segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

A INCRÍVEL TRAGÉDIA DA POETIZA MARINA TSVETAEVA, DO MARIDO EFRON E DA FILHA ARIADNA. Por Carlos Russo Jr

Genial e terrena, intensamente livre, Tsvetaeva foi ao lado de Pasternak, Maiakovski, Mandelstam e Ana Akhamatova, um dos mais importantes expoentes da geração de artistas e intelectuais nascida nos anos 1890 e que tanto influenciaria e seria influenciada pelos rumos da Revolução Soviética de 1917.

Seu poema “À Vida” é como o arauto de uma alma inquebrantável, um temperamento arrebatado e inquieto que rompe os limites do próprio tempo.

“Não roubarás minha cor                                                                 
Vermelha, de rio que estua.

Sou recusa: és caçador!

Persegues: eu sou a fuga.

Não te dou minha alma cativa!

Colhido em pleno disparo

Curvo o pescoço e o cabelo,

E abro a veia da vida”.

Marina, filha de um filólogo e de uma aristocrata, teve formação intelectual esmerada. Criança precoce escreveu poesias desde os 6 anos. Aos 16, estudava na Sorbonne em Paris, e começou a escrever poesias em francês e alemão. Seu primeiro livro foi publicado aos 18 anos. Já adulta, Marina falava, lia e escrevia em russo, francês e italiano; suas cartas ao maior poeta alemão modernista, Rainer Maria Rilke, foram escritas em alemão.

No tempo da Revolução de 1917 ela vivia em Moscou e era anticomunista, casada com um Sierguei Efron, oficial czarista. Durante a guerra civil, Efron tornou-se um oficial branco e separou-se da família.

Ao final da guerra civil, 1920, a situação era terrível, tudo faltava a praticamente todos. Absolutamente só em Moscou, com duas filhas, Marina viu morrer a mais nova de fome. A poetiza, entre um poema e outro, que anotava sempre em cadernos vermelhos, saia com Ariadne, a filha de sete anos, pelas ruas em busca de qualquer alimento. Mesmo assim sua solidariedade obrigou-a sempre a repartir até mesmo batatas podres com outros desesperados como o poeta Balmont.

Até o falecimento de Lênin, não era difícil deixar a Rússia. Quem não gostasse do país dos sovietes que se mudasse. Para reunir-se ao marido e deixar a Rússia, Marina emigrou em 1922. Primeiro, Tchecoslováquia, depois Paris.

Durante a emigração, Tsvetaeva teve que renunciar à poesia. “A emigração fez-me prosadora”, disse. “A propósito, ela escrevia de maneira igualmente talentosa em russo e em francês,” apontou o francês Jorge Niva. “Por exemplo, Pushkin, vertido em francês, não impressiona. Não é Pushkin, diz o investigador, mas Tsvetaeva em francês é a mesma Tsvetaeva, graças a um francês excecional, a mesma energia, a mesma originalidade.”

Ela e o marido levaram uma vida de privações, miserável. O capitalismo revelou-se com toda a sua crueza para o casal de emigrados. Aquilo que os bolcheviques não haviam conseguido a vida o fez, conduzindo o casal para as ideias socialistas e abjurando o passado reacionário.

“Poeta da revolução e poeta revolucionário são duas coisas diferentes. Encontram-se apenas uma vez em Maikoviski, pois ele é um revolucionário poeta, um milagre dos nosso dias.” Quando em 1930, Maiakovski suicidou-se, ela poetou “A Vladmir Maiakovski”:

“Acima das cruzes e nas alturas,

Arcanjo sólido, passo firme,

Batizado a fumaça e a fogo –

Salve, pelos séculos, Vladmir!

Ele é dois: a lei e a exceção,

Ele é dois: cavalo e cavaleiro.

Toma fôlego, cospe nas mãos:

Resiste, triunfo carreteiro.

Escura altivez, soberba tosca,

Tribuno dos prodígios da praça,

Que trocou pela pedra mais fosca

O diamante lavrado e sem jaça.

