Remetente:
Presunção de Inocência
Destinatário:
Supremo Tribunal Federal
Exma.
Presidente do Supremo Tribunal Federal
Dra.
Cármem Lucia Antunes Rocha,
Venho
a presença de Vossa Excelência e dos demais ministros desta Corte
Constitucional expor e afinal requerer o seguinte:
Sou
uma velha senhora, minha origem remonta ao direito romano. Na Idade Média fui
afrontada em razão, principalmente, dos procedimentos inquisitoriais que
vigoravam na época, chegando mesmo a ser invertida já que a dúvida poderia
levar a condenação. Contudo, sabiamente e felizmente, fui consagrada na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 refletindo uma nova
concepção do direito processual penal. Uma reação dos pensadores iluministas ao
sistema persecutório que marcava o antigo regime, no qual a confissão – “rainha
das provas” – era obtida através da tortura, de tormentos e da prisão.
Segundo
o jurista italiano Lugi Ferrajoli, sou correlata do princípio da
jurisdicionalidade (jurisdição necessária). Para Ferrajoli “se é atividade
necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um crime, desde que tal
prova não tenha sido encontrada mediante um juízo regular, nenhum delito pode
ser considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado nem
submetido a pena”. Mais adiante o respeitável jurista italiano assevera que o
princípio da presunção de inocência é um princípio fundamental de civilidade
“fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes,
ainda que ao custo da impunidade de algum culpado”.[1] Na Itália informa ainda
Ferrajoli, com o advento do fascismo, entrei em profunda crise. Os freios contra
os abusos da prisão preventiva deixaram de existir em nome da “segurança
processual” e da “defesa social”, sendo considerada a mesma indispensável
sempre que o crime tenha suscitado “clamor público”.[2]
Em
tese de doutoramento, Antonio Magalhães Gomes Filho asseverou que: “À luz da
presunção de inocência, não se concebem quaisquer formas de encarceramento
ordenadas como antecipação da punição, ou que constituam corolário automático
da imputação, como sucede nas hipóteses de prisão obrigatória, em que a imposição
da medida independe da verificação concreta do periculum libertartis”.[3]
Apesar
disso, cerca de 250 mil presos estão encarcerados, aguardando uma sentença
definitiva – são presos provisórios – lamentavelmente para eles sou letra morta
na Constituição da República.
Desgraçadamente,
meus Inimigos costumam me acusar de eu ser aliada da “Impunidade”. Evidente que
tal afirmação é absurda e não corresponde à verdade. Na verdade, eu uma velha,
aliada dos “Direitos Humanos” e dos “Direitos Fundamentais”. Sou Irmã da
“Dignidade Humana”. Como meus aliados, eu só sobrevivo no Estado
Constitucional. Os Estados autoritários
e fascistas são carecedores do oxigênio chamado “Liberdade” do qual necessito
para respirar e continuar vivendo.
No
Estado Democrático de Direito, de onde me dirijo a Vossas Excelências, é
inadmissível, intolerável e inaceitável flexibilizar direitos e garantias
individuais em nome do combate deste ou daquele delito. A investigação, a
acusação e o julgamento devem ser orientados pelos princípios do devido
processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência,
do juiz imparcial, da proibição de prova ilícita, da proporcionalidade, etc.
Tenho
sofrido ataques dos fascistas e dos inimigos do Estado de direito. Em 2016 quase
aniquilaram definitivamente comigo. Os inimigos da democracia querem me
despejar da Constituição Cidadã, mas eu tenho resistido.
Por
tudo, requeiro a Vossas Excelências que façam valer, imediatamente, o sagrado
direito e me devolvam o status de princípio fundamental, em nome do tão
proclamado Estado Democrático de Direito.
ASS. Presunção de
Inocência
.x.x.x.x
Leonardo Isaac
Yarochewsky é Advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais pela UFMG.
Por Diario do
Centro do Mundo - 14 de março de 2018
PUBLICADO
ORIGINALMENTE NO EMPÓRIO DO DIREITO
https://www.diariodocentrodomundo.com.br/carta-da-senhora-presuncao-de-inocencia-dirigida-ao-stf-por-leonardo-isaac-yarochewsky/
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