O
próximo dia 25 de março de 2018 marcará 41 anos do assassinato do jornalista e
ativista político argentino Rodolpho Walsh, ocorrido seis meses depois da morte
de sua filha María Victoria. Esta data marca a luta do povo argentino pela
democracia e contra o terrorismo de Estado do governo militar apoiado pelos
EUA. No Brasil, tudo faz crer que em breve haverá mais uma data que marcará a
ação destrutiva de aparatos do Estado apoiados e homenageados pelos EUA contra
as forças progressistas, que será a prisão do ex-presidente Lula.
O
tempo dirá se isso marcará o início de uma luta corajosa e eficaz das forças de
esquerda ou simplesmente um marco de sua derrota. A proximidade entre o momento
de Lula e o destino de Walsh se tornou evidente com a declaração dada pelo
ex-presidente após o ato de força do Judiciário pela sua condenação sem provas,
dizendo que o pior sofrimento não era o seu próprio, mas aquele vivido pelos
brasileiros afetados pelas medidas econômicas do governo conduzido ao poder
pelo golpe parlamentar instrumentado pelo Judiciário.
De
fato, as palavras de Walsh sobre os atos mais desumanos do regime ditatorial na
Argentina, que eram os ataques aos direitos sociais das minorias, seguem
aplicáveis à América Latina. Uma vez mais, vivemos no Brasil a experiência
infeliz de ter um regime que atacou a democracia, removendo uma presidente que
não cometeu crime de responsabilidade e que avança, violentamente, contra os
direitos dos que têm menos e entregam o patrimônio nacional a estrangeiros.
Como Walsh nos ensinou de maneira cabal, por trás do falso discurso moralista e
patriótico, a vontade última e mais importante que move os golpistas nos três
poderes é o interesse em promover as políticas econômicas que significam a
imposição do que ele denominou como a miséria planejada.
Tragicamente,
a história se repete e traz novamente à tona a lama do discurso liberal de que
políticas desenvolvimentistas e nacionalistas de crescimento com distribuição
de renda contém “irresponsabilidades” que conduzem à crise econômica. Ao
exército de economistas e colunistas de porta de bancos, somam-se juízes e
desembargadores que atuam para assentar na convicção popular e marcar a ferro
na história oficial do país que a ascensão social, a erradicação da miséria, a
soberania nacional e a esperança de sonhar com um país que não seja mais a
vergonha mundial da concentração de renda seriam frutos de uma árvore
envenenada, por meio da solerte construção jurídica de uma macrocorrupção
concentrada no principal partido de esquerda que desafia a lógica, mas serve de
senha para uma caçada a líderes populares que tenham chance de vitória
eleitoral.
E
o que é oferecido em troca da liberdade de escolha democrática? Com o argumento
de que a salvação nacional depende de medidas estranhamente seletivas de
austeridade, são produzidos ajustes que conduzem mais uma vez a América do Sul
a um modelo de miséria planejada, i.e., um modelo de políticas para reduzir
salários e benefícios sociais e cortar o investimento público em saúde,
educação, mobilidade urbana, indústria, infraestrutura e pesquisa científica,
vetores cruciais da mobilidade social ascendente.
Diz-se
no Brasil que o orçamento público não suporta os gastos sociais gerados pela
Constituição de 1988, mas qualquer um que saiba quanto se gasta
desnecessariamente com juros sobre a dívida pública federal entende facilmente
que se trata da velha luta do orçamento sendo vencida pelas elites, que impõem
sacrifícios ao conjunto da população em nome da manutenção de seu quinhão nos
recursos do Tesouro.
Por
isso, a manutenção em longo prazo do espaço privilegiado dos rentistas no
orçamento público demanda que se instale um regime antidemocrático, um regime
de força, capaz de prender Lula e arrebentar a esquerda, e colocar a população
num estado de choque e medo tal que a população aceite medidas que são contra
seus próprios interesses, que vão do desmonte dos programas de habitação
popular à venda da Embraer, e destroem as esperanças de um país próspero para
210 milhões.