Saúdo-te, trovão pedregoso!

Boceja, cumprimenta – e, ligeiro,

Toma o timão, rema no teu voo

Áspero de arcanjo carreteiro”.

Seu marido Efron tornara-se militante do Partido Comunista Francês e, logo após, foi cooptado para o serviço secreto soviético no exterior. Sob o comando de Pavel Sudoplatov, o homem de missões especiais da NKVD, participou de uma série de ações primeiramente em Paris, posteriormente na Suíça.

Com a glasnost surgiram, inclusive, indícios de que Efron tenha participado do assassinato por envenenamento, após uma apendicectomia do filho de Trotsky, Lev Sedov, em 1936.

Em 1937, é convocado para ir para à Suíça e participar do assassinato do ex-agente Ignácio Reiss, que desertara do serviço secreto. Acontece que Reiss deixara pistas que identificava a cilada para qual fora atraído por uma amiga de mais de vinte anos e onde fora executado.

Em seu hotel a polícia encontrou um bilhete assinado pelo assassinado: “Quem ainda se cala, torna-se cúmplice de Stalin e traidor da classe operária e do socialismo… Mas eu não posso mais; devolvo-me a liberdade e retorno a Lênin e a sua obra”.

A investigação conduziu até Efron. Ele, entretanto, conseguiu fugir graças à diplomacia soviética e voltou à Rússia.

Por outro lado, sua filha Ariadna, já uma grande poetiza, decidiu independentemente retornar para a sua pátria, convencida de que encontraria um país comprometido com a liberdade e a justiça social.

Já a mãe, Marina, permaneceu com outros filhos em Paris, aparentemente sem conhecer o tipo de ações nas quais seu marido, como agente da NKVD, estava envolvido.

O casamento de Marina e de Efron sempre fora aberto e, assim, se manteria por toda a vida. As paixões extra-conjugais da poetiza nunca duravam muito tempo. Os amantes, regra geral, acabavam por fugir de suas exigências. Um único amor que não foi circunstancial e que criou uma sólida amizade, foi o de Boris Pasternak, o qual muito a ajudou, assim como a sua filha Ariadna e o fez nos piores momentos. Em visita a Paris, para participar de um congresso antifascista em nome da III Internacional, Pasternak, por exemplo, aconselhou que Marina não retornasse à Rússia. Em vão. Ela voltaria à Rússia com filhos em busca de Ariadna e do marido Efron, dois anos após, em 1939.

Marina também era bissexual assumida. “Para uma mulher amar somente as mulheres, ou para um homem amar apenas os homens, excluindo deliberadamente o oposto convencional – que horror! E dizer que apenas os homens podem amar as mulheres, ou que apenas as mulheres podem amar os homens, obviamente exclui o incomum, como é maçante!”

“Mudar de margem e mudar de mundo – é isto que Marina Tsvetaeva, a enamorada, a caçadora, a ‘ leprosa ‘ , permanentemente faz, mudando de margem e escolhendo sempre a porta mais sinistra”, escreveu Georges Nivat no prefácio de um de seus  “Cadernos Vermelhos”. Por isso mesmo, os heróis históricos preferidos de Marina foram  Joanna  d’Ark e o filho do deposto Napoleão, ou seja, as suas simpatias foram sempre com os excluídos e marginalizados.

Ariadna, por seu lado, em 1938, passou a viver na companhia do pai Efron nos arredores de Moscou. A vida parecia pela primeira vez estável, e ela era bem remunerada como tradutora e ilustradora. Foi quando conheceu Samuel Gurevicht, por quem se apaixonou.

Acontece que Gurevicht era o homem errado, na hora errada, simplesmente um agente da NKVD plantado na família de Efron. Chegaram a marcar o casamento, mas antes Ariadna foi presa, suspeita de conspiração. Torturada, mentiu aos algozes incriminando o pai. Condenada a um campo de trabalho forçado siberiano, somente seria autorizada a deixá-lo em 1947.

