O
Congresso Nacional, depois de rejeitar a denúncia de corrupção contra o
presidente Michel Temer, trabalha agora para manter a base e conseguir aprovar
as reformas política e da Previdência, entre outros projetos de interesse das
bancadas empresariais e ruralistas. Parlamentares e cientistas políticos
avaliam a manutenção de Temer como parte de um projeto de poder impossível de
ser conduzido de maneira democrática e com respeito ao voto popular. O
planejamento em curso une parte do poder econômico e financeiro e suas
ramificações nos Poderes Executivo, Legislativo e no Judiciário.
Não
é razoável supor que um chefe de governo e uma grande bancada de parlamentares
fossem eleitos se prometessem, entre outras medidas: reduzir a participação da
Petrobras no pré-sal, congelar gasto sociais por 20 anos, mudar a base
curricular do ensino médio, legalizar toda terceirização irregular de mão de
obra, impor uma reforma que remete as relações de trabalho ao século 19,
reduzir as áreas de proteção florestal para beneficiar grandes proprietários de
terra, entre outras intenções que ainda estão por vir.
O
próprio PMDB de Michel Temer não teve coragem de apresentar sua plataforma
"Ponte para o Futuro" – que contém parte disso e de outros projetos
futuros – durante as eleições de 2014. Ao contrário, naquele 2014, Temer, ao
lado de legendas como PSD, Pros, PP, PR e PRB, entraram no barco da reeleição
de Dilma Rousseff com objetivo de tirar proveito do sucesso dos três governos
anteriores.
Na
convenção que há três anos ratificou a recandidatura Dilma, Michel Temer
discursou, afirmando que a eleição do ex-presidente Lula, em 2002, foi o
segundo grande momento da democracia brasileira, depois da Constituição de
1988. “A Carta foi um banho de democracia. E a eleição de Lula em 2002 foi um
segundo grande momento, ao começar a pôr em prática requisitos de cidadania
exigidos pela Constituição, como direito a alimentação, saúde e educação para
todos”, comparou, referindo-se aos programas sociais privilegiados pela gestão
petista a partir de 2003.
Leia
aqui reportagem sobre o evento, quando Temer assinalou ainda que, além de ter
retirado mais de 42 milhões de pessoas da situação de pobreza extrema e de a
chamada classe C ter aumentado de 37% para 55% da população, os quase 12 anos
de era Lula-Dilma também representaram o crescimento da classe B de 7,6% para
12,5%. “Governamos para todos os brasileiros”, disse, ao defender a presença de
seu partido na coligação.
O
esforço de Temer em jurar fidelidade àquele projeto de governo que seria o
vencedor nas urnas dali a alguns dias pode ser atestado também no vídeo abaixo,
em que o então vice leal discursa no Teatro da Universidade Católica (Tuca) de
São Paulo. No palco, Temer declara que a "reeleição não se destina apenas
a reeleger pessoas, mas a reeleger os planos" que deram certo nos mandatos
anteriores. "Quando verificamos o que Lula fez, primeiro, e o que a Dilma
vem fazendo, nós verificamos que nosso adversário diz: Bolsa Família, vamos
continuar; Minha Casa Minha Vida, vamos continuar; Pronatec, vamos continuar; o
Fies, vamos continuar; Brasil Carinhoso, vamos continuar... Ora, se até a
oposição nos aprova, para que mudar?".
O golpe
Para
derrubar o governo às custas do qual se elegeram, PMDB, PSD, Pros, PP, PR e PRB
se uniram ao PSDB e DEM para adotar o programa que havia sido derrotado nas
urnas. Destituir Dilma do cargo foi, portanto, o primeiro de uma sucessão de
golpes que ainda tem no roteiro: reforma da Previdência, reforma tributária sem
taxação dos mais ricos, transferir o poder de demarcação de terras indígenas do
Executivo para o Congresso, anular titulações e reconhecimentos de terras
quilombolas, debilitar as políticas públicas de combate ao trabalho escravo e
infantil, acelerar o desmonte de bancos e empresas públicas.