Hoje,
relendo as palavras da carta de Rodolpho escrita em 1977, quando nos contou das
ações bárbaras dos golpistas militares e civis na Argentina, fazendo referência
aos atos de violência e perseguição política e criminal, é fácil notar com
clareza que o mesmo tipo de violência fascista cresce a cada dia no Brasil com
o patrocínio de poderosas facções instaladas no Estado brasileiro com um propósito
que o governo golpista e as elites que comandam ações judiciais seletivas não
conseguem disfarçar:
“Estos
hechos, que sacuden la conciencia del mundo civilizado, no son sin embargo los
que mayores sufrimientos han traído al pueblo ni las peores violaciones de los
derechos humanos en que ustedes incurren. En la política económica de ese
gobierno debe buscarse no solo la explicación de sus crímenes sino una
atrocidad mayor que castiga a millones de seres humanos con la miseria
planificada.”
Aí
estão as palavras de Rodolpho em nossa realidade, de modo que é urgente às
mentes progressistas fazer uma dura autocrítica e entender que um vetor central
do golpe e das perseguições políticas é aprofundar reformas econômicas que
lamentavelmente foram iniciadas por um governo de esquerda quando este deixou
de lado compromissos assumidos na eleição presidencial de 2014 e nomeou e deu
poderes a representantes da mais conservadora ortodoxia econômica e financeira.
A
política econômica implementada gerou uma enorme desilusão e insatisfação
popular que deu impulso irreversível para um processo de fraude parlamentar,
que alçou ao poder uma aliança política cuja única base de sustentação é
proteger os interesses dos seus aliados no parlamento, na imprensa, na justiça e
no mercado financeiro, enquanto leva a cabo um verdadeiro assalto ao orçamento
público federal e ao patrimônio das empresas estatais.
Hoje,
eles avançam sobre os salários dos trabalhadores, as pensões dos aposentados,
os remédios dos enfermos e o auxílio dos famintos. Aos estados e municípios
negam apoio financeiro com motivações inconfessáveis de forçar privatizações,
pondo em risco a segurança e a saúde das populações locais, a contrapelo do
pacto federativo. Para além dos ataques judiciais contra seus opositores num
combate seletivo à corrupção, e da propagação do fascismo por órgãos de
imprensa com seu jornalismo de guerra, os que golpeiam a democracia aproveitam
o estado de choque e desilusão com a política para pôr de pé um regime
econômico neocolonial, no qual esperam ser próceres locais, reconhecidos e com
trânsito na nova metrópole.
Trata-se
de um modelo voluntário de exploração, contra a soberania nacional sobre as
forças produtivas, que dá à elite local a expectativa de ter como aliada a
comunidade dos países cujas empresas estão comprando a preço vil os ativos
nacionais, aproveitando-se da tragédia de termos nos tornado um país que tem
petróleo mas não tem um Estado com projeto de desenvolvimento nacional.
Novamente, as elites buscam consolidar seu poder transformando as demandas da
população, de cuja miséria extraem sua riqueza, em inimigas das forças
econômicas internacionais.
Por
isso, cabe reconhecer Rodolpho Walsh e Lula por, cada um a seu tempo e com seu
destino selado, contornarem suas dores pessoais e assumirem os riscos de se
posicionarem contra a miséria planejada, e cabe dar consequência a seus
chamados a nossas capacidades individuais e coletivas e realizar a resistência
política ao golpe e ofertar alternativas ao liberalismo, nas quais o manejo do
orçamento público e suas principais variáveis, tais como o gasto público e a
taxa de juros, afaste-se da ortodoxia e tenha como objetivo o progresso da
larga maioria dos brasileiros, razão essencial da luta em defesa de uma
democracia com justiça social, que o Brasil vê ser ferida de morte nos
decretos, medidas provisórias, emendas constitucionais, vendas de empresas
nacionais e sentenças judiciais de nosso tempo.
http://brasildebate.com.br/a-condenacao-de-lula-e-a-miseria-planejada-no-brasil/
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