João Vitor Santos – IHU
On-Line
Os
povos indígenas e quilombolas comemoraram a decisão do Supremo Tribunal Federal
– STF, que, na semana passada, rejeitou as duas ações do governo de Mato Grosso
que exigiam indenizações da União por ela ter supostamente demarcado o Parque
Indígena do Xingu e áreas dos índios Pareci e Nambikwara sobre áreas devolutas
estaduais. Essa decisão também é comemorada porque freia a tese do chamado
Marco Temporal, defendida por alguns ministros e juízes de instâncias
inferiores. Segundo a tese, só pode ser considerada Terra Indígena a área
ocupada pelos índios em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da
Constituição. O marco não leva em conta expulsões sofridas pelas comunidades
indígenas e dificulta as demarcações. “Fazia muito tempo que os povos indígenas
não tinham do Judiciário, ou não ouviam da boca dos ministros, ‘palavras
doces’”, brinca o advogado e indígena Luiz Henrique Eloy.
Eloy
conversou com a IHU On-Line por telefone e comentou a decisão, tida por muitos
como histórica. Aliás, histórica, mas não definitiva. “Não é uma derrota do
Marco Temporal, mas uma vitória importante diante da mobilização que os povos
indígenas fizeram em torno do próprio STF”, avalia. “O Judiciário deu uma
sinalização muito clara aos ruralistas de que ali não vai, pelo menos nesse
contexto, ter como a tese do Marco criar raiz. Acredito que, a partir dessa
decisão, os ruralistas vão se rearticular e procurar novos caminhos”, completa.
Ao
longo da entrevista, o advogado revela que esse é o período mais sombrio da
relação dos poderes constitucionais. Diante de um Executivo que, há anos,
coloca em primeiro plano o desenvolvimentismo em detrimento da preservação de
modos de vida originais, e de um Legislativo entregue a representantes do
agronegócio, Eloy diz que também é preciso não se iludir com essa decisão do
STF. “Embora tenha dado essa sinalização, ainda há muito a ser feito. Nosso
Judiciário é muito conservador e, na maioria das vezes, contrário aos povos
indígenas”, pontua. E dispara: “até o próprio Ministério Público Federal, que é
um órgão que tem por missão defender os povos indígenas, tem diferentes
atuações e relacionamentos com os povos em diferentes campos do país, a
depender da pessoa que está ali à frente”. Para ele, isso tudo é fruto de uma
“sociedade extremamente racista”. “Podemos observar, a partir de comentários
nas redes sociais e nas notícias, como as pessoas, sem nunca terem pisado numa
aldeia, nunca terem conhecido a cultura indígena, se colocam contra esses
direitos culturais”, lamenta.
Luiz
Henrique Eloy é advogado indígena, pertencente ao Povo Terena. Atualmente é
assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib.
Confira a
entrevista.
IHU On-Line – Como
avalia o resultado da sessão do Supremo Tribunal Federal – STF, em que, por
oito votos a zero, ministros rejeitam ação do governo de Mato Grosso que negava
ocupação de terras indígenas e pedia indenizações?
Luiz
Henrique Eloy – A avaliação, num contexto geral e por conta da articulação dos
povos indígenas, é positiva. Quando foi marcada essa sessão extraordinária,
foram incluídas na pauta de julgamentos três ações: duas referentes ao estado
de Mato Grosso e uma referente ao estado do Rio Grande do Sul, envolvendo os
Kaingang. Havia, da nossa parte, uma expectativa maior quanto à ação do Rio
Grande do Sul, porque ali, de fato, iria se enfrentar uma discussão aprofundada
sobre a tese do Marco Temporal. Diante disso, lançamos, há cerca de 20 dias,
uma campanha chamada “Nossa história não começa em 1988”, e começamos, em todo
Brasil, mobilizações contra o Marco Temporal, evolvendo entidades indigenistas,
o Movimento Quilombola, fazendo esse debate inclusive nas faculdades de Direito
em diversos lugares do país. Também visitamos o gabinete de todos os ministros,
levando nossa preocupação quanto ao Marco Temporal.
Essa
ação do Rio Grande do Sul acabou sendo retirada de pauta e, de fato, o STF não
enfrentou com profundidade essa tese do Marco Temporal. Mas acabou julgando
duas ações referentes ao estado de Mato Grosso. Esse julgamento, de forma
concreta, foi uma decisão favorável aos índios da terra indígena do Parque do
Xingu. Com relação à repercussão nacional, nós podemos tirar algumas questões
importantes.