Nesse ínterim, em 1939, Marina retornara a Moscou com os filhos para reunir toda a família; profunda desilusão: logo soube da prisão de seu marido Efron, mas ficou sem notícias de Ariadna durante mais de um ano e meio.

Efron foi fuzilado em 1941, por traição à pátria, no princípio da Grande Guerra Patriótica.

Marina recebeu então ordem de evacuação para a cidade de Ielabuga, no Tartaristão, onde, após o fuzilamento do marido, enforcou-se. Trinta anos após, surgiram testemunhas de que ela fora enforcada em sua casa.

Pouco antes de sua morte, aos 48 anos, Marina escreveu o “Poema do Fim”:

“Oh dupla coragem, sequidão-

Dos homens, onde está você,

Se em minha mão há lágrimas

E não chuva?

A água é da fortuna

O que mais poderia querer?

Se teus olhos são diamantes

Que se vertem em minhas palmas,

Já não perco

Nada. Fim do fim.

Carícias, abraços

Eu acariciava tua face.

Assim somos orgulhosos.

Quando chove em minhas mãos

Olhos de águia:

Você chora? Meu amor,

Meu tudo: me perdoe!

Pedras de sal

Caem em minhas mãos.

Pranto de homem, veia,

Na cabeça recostada.

Gritos. Outra te devolverá

A vergonha que te fiz deixar.

Somos dois peixes

Dos meus, meu, seu, meu mar,

Duas conchas mortas

Lábio contra lábio.

Todas as lágrimas.

Sabor

Um oráculo

– O que acontecerá

Quando e se

Despertares?”

O filho de Marina, Mur Efron, morreu em combate como oficial do Exército Vermelho em 1943.

Mas voltemos a Ariadna Efron. A filha de Marina foi libertada da Sibéria em 1947, sendo proibida de residir em Moscou e em outras 39 cidades soviéticas.

Esse período da história da União Soviética é bem difícil de ser compreendido por um observador. Em carta a uma amiga, Ariadna confessa seus encontros fortuitos com o ex-marido, o mesmo que a espionara. Residia, então, em Riazan, ilustrando livros de arte.

Em 1949, ela foi novamente enviada para um campo de trabalhos forçados, onde o inverno tem temperaturas abaixo dos 50 graus negativos e do qual somente sairia em 1955, quando publicamente foi reabilitada pela União Soviética.

Escreveu, ainda interna, para Pasternak: “Se pudesse estar no comando da minha vida, eu viveria e trabalharia longe de Moscou, mesmo no norte, nunca aqui. Viveria e trabalharia verdadeiramente, não como sou obrigada a trabalhar agora. Eu escrevi livros sobre coisas que a maioria das pessoas não tem a oportunidade de ver e dou a minha palavra que escreverei lindamente!”

Ariadna foi a primeira pessoa a receber o original de “Doutor Jivago” e a criticá-lo. Anos após, o livro revisado pelo autor, Boris Pasternak, receberia o Prêmio Nobel de Literatura!

Reabilitada, ela trabalhou como arrumadeira e, depois, na Casa da Cultura. Escreveu a Pasternak: “De todas as minhas qualidades as mais evidentes são uma resistência de camelo e uma paciência mais que humana”.

Marina Tsvetaeva deixou uma enorme obra poética que foi salva da destruição e do esquecimento graças a Ariadna. Ela ocupou todos seus momentos livres com os escritos deixados pela mãe e que estavam escondidos em um baú, em casa de uma velha tia.

Ariadna voltou a ser tradutora e ingressou na União dos Escritores Proletários, em 1965, quando conseguiu autorização para morar em Moscou.

É impressionante que com sua vida vivida Ariadna jamais tenha perdido a confiança no Partido Comunista da U.R.S.S. e em seus dirigentes. Confessa a Pasternak, em carta, sua admiração por Stalin quando ainda vivia em Turukhansk, em 1952! Rumores do tempo, diria Ossip Mandelstam. Faleceu de morte natural em 1975.

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