O
fim das ilusões: a lógica política de Lula é a lógica que o levará preso
Não
é possível ter mais qualquer ilusão: o jogo institucional conduzirá Lula para a
cadeia. A lógica do golpe – iniciado nas ruas em 2013, interrompido nas urnas
em 2014, e retomado com total apoio midiático após as passeatas amarelas (2015)
que levaram à derrubada de Dilma (2016) – é a interdição de Lula e do PT.
Dias
antes do STJ reunir-se para negar (nesta terça-feira, 6 de março) o habeas
corpus pedido por Lula, li análises de advogados de esquerda que (mesmo em
privado) ainda faziam apostas ilusórias, contando com votos e decisões que
contrariassem a Lava-Jato – reversões todas baseadas em sólidos argumentos
jurídicos.
Ilusão.
A ordem jurídica de 1988 desmoronou. A hora é de jogar fora as ilusões.
A
lógica do golpe conduz à prisão de Lula. E a própria lógica de Lula não permite
pensar fora do institucional – que por fim o levará preso.
Lula
e o PT são frutos da Democracia, respiram a ordem democrática construída desde
a Anistia em 1979. E reforçada com a Constituição de 1988 e as eleições sempre
bem disputadas.
Só
que os tempos agora são outros.
Na
entrevista para Mônica Bergamo, semana passada, Lula deixou claro que rechaça
qualquer estratégia fora da lógica do “respeito às instituições”. Quando li a
entrevista, pensei com meus humildes botões: em 1961, quando um golpe militar
ameaçou barrar a posse de Jango (após a renúncia de Janio Quadros), Brizola
cavou trincheiras no Palácio do Piratini em Porto Alegre, requisitou rádios e
passou a resistir “por fora” da lógica institucional.
Brizola
não era um guerrilheiro. Fora eleito governador, liderava o PTB no sul. Mas
soube fazer a leitura: horas excepcionais requerem ações excepcionais.
Por
que Lula não faz o mesmo? Porque não comanda a resistência civil, com as
possibilidades que existiriam à mão? Por que não cria uma trincheira para o
embate de comunicação permanente? Porque aí ele não seria Lula. Seria Brizola.
Para o bem e para o mal.
Brizola
barrou um golpe no peito. Mas jamais chegou à presidência. Lula, negociador,
avançou passo a passo sempre dentro da ordem. Essa é sua força, mas também seu
limite.
Penso
em Sigmund Freud, criado na Viena cosmopolita e culta da virada do século XIX
para o XX: a cidade tinha sido a sede do Império Austro-Húngaro, multi-étnico e
tolerante (inclusive com os judeus). Nos anos 1930, Freud até o fim duvidava
que o nazismo pudesse avançar sobre sua querida Viena. Foi só na undécima hora
que topou voar para Londres, escapando da morte que a máquina nazista
certamente lhe reservava.
Lula
segue a acreditar na negociação e nas instituições. Não vai operar fora dessa
lógica. Assim como Freud não conseguia compreender que havia desmoronado a
Viena tolerante e democrática. Freud escapou para Londres. Lula, ao que tudo
indica, não escapará: seguirá o destino que lhe impõe o Judiciário golpista
neste triste Brasil da intolerância.
E
isso apesar de as pesquisas mostrarem Lula inabalável em primeiro lugar na
preferência do eleitorado.
Na
CNT/MDA, divulgada nesta mesma terça-feira em que o STJ negou o habeas corpus
para o petista, Lula lidera com folga. Não caiu na preferência popular, desde
que foi condenado em segunda instância no TRF-4. Ao contrário, segue em alta.
Lula
– 33,4%
Bolsonaro
– 16,8%
Marina
– 7,8%
Alckmin
– 6,4%
Ciro
– 4,3%
Álvaro
Dias – 3,3%
Temer
– 0,9%
Manuela
– 0,7%
No
segundo turno, Lula ganha disparado de Alckmin, Bolsonaro ou Marina – com quase
o dobro dos votos.
