Não
é um pacto de sangue: é de tomate com ervilhas!
O
Conversa Afiada publica artigo de seu colunista Joaquim Xavier:
Antonio
Palocci Filho é um traidor de carteirinha. Isto é sabido há muito tempo por
bastante gente, mas sua história sempre restou submersa graças à astúcia em
encobrir o caráter diminuto, parasita, de quem está por cima.
Sua
vida política é o melhor testemunho. Nos idos da juventude, colou-se à corrente
trotskista Liberdade e Luta quando esta era a sensação do movimento estudantil.
Com essa vestimenta, tornou-se presidente do centro acadêmico mais importante
da região, da faculdade de medicina da USP em Ribeirão Preto.
O
surgimento do PT deu a Palocci a chance de estrear na “grande política”. A
primeira coisa que fez foi romper com a corrente trotskista. A Libelu tinha
princípios em excesso, defendia a luta de classes, a independência diante dos
patrões. Era pura demais. O que foi um trunfo para Palocci durante certo tempo,
no ambiente fervilhante da universidade, virou um fardo no horizonte do
arrivista.
E
lá se foi Palocci. Rompeu com a Libelu, tornou-se vereador e elegeu-se
prefeito. Com algum poder nas mãos, começou a mostrar o que pretendia com a
política. Uma de suas patranhas inaugurais foi armar uma concorrência
fraudulenta de merenda escolar. Montou um edital tão restritivo que apenas uma
empresa podia vencer: a que oferecesse molho de tomate com ervilhas. Não era a
troco de nada, óbvio.
O
inquérito andou a passo de tartaruga até ser arquivado muitos anos depois.
Detalhe:
nesta época Palocci já era todo poderoso ministro da Fazenda. É fácil imaginar,
no Judiciário brasileiro que todos conhecem, se alguém teria ânimo para
peitá-lo em algo aparentemente tão pequeno. Mas o cheiro de ervilha com tomate
nunca o abandonou.
Sua
intuição em juntar o vermelho-tomate da rebeldia estudada com o verde-ervilha
das notas graúdas de dólar já havia aparecido de novo com a infame Carta aos
Brasileiros, da qual foi mentor e fiador.
Refresque-se
a memória: a Carta surgiu como um compromisso público com os banqueiros e o
grande capital apavorados com a vitória de Lula nas eleições que se
aproximavam, em 2002. Era um atestado de rendição antecipada, que viria a
aprisionar os governos seguintes dentro dos limites aceitáveis ao
establishment.
É
verdade que, mesmo assim, o Brasil conheceu nas épocas de Lula e mesmo de Dilma
governos que jamais fizeram tanto pelo povo. Mas a capitulação cobrou a fatura
no impeachment de 2016.
Neste
intervalo, Palocci exibiu toda sua desenvoltura entre os tubarões da riqueza.
Era o interlocutor preferido do pessoal de dinheiro gordo. Nenhum banqueiro ou
grande empresário saia de semblante baixo de seu gabinete.
Destino
diferente tiveram gente como o humilde caseiro Francenildo Costa. Testemunha de
bacanais que Palocci promovia para agradar a si mesmo e a escória circulante em
Brasília, Francenildo foi alvejado com a quebra do seu sigilo bancário. Uma vez
provada a razão do caseiro, Palocci perdeu o posto, mas não a majestade e,
principalmente, a gratidão eterna dos espoliadores da riqueza nacional.
Foi
com base nisso que Palocci continuou recheando o próprio bolso. Seu patrimônio
não parou de crescer fora do governo sob a fachada de uma empresa de
consultoria. A falta de explicações sobre tamanho enriquecimento custou-lhe o
cargo de chefe da Casa Civil de Dilma.
Mas
Palocci nunca esteve nem aí. A esse respeito, é interessante procurar algum
discurso público ou manifestação sinceramente enfática do personagem no poder
em defesa dos interesses brasileiros ou do povo. Será tempo perdido.
Palocci
sempre preferiu ambientes refrigerados, a sombra dos bastidores e a luz
estroboscópica de festanças libidinosas – ante-sala de cofres muito bem
provisionados.
Para
quem conhece tudo isso, o depoimento de Palocci não traz nenhuma surpresa. A
mentira e as negociatas sempre foram sua especialidade. Se Joesley larápio diz
que é professor no ramo da roubalheira, Palocci se mostrou catedrático na
matéria. Seu único compromisso é com ele mesmo, com as verdinhas e com o
beneplácito dos poderosos e da grande mídia.
Esta
última, é claro, não está em nem um pouco interessada em ressaltar as
contradições flagrantes entre os dois depoimentos de Palocci.
Nós
estamos.
Vamos
a algumas.
Primeiro,
Palocci declarou que nunca ouvira falar no tal italiano que a Odebrecht
afirmava ser ele nas planilhas da empresa. Agora, afirma na cara dura que é ele
mesmo – só faltou dar o depoimento no idioma daquele país.
Conta
também que Lula e Emilio Odebrecht combinavam em detalhes o pagamento de
propinas. Mas o próprio Emílio negou peremptoriamente em seus depoimentos ter
discutido com Lula valores de bandalheiras ou coisa parecida.
Palocci
terminou seu depoimento inicial ameaçando incriminar gente graúda das finanças
nacionais com nomes, endereços e o que mais fosse. Tudo desapareceu da oitiva
de agora. Nesse meio-tempo, Palocci trocou de advogados, negociou sem parar com
procuradores e, com certeza, recebeu acenos bastante polpudos daqueles que
prometia denunciar.
A
prova decisiva de que se trata de uma armação muito bem calculada, como tudo o
que Palocci sempre fez, é justamente a falta de prova. Mais uma vez, o país
está diante de palavras, apenas palavras.
Enquanto
o país assiste estarrecido a malas de dinheiro sujo empanturrando um
apartamento de um cardeal do golpismo; a um “ladrão geral da república”
organizando de própria voz a compra do silêncio de criminosos e de juízes; a um
assessor graduado saltitando pelas ruas de São Paulo com uma valise
incriminadora; a um senador tucano rasgando o verbo literalmente em
monstruosidades comprovadas; enquanto acontece tudo isso, a boca de Palocci
vomita somente uma narrativa sem uma mísera prova material.
Talvez
por vergonha –mesmo os canalhas sempre guardam alguma dentro de si--, Palocci
deu o testemunho fantástico (a alusão ao programa não é casual) de costas para
o advogado de Lula.
Sua
fala escorreu com a frieza dos traidores contumazes, tal qual um Joaquim
Silvério dos Reis dos tempos atuais.
A
semelhança acaba aí. Também nesse caso, a história se repete como farsa.
O
traidor dos inconfidentes entregou fatos reais que mostraram o caminho para
enforcar Tiradentes.
Palocci
enredou-se numa trama de mentiras para salvar seu próprio pescoço.
Aceitou
o jogo sujo das delações orquestradas a um preço que em breve virá a público.
Eis
a verdade que nenhuma Globo vai contar.
Joaquim Xavier
http://www.contextolivre.com.br/2017/09/palocci-o-pulha-sempre-traiu.html
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