistrada no Conselho Nacional de Justiça e o parlamentar no Conselho de Ética da Câmara. Caso contrário devem ser exemplarmente punidos por calúnia.

Como confiar numa Justiça em que uma desembargadora, que tem o dever de ser equilibrada, faz semelhantes declarações sem provas, desrespeitando a memória de uma mulher brutalmente assassinada? Só porque era negra, pobre e de esquerda? É claro que nem toda a classe de magistrados aprova esse comportamento, que depõe contra um Judiciário já bastante desacreditado, mas os que desaprovam as declarações da desembargadora deveriam manifestar-se publicamente, para evitar que se conclua que todos concordam com ela. A verdade é que, infelizmente, a Justiça brasileira está contaminada por maus juízes, que ameaçam apodrecer todo o Judiciário. A ministra aposentada Eliana Calmon, quando corregedora do Conselho Nacional de Justiça, chegou a dizer que o Judiciário estava cheio de "bandidos de toga". Em recente entrevista ela revelou que "sofreu horrores" para tentar sanear a Justiça. E acrescentou: "Sabe o que meus colegas do CNJ diziam? Que é inconstitucional investigar juiz".

Independente dos criminosos imbecis que infestam as redes sociais, disseminando intolerância e ódio, e dos rola-bostas que compartilham e repassam os dejetos morais postados, os homens e mulheres de bem deste país precisam acordar e transformar a indignação em ação, de modo a sacudir essa estrutura podre que, ao que parece, começa a desmoronar. É preciso seguir o exemplo de Marielle e lutar pelos seus direitos, que estão sendo subtraídos com maior velocidade pelo governo que se instalou após o golpe de 2016. A sua morte não pode ter sido em vão. Muito pelo contrário, deve servir de estimulo para que milhões de vozes se levantem e ecoem em todo o território nacional, sendo ouvidas em todos os recantos deste imenso país. Se a Constituição garante que todo poder emana do povo, então é hora do povo exercê-lo, sem esperar que alguma iniciativa das instituições, hoje lamentavelmente comprometidas com essa situação, possa restaurar o estado democrático de direito.

A morte de Marielle talvez tenha sido a gota dágua que faltava para arrebentar o dique que vem segurando a revolta popular. É preciso mobilizar as forças populares para assegurar a realização de eleições livres, que coloquem no Palácio do Planalto um Presidente legítimo, capaz de salvar o Brasil do saque realizado por Temer, auxiliado pela Lava-Jato, antes que não reste nada. É preciso impedir que apenas um pequeno grupo de homens de toga, sem nenhum voto, contrarie o desejo de mais de 60 milhões de brasileiros, que querem Lula de volta à Presidência da República. Afinal, diz a Constituição que todo o poder emana do povo e não de meia dúzia de togados. Ou a Constituição não vale mais nada?

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