E
no voto consolidado, Lula tem 27% de eleitores fechados com ele. Vivo ou morto,
preso ou solto. Esse é o patrimônio que Lula tenta manter coeso e talvez até
ampliar, com sua prisão. Se Lula transferir miseráveis 20% dos votos para outro
candidato da esquerda, este nome estará no segundo turno.
Antes
de encerrar, chamo atenção para um ponto: na entrevista para Mônica Bergamo,
Lula fez um gesto em direção a Temer – lembrando que a Globo tentara dar um
golpe no atual presidente. Por que essa frase? Por que afagar Temer?
De
novo, a lógica institucional. Lula manobra ainda pensando no STF. Separados,
nem Lula nem Temer têm forças pra conter os abusos da Lava-Jato. Juntos, talvez
tenham: Temer com a caneta, Lula com quase 40% dos votos nas pesquisas.
Dias
atrás, O Globo abriu espaço para uma estranha entrevista do ministro Celso de
Melo, que deixa claro: já há nova maioria no STF para rever essa história de
prender após condenação em segunda instância. Por que O Globo pautou essa
entrevista? Certamente não foi para agradar Lula, que seria beneficiado com a
mudança de interpretação (aliás, diga-se, mudança de interpretação que
colocaria o STF de novo como guardião da Constituição – que prevê a presunção
de inocência até o trânsito em julgado). Mas para dar um sinal a Temer.
O
atual presidente resiste a aderir à chapa Alckmin-Meirelles – defendida pelos
bancos e a Globo. Resiste porque sabe que o seu destino é a cadeia tão logo
deixe o cargo. Para Temer (e também para alguns tucanos e emedebistas que podem
ficar sem mandato em 2019), evitar a prisão em segunda instância seria
fundamental. A entrevista de Celso de Melo é um sinal a Temer: venha conosco e
lhe garantimos sobrevida fora da cadeia.
Ou
seja: Lula e Temer jogam juntos (mas com projetos e por motivos diferentes)
para colocar freios na Lava-Jato, via STF. A lógica institucional é essa. O
jogo de Lula (em parte) também parece ser esse.
Um
analista experiente em Brasília, com quem falei esta semana, vai mais longe:
“Temer prefere que Lula/PT ganhem, porque sabe que PSDB/Alckmin vão jogá-lo aos
leões da Lava-Jato assim que passar a eleição”.
A
confusão, portanto, é gigantesca também do lado de lá.
Mas
eu apostaria no seguinte quadro: o STF (Carmen Lucia) vai esperar Lula ser
preso. Só depois disso, o Supremo mudará a regra. Lula, então, poderá ser
solto. Mas já terá sido humilhado com câmeras ocultas e fotos vazadas desde a
cadeia para Veja e Globo.
Essa
a lógica do golpe. Não tenhamos ilusão: as fotos e imagens virão. Isso é tão
certo quanto o fato de que Lula seria eleito se pudesse ser candidato em
outubro.
A
dúvida, no entanto, entre os golpistas mais inteligentes é: esse zig-zag de
interpretações a escancarar o golpismo jurídico e essa humilhação midiática não
deixarão Lula ainda mais forte? E se o candidato dele vencer a eleição com
apoio do mártir na cadeia?
Os
aloprados da Lava-Jato e da Globo não vão recuar. E aí podem errar feio: não
conhecem a alma sebastianista do brasileiro. Lula vai virar um Dom Sebastião
encantado a atormentar a direita: nesta e nas próximas eleições.
Talvez
essa seja hoje a aposta que resta a Lula. Um caminho sinuoso e incerto, já que
nem mesmo as eleições estão garantidas. Podem ser adiadas devido à anemia dos
candidatos neoliberais.
O
golpe se aprofunda, e as instituições em que Lula segue a apostar apodrecem.
Parece um quadro sem volta pelos próximos dez anos ao menos.
A
hora é de coragem. Hora de abandonar ilusões e nos prepararmos para enfrentar
uma noite escura. (Da Revista Fórum)
http://cartacampinas.com.br/2018/03/a-ordem-juridica-desmoronou-e-lula-sera-preso-seguindo-sua-propria-logica/
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