Eleito
democraticamente por sufrágio direto dos docentes, estudantes e servidores ao
cargo de reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos
Cancellier de Olivo — o Cao, como era conhecido pelos mais próximos — era
graduado em Ciências Jurídicas e pós-graduado pela UFSC, onde recebeu os graus
de mestre (2001) e doutor (2003) em Direito.
Além
disso, foi chefe do Departamento de Direto e diretor do Centro de Ciências
Jurídicas da universidade. Atualmente, era professor do programa de mestrado e
doutorado da instituição.
Militante
aguerrido de causas sociais, Cao foi engajado com o movimento estudantil, tendo
lutado contra a ditadura militar e participado de campanhas pela anistia, pelas
Diretas Já e pela Constituição de 1988, tendo exercido, ainda, a profissão de
jornalista e advogado.
Apesar
de sua relevante trajetória de vida, foi surpreendido no último dia 14 de
setembro com um mandado de prisão temporária expedido a requerimento da
autoridade policial para o aprofundamento das investigações na denominada
operação ouvidos moucos, sob a alegação de que supostamente teria tentado, na
qualidade de reitor, atrapalhar investigações no âmbito administrativo
(Corregedoria) da UFSC, sem que sequer tenha sido previamente intimado para
comparecer na sede da Polícia Federal.
Utilizando-se
de conhecido e maldoso recurso de semiótica, que confunde título e imagem com
conteúdo diverso de notícia, os meios de comunicação transformaram uma
investigação recém-nascida pela anômala infração de "tentativa de
obstrução administrativa" em "desvio de verbas públicas", o que
foi catalisado por autoridades públicas que, antes mesmo de concluir o
torturante interrogatório, sem pausa, de mais de cinco horas, montavam o picadeiro
que seria fator determinante para sua morte.
Foi
assim que, no dia 2 de outubro, nosso escritório recebeu a triste notícia de
que o processo penal do espetáculo fez mais uma vítima fatal, nosso estimado
amigo e cliente Luiz Carlos Cancellier de Olivo.
Quem
milita na área sabe o poder destrutivo que o excesso de exposição possui na
vida de uma pessoa, sobretudo quando se é alvo de divulgação de informações
distorcidas.
A
mentira, reiterada até na data de sua morte por grandes veículos de comunicação,
inclusive jurídicos, poderia ter sido facilmente desmentida pela rápida leitura
da peça que inaugura o inquérito, mas não renderia tantos "cliques"
quanto a humilhação pública do sujeito, motivo pela qual provavelmente foi
ignorada.
O
trágico e indigesto episódio, que ainda mantém todos consternados e incrédulos,
trouxe a lembrança de fato similar ocorrido no bairro da Aclimação, na cidade
de São Paulo, em meados 1994, que ficou conhecido como caso Escola Base.
Naquela
oportunidade, a imprensa, fazendo um julgamento paralelo àquele originalmente
incumbido ao Poder Judiciário, divulgou tendenciosamente determinados fatos e
condenou sumariamente quatro pessoas pela prática de crimes sexuais envolvendo
crianças numa escola de São Paulo.
A
malfadada denúncia, constantemente alimentada por um delegado ávido por
holofotes, logo ruiu, e todos os indícios apontados como provas cabais do fato
foram comprovados inverídicos e infundados, colocando fim àquele processo penal
do espetáculo.
O
estrago, contudo, estava feito e era irremediável, especialmente para as
vítimas inocentes injustamente acusadas, que morreram antes mesmo de a
injustiça ser definitivamente reparada pelas autoridades competentes.
Muito
embora tal conduta tenha repercutido negativamente e gerado inúmeras críticas
não só por atores jurídicos como também por integrantes do próprio meio
jornalístico, no dia 2, para nosso profundo pesar, presenciamos de perto o
mesmo erro ser praticado em circunstâncias muito parecidas às do famigerado
caso Escola Base.
Agora,
além da reputação manchada por inverdades (vide comentários raivosos do senso
comum que inundaram as redes sociais), fica a tristeza para os familiares e
amigos por essa insuperável perda.
Que
sua dolorosa partida sirva de reflexão para todos, especialmente àqueles que,
entorpecidos por ego e vaidade, extrapolam suas funções institucionais, e aos
demais que divulgam e replicam notícias de maneira açodada e equivocada,
destruindo carreiras, reputações e vidas.
Referências
BAYER,
Diego Augusto. AQUINO, Bel. Julgamentos Históricos: casos que marcaram época e
algumas mazelas do processo penal brasileiro. Florianópolis: Empório do
Direito, 2016.
CONJUR.
Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-out-02/reitor-ufsc-afastado-suspeita-corrupcao-comete-suicidio.
Acesso em 3 out. 2017.
DAMIAO,
Carlos. Quem matou o reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier? Disponível em:
.
Acesso em 3 out. 2017.
FOLHA
DE SÃO PAULO. Reitor afastado da UFSC é encontrado morto em shopping de
Florianópolis. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/10/1923554-reitor-afastado-da-ufsc-e-encontrado-morto-em-shopping-de-florianopolis.shtml.
Acesso em 3 out. 2017.
GALLI,
BRASIL, PRAZERES. Nota de pesar. Disponível em:
https://gallibrasil.adv.br/nota-de-pesar/. Acesso em 3 out. 2017.
MARTINES,
Fernando. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2017-out-02/morte-reitor-ufsc-mostra-face-cruzada-corrupcao.
Acesso em 3 out. 2017.
PRAZERES,
Deivid Willian dos. A influência da mídia no processo penal: A informação em
detrimento da presunção de inocência. 2011. Monografia (Graduação em Direito) —
Universidade do Sul de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.
PRAZERES,
Deivid Willian dos. A criminalização midiática do sex offender: a questão da
Lei de Megan no Brasil. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.
RIBEIRO,
Alex. Caso Escola Base: Os abusos da imprensa. 2. ed. São Paulo: Ática, 2003.
Deivid Willian dos
Prazeres é advogado criminalista, diretor-tesoureiro da Associação dos
Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina e presidente da Comissão de
Direito Penal da OAB-SC.
Hélio Rubens Brasil é
advogado criminalista, presidente da Associação dos Advogados Criminalistas do
Estado de Santa Catarina e membro efetivo do Instituto dos Advogados
Brasileiros.
Revista
Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2017-out-13/opiniao-morte-reitor-nao-aprendemos-escola-base
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