Além
dessas medidas, a base que dá sustentação ao golpe pretende ainda promover uma
reforma política praticamente sem discussão com a sociedade, dificultando uma
renovação da atual composição do Congresso. E, quem sabe, instituir uma mudança
no sistema de governo de modo a neutralizar poderes do futuro presidente por
meio de um regime parlamentarista. O objetivo: reduzir os poderes do presidente
que vier a ser eleito em 2018 e manter ou ampliar a influência do poder
econômico nas decisões do país – uma vez que o poder do dinheiro empresarial
responde pela eleição da maioria no Parlamento, o que faz do Legislativo um
poder descolado da realidade brasileira.
O
projeto intitulado “Ponte para o Futuro” foi apresentado pelo PMDB no final de
2015 incorporando propostas antigas do PSDB e DEM. E tem como características a
redução do Estado e a liberalização da economia. É parte ainda das estratégias
o estabelecimento de uma agenda de "cronograma para avaliação das
políticas públicas vigentes" (o que levou a alterações como a
desconstrução do programa Bolsa Família, entre outros programas de inclusão
social).
Outro
trecho do programa destaca a execução de uma política de desenvolvimento
centrada no capital privado, por meio de transferências de ativos, concessões
amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura e retorno ao regime
anterior de concessões na área de petróleo. E para quem esperava que as
mudanças seriam construídas de forma lenta e gradual, ou que teriam tempo de
ser construídas até 2018, está aí o ritmo como que governo Temer e Congresso
respondem.
Para
o cientista político Alexandre Ramalho, esse ritmo de mudança revela a sintonia
da agenda com os interesses e a pressa de grupos formados por representantes do
empresariado e do agronegócio. "Esse grupo barganhou várias vantagens nas
últimas reuniões com o Palácio do Planalto e se assume como tropa de choque dos
desejos do mercado financeiro. Revela, mais ainda, que os interesses elencados
no programa do PMDB lá atrás estão sendo todos cumpridos e a oposição precisa
ficar atenta", afirma Ramalho.
O
senador Roberto Requião (PMDB-PR), voz dissonante de seu partido, diz acreditar
que "está nítido esse projeto de poder que representa um desmonte completo
do que foi construído nos últimos anos". Requião foi um opositor ferrenho
da proposta que mudou as regras dos royalties do pré-sal. Autor de um texto
substitutivo que tentou mitigar as ameaças representadas pela proposta, o
senador aponta interesses geopolíticas internacionais para a baixa no preço do
barril de petróleo e considera que a mudança das regras parte de um plano
entreguista das reservas nacionais ao mercado internacional.
"Um
exemplo claro do que está acontecendo é o retorno do país para o mapa da fome.
O governo que aí está só assumiu porque uma camarilha resolveu tomar o Palácio
do Planalto a qualquer custo com um propósito específico, o de desconstruir o
Brasil. Estamos sendo vistos mundo afora como um país que vive um retrocesso.
Só no momento em que o povo brasileiro reagir, e está demorando para reagir,
vamos conseguir colocar tudo nos trilhos outra vez", destaca o deputado
Wadih Damous (PT-RJ).
Damous
chama a atenção para as caravanas que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
vai iniciar ainda neste mês. A seu ver, a expectativa é que as caravanas sirvam
de exemplo para que as pessoas também se mobilizem contra as medidas amargas em
implantação.
Ameaças
diversas
Da
mesma forma, economistas alertaram sobre a emenda que estabeleceu um teto para
os gastos públicos. Aprovada para limitar durante 20 anos o ritmo de
crescimento das despesas da União à taxa de inflação medida pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a emenda constitucional que
resultou da matéria ainda não teve os efeitos desejados. E o governo estima
terminar o ano com déficit de R$ 129 bilhões.
