Foi
com enorme honra que recebi, em dezembro de 2002, o convite do Presidente Lula
para ser seu Ministro das Relações Exteriores. Diplomata de carreira, eu fora
chanceler de Itamar Franco e havia representado o Brasil,em diversos governos,
perante às Nações Unidas, em Nova Iorque, à Organização Mundial do Comércio e
outras organizações internacionais em Genebra. Quando recebi o convite, era
Embaixador do Brasil junto ao governo britânico.
A
opção do presidente recém-eleito por um funcionário de carreira já denotava sua
visão sobre como deveria ser conduzida a política externa em seu governo, já
que não faltavam, nos próprios quadros do Partido dos Trabalhadores, pessoas
com qualificações e com amplo conhecimento e experiência na realidade
internacional. Mais do que qualquer outra coisa – uma vez que jamais tivéramos
contato direto – , o Presidente Lula quis significar, com essa opção, que a
política externa do Brasil, sem deixar de ser sensível aos anseios populares
que o levaram ao poder, seria, sobretudo, uma política de Estado.
Desde
logo, percebi que havia grande sintonia em nossas visões. Ao falar à imprensa
no momento em que minha indicação foi anunciada, limitei-me praticamente a
dizer que a política externa seria levada adiante de forma “ativa e altiva”.
Foi esse sentimento, de profundo respeito pela dignidade do país, ao lado da
crença na capacidade do povo brasileiro de enfrentar desafios, que norteou
nossas posições e iniciativas no cenário internacional. A auto-estima
substituiu o inexplicável complexo de inferioridade, que, afora alguns momentos
excepcionais, costumava marcar a nossa atuação diplomática.
Durante
o governo Lula, o Brasil rejeitou acordos comerciais desvantajosos que se nos queriam
impor; trabalhou intensamente pela integração sul-americana; fortaleceu as
relações com os demais países da América Latina e Caribe; intensificou laços de
amizade com a África e os países árabes e rompeu novos horizontes na formação
de fóruns e blocos com as grandes nações emergentes. Sem hostilizar nossos
parceiros do mundo desenvolvido (ao contrário, criamos uma “parceria
estratégica” com a União Europeia e um “diálogo global”com os Estados Unidos),
trabalhamos em favor de um mundo mais multipolar, no qual os interesses do
Brasil e dos países em desenvolvimento como um todo pudessem ser afirmados e
respeitados.
Durante
as duas gestões do Presidente Lula, o Brasil liderou a criação de uma
organização política sul-americana (a Unasul) e esteve à frente da iniciativa
da CELAC – Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos. Pela primeira
vez em duzentos anos de vida independente foi possível criar órgãos que
representassem o conjunto da América do Sul, e da América Latina e Caribe, sem
qualquer tipo de tutela externa. O fórum IBAS (Índia, Brasil e África do
Sul)não somente abriu novos caminhos para a cooperação sul-sul como esteve na
raiz da criação do BRICS, que se constituiu em importante fator de equilíbrio
na ordem econômica internacional, até então dominada pelo G7 (grupo de
economias mais ricas). O Presidente Lula esteve à frente, também, de
importantes lutas para erradicar a fome e a pobreza no mundo e para facilitar o
acesso de populações pobres a tratamentos de saúde. Sua liderança na reforma
das regras do comércio e das finanças internacionais foi amplamente
reconhecida, o que se espelhou sobretudo no G20, o grupo das maiores economias,
que, para efeitos práticos, substituiu o G7 como principal foro internacional
em temas econômico-financeiros.
No
plano da paz e da segurança, o Brasil foi chamado a participar de esforços em
prol de uma solução pacífica no Oriente Médio, como ocorreu no caso da
Conferência de Annapolis, em relação ao conflito Israel-Palestina (o Brasil foi
um dos três únicos países em desenvolvimento não-predominantemente islâmicos a
participar do encontro). Juntamente com a Turquia, estivemos, em 2010, no
centro de uma importante iniciativa para solucionar o problema em torno do
programa nuclear iraniano, que viria servir de inspiração ao acordo
estabelecido entre as grandes potências e Teerã, em 2015.
Durante
os oito anos em que servi diretamente sob as ordens do presidente Lula, pude
testemunhar a admiração que ele inspirava nos estadistas das mais variadas
partes do mundo. Não seria exagero dizer que, durante esses anos, o Brasil era
um “farol” que apontava o caminho do desenvolvimento em direção a uma sociedade
mais justa e democrática em um mundo política e economicamente mais
equilibrado. Nesses anos, o respeito pelo Brasil atingiu níveis nunca antes
alcançados e a figura do nosso presidente era reverenciada por todos, ricos ou
pobres, poderosos ou fracos.
Em
vários momentos, principalmente nas longas viagens ao redor do mundo,
participei de conversas reservadas, em que temas de política internacional se
misturavam com os da situação interna no nosso país. Durante todos esses
momentos, jamais presenciei, da parte do Presidente Lula, gesto ou palavra que
não fosse indicativa de sua absoluta integridade moral e dedicação aos
objetivos maiores do povo brasileiro.
Recordo-me
de uma primeira viagem pelo interior do Nordeste, em que Lula fez questão de
mostrar aos seus ministros (a maioria dos quais oriundos de partes mais bem
aquinhoadas do país) a verdadeira realidade brasileira. Constatei, com misto de
surpresa e espanto,não só a afeição mas também a confiança que o povo pobre do
Brasil depositava no líder que acabara de assumir. Há poucas semanas,
acompanhei novamente Lula em um trecho de sua “caravana” àquela região e pude
constatar que a mesma relação de confiança se preservou. Melhor: foi reforçada
pelos avanços sociais que seu governo trouxe. É, pois, com grande tristeza, que
vejo as tentativas daqueles que sempre defenderam privilégios de classe e
atitudes de dependência em relação a potências estrangeiras de desconstruir a
imagem e a obra daquele que foi, sem dúvida, o maior líder popular que o Brasil
já teve.
Como
tantos brasileiros, confio que a justiça, afinal, prevalecerá e que Lula poderá
seguir conduzindo o Brasil no rumo de uma sociedade menos desigual e de uma
posição de respeito, independência e dignidade no plano internacional.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2017/09/lula-lider-do-povo-e-homem-de-estado.html
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