Antes
da volta ao Brasil para assumir o cargo de procuradora-geral do Rio Grande do
Sul junto ao Supremo Tribunal Federal, Fernanda Figueira Tonetto concedeu uma
entrevista à Rádio França Internacional, na qual falou dos temas polêmicos
envolvendo o poder judiciário no Brasil, como o auxílio-moradia aos juízes, a
exceção criada para o ex-presidente Lula e os procedimentos de impeachment no
país.
Convidada
para fazer uma palestra para estudantes da Escola de Direito da Sorbonne, em
Paris, Tonetto optou pelo tema "Procedimentos do impeachment, aspectos
jurídicos e políticos". O assunto, pouco conhecido no ambiente francês,
foi explorado a partir da experiência política da história brasileira.
"O
procedimento de impeachment na Constituição foi previsto de maneira muito
genérica ", afirma, explicando que a Carta Magna como resultado de um
processo democrático, foi concebida com a perspectiva de que um presidente dure
no poder, e não seja destituído.
Em
sua palestra para alunos de Direito, ela citou os processos que culminaram no
afastamento do poder de Fernando Collor de Melo, em 1992, e de Dilma Rousseff,
em 2016. "No caso do Collor, ele era diretamente ligado à corrupção. Ele
perdeu os direitos políticos quando foi condenado à perda do cargo porque o
Senado, segundo a Constituição, pode se pronunciar sobre as perdas dos direitos
políticos. Foi o que aconteceu em razão das práticas de corrupção diretamente
ligadas a ele", explicou.
No
entanto, com a presidente Dilma Rousseff o procedimento foi diferente porque
ela não estava diretamente ligada à corrupção, de acordo com Tonetto.
"Quem estava implicado diretamente na prática eram outros integrantes do
Partido dos Trabalhadores e me refiro ao caso especificamente da
Petrobras".
Para
a procuradora, a perda de popularidade de Dilma a partir do caso Petrolão se
agravou quando houve a tentativa de nomear o ex-presidente Lula para o cargo de
chefe da Casa Civil para garantir a ele foro privilegiado. "Isso foi uma
das gotas d'água que acarretou no processo de perda do cargo. Mas como ela não
estava diretamente implicada na corrupção, talvez por isso no julgamento do
impeachment ela teve os direitos políticos preservados", opina.
Segundo
Tonetto, com apenas três artigos, o procedimento de impeachment remete à uma
lei ordinária de 1950, que não corresponde ao processo democrático pelo qual o
Brasil passou. "Isso gerou lacunas que possibilitou um papel muito
importante do Supremo Tribunal Federal", explicou.
Sobre
a possibilidade do STF anular o processo de impeachment de Dilma Rousseff, como
pretende a defesa da ex-presidente, a procuradora é taxativa: "Talvez por
uma questão política, não se sabe, o Supremo sempre deixou o caminho livre para
o parlamento decidir. Durante todo o processo, ele teve um papel de moderador.
Ele apenas analisa se há vício. Se não houver vício, ele deixa o parlamento
decidir. Tudo indica que não haverá anulação", prevê.
"Exceção"
jurídica para Lula
Na
entrevista à RFI, Fernanda Tonetto também se expressou sobre a decisão do TRF-4
que condenou em segunda instância o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a
12 anos e um mês de prisão, ampliando a pena condenatória do juiz federal
Sérgio Moro.
Segundo
a procuradora gaúcha, foi feita uma exceção a Lula pois a Constituição prevê a
aplicação da pena, mesmo com a apresentação de recursos especiais ou
extraordinários,em outras instâncias superiores como no Superior Tribunal de
Justiça e no Supremo Tribunal Federal. "Esses dois recursos, em regra, não
têm efeito suspensivo. A decisão (do TRF-4), com efeito imediato, teria o efeito
de produzir a prisão do condenado. Por isso, o fato do ex-presidente não estar
na prisão foi uma exceção criada pelo tribunal de segundo grau", afirmou.
"Tem
que deixar claro que o fato de ter sido interposto um recurso criou uma nova
jurisprudência e não apenas para o ex-presidente Lula, ela pode ser aplicada a
outros condenados".
A
possibilidade de que os recursos da defesa do ex-presidente sejam analisados,
deixa claro que os contornos da próxima eleição do Brasil estão nas mãos do STJ
e do STF, instâncias mais sujeitas a interferências do contexto político,
segundo Tonetto.
"A
decisão de juízes de primeira e segunda instâncias são mais técnicas. Quando se
trata de cortes superiores, as decisões são mais políticas. Em se tratando de
um acusado que foi presidente, as questões que misturam questões de direito e
contexto político se entrelaçam. A decisão tem que analisar as consequências. É
muito difícil dizer que uma decisão é isenta de conteúdo político. O juiz
analisa todo um contexto fático, que neste caso, é política também",
afirma.
"Juízes
monarcas"
A
procuradora do Estado do Rio Grande do Sul não poupa críticas aos seus colegas
de profissão que se beneficiam do auxílio-moradia. Uma decisão do Supremo
Tribunal Federal garante que juízes federais e estaduais tenham acesso ao
benefício, mesmo sendo proprietários de imóveis na cidade onde trabalham.
Muitos juízes, como Sérgio Moro, justificam os recursos do auxílio-moradia como
uma forma de compensar a falta de reajuste dos salários. O argumento é
contestado pela procuradora Tonetto, que se refere à situação do funcionalismo
público de seu próprio estado.
"No
Rio Grande do Sul, os funcionários públicos estão recebendo salários
parcelados, inclusive nós, procuradores, o que não é o caso dos juízes
estaduais", lembra.
"Não
é sem razão que os juízes estão sendo vistos como a nova monarquia. Não é sem
razão que hoje se fala em ditadura dos juízes, se critica tanto o ativismo
judicial e se fala do enorme poder que os juízes têm", acrescenta.
Segundo
ela, é evidente que as distorções precisam ser corrigidas, como a influência
crescente do judiciário em muitas tomadas de decisões. "No Rio Grande do
Sul, existe uma série de ações que deveriam ser decididas pelos poderes
executivo e legislativo, mas que estão amarradas porque são os juízes que
decidem. Saúde, segurança pública, orçamento... todas essas questões estão
sendo judicializadas e o executivo não pode nada fazer", denuncia.
Tonetto
defende uma discussão ampla do poder que os juízes ganharam na sociedade
brasileira. "Com tanto poder, eles podem se autoconceder uma série de
vantagens que precisam ser debatidas por toda a sociedade. É preciso ter
transparência para debater, problematizar e, quem sabe, encontrar soluções
melhores", conclui.
https://www.brasil247.com/pt/247/rs247/341590/%E2%80%9CJu%C3%ADzes-viraram-nova-monarquia-no-Brasil%E2%80%9D-diz-procuradora-do-RS.htm
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