Em
estudo intitulado “Austeridade e Retrocesso”, divulgado no ano passado,
economistas de instituições diversas analisaram a medida como ineficaz para a
retomada do crescimento, pelo fato de reduzir os investimentos estatais e a
renda do trabalho em um momento de crise.
“O
congelamento (dos gastos) não ajusta a questão fiscal do Brasil, não traz o
crescimento econômico e, no fundo, traz outro projeto de país que não é o que
está colocado na Constituição de 1988”, avaliou o economista e professor da
Unicamp Pedro Linhares Rossi, para quem a medida não servirá para equilibrar as
contas do Estado brasileiro, conforme foi alegado durante sua tramitação no
Congresso.
Em
relação à reforma do ensino médio, também bastante criticada por abrir espaço
para o ensino privado no país, as distorções observadas foram gritantes,
conforme análise do coordenador-geral da campanha pelo Direito à Educação,
Daniel Cara.
“A
reforma divide os estudantes entre aqueles que vão ter acesso a um ensino
propedêutico daqui por diante e aqueles que vão ter acesso a um ensino técnico
de baixa qualidade. A inclusão do ensino profissionalizante, dentre as
trajetórias possíveis para os estudantes no novo ensino médio, vai empurrar os
jovens com menor renda para carreiras no subemprego, enquanto os mais ricos
poderão focar os estudos nas carreiras que desejam. É um retorno piorado ao que
aconteceu na década de 90”, disse ele
São
posições de cuidado e atenção que convergem para um mesmo tema: as mudanças
impostas desde a saída da presidenta Dilma Rousseff do governo. Outras
iniciativas também consideradas preocupantes por parte de políticos e
economistas são a perda de direitos conquistados pelos trabalhadores com a
aprovação da reforma trabalhista e a negociação, nas últimas semanas, de
medidas que agradam diretamente à bancada do agronegócio.
Reclamação
do general
Um
dos descontentamentos com o que tem sido feito pelo governo Temer foi
transmitido pelo comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas
Bôas. O militar afirmou, em evento recente, que o potencial de riquezas da
Amazônia é estimado em US$ 23 trilhões e, por este motivo, é contrário à venda
de terras a estrangeiros, além de ver com preocupação a exploração de minérios
na região.
“Se
fôssemos um país pequeno, poderíamos nos agregar a um projeto de
desenvolvimento de um outro país, como ocorre com muitos. Mas o Brasil não pode
fazer isso, não temos outra alternativa a não ser sermos uma potência”,
destacou o general, posicionando-se contrário às propostas em curso em relação
à região.
“O
desmonte do Estado pode ser constatado pela compra de votos que foi observada
com o objetivo de livrar o presidente da denúncia contra ele e pelas
negociações espúrias para a votação de todas estas matérias. Exemplo disso é o
fato de que, no último ano, mais de um milhão de estudantes universitários
deixaram a faculdade. São outras prioridades que estão em jogo. O atual
Executivo não se importa com questões como a crise do corte de verbas para as
universidades públicas. O que se vê é um pensamento remonta aos tempos do
Império”, afirmou a presidenta do PT, senadora Gleisi Hoffman (PR).
O
líder do PT na Câmara, deputado Carlos Zarattini (SP), acha que, apesar desse
projeto de poder, o governo vai ter dificuldades de cumprir com o prometido
durante as negociações para blindar o presidente. E como muita coisa pode não
ser acatada, ao passo que vários parlamentares aguardam tratamento diferenciado
nos favores a serem recebidos pelo Planalto, problemas na base devem aparecer.
Zarattini
reiterou, entretanto, a necessidade de luta por parte da oposição, para que
sejam evitadas perdas ainda maiores. Motivo pelo qual os oposicionistas
intensificam pedidos para que todos os setores tenham mais atenção com as
propostas apresentadas e para que os movimentos sociais vão às ruas. Até porque
a agenda das matérias emblemáticas que compõem o projeto de poder divulgado no
ano passado está em andamento.
http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2017/08/por-tras-do-golpe-um-roteiro-acelerado-de-destruicao-do-estado-nacional
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