Votos dos ministros
Os
ministros trouxeram em seus votos elementos que, de certa forma, sinalizam para
a não aplicação do Marco Temporal e enfraquecem, pelo menos neste momento, essa
tese. Cada ministro trouxe um aspecto importante. O próprio ministro relator,
Marco Aurélio Mello, o primeiro a votar, resgatou outros marcos legais, porque
as pessoas falam apenas da Constituição de 88. Ele acabou trazendo e
reafirmando o que nós chamamos de teoria do indigenato, que é o reconhecimento
desse direito originário. Citou cartas régias do período colonial, trouxe um
alvará régio de 1608, dados positivos das Constituições de 1891, de 1934 e
disse que em toda essa evolução legislativa a intuição sempre foi proteger
esses territórios tranquilamente ocupados pelos povos indígenas.
O
ministro Alexandre de Moraes, que a gente nem esperava que iria votar daquela
forma, também afirmou que os argumentos do estado de Mato Grosso não deveriam
ser procedentes porque terras indígenas não podem ser consideradas terras
devolutas. Quis dizer que essa terra, em que se discute se é ou não dos índios,
na verdade sempre foi dos índios, já que sempre estiveram ali. Havia o argumento
de que ali não tinha ninguém e que por isso a terra poderia ser considerada
terra devoluta. Mas a tese acabou sendo afastada por ele.
O
ministro Edson Fachin trouxe algo que defendemos muito nos processos: a
diferenciação entre posse indígena e a posse regulada pelo Direito Civil. Ou
seja, essa posse que o índio tem, e é protegida pela Constituição Federal, não
pode ser vista como a mesma posse regulada pelo Direito Civil, que é a posse
que o particular tem com sua propriedade. Assim, o relacionamento com a terra é
posto de uma forma totalmente diferente, olhado por outro viés.
E
há muitas outras questões importantes. O ministro Luís Roberto Barroso, por
exemplo, falou muito claramente que as condicionantes da Reserva Raposa Serra
do Solnão são vinculantes. Isso foi uma coisa que também nos contemplou em
relação à Advocacia Geral da União – AGU, que foi quem fez a sustentação oral
em defesa do processo de demarcação. A fala da AGU pode ser dividida em dois
momentos: o primeiro, em que faz uma defesa extremamente boa, do ponto de vista
técnico, defendendo a legalidade dos processos demarcatórios, que asseguram as
terras como direito originário dos índios. Entretanto, num segundo momento,
fecha a sustentação informando aos ministros da corte que tomou a iniciativa de
baixar um parecer vinculante. Assim, a AGU se curvou diante da jurisprudência
daquela corte. Mas, depois, o ministro vem e fala que não, que na verdade não
foi isso que o Supremo decidiu. Decidiu que as condicionantes se aplicam apenas
no caso da Reserva Raposa Serra do Sol. Isso para nós foi importantíssimo.
Recado
aos ruralistas
Outra
questão que ficou muito clara para nós foi o voto do ministro Ricardo
Lewandowski, em que ele dá um recado claro aos ruralistas e aos próprios
integrantes da CPI da Funai/Incra, afirmando que Antropologia é ciência, e não
apenas literatura. Ele afirma também que o conteúdo do laudo antropológico é
mérito administrativo. Isso, no Direito, tem uma repercussão muito forte,
porque em todo ato administrativo, quando passível de controle judicial, o
Judiciário pode analisar a forma, a procedência, o objeto, mas jamais pode
entrar no mérito administrativo. Mérito administrativo compete única e
exclusivamente ao Executivo. Nesse sentido, dá um recado muito claro de que o
Poder Judiciário não pode entrar nessa questão, até porque não tem capacidade
técnica, como operador do Direito, para discutir méritos com critérios
antropológicos, porque é uma outra ciência. Isso é muito importante para nós.
Decisão
positiva, mas não definitiva
Do
ponto de vista geral, foi uma decisão positiva, com muitas lideranças
comemorando, embora não seja uma decisão definitiva. Não é uma derrota do Marco
Temporal, mas uma vitória importante diante da mobilização que os povos
indígenas fizeram em torno do próprio STF. O Judiciário deu uma sinalização
muito clara aos ruralistas de que ali não vai, pelo menos nesse contexto, ter
como a tese do Marco criar raiz. Acredito que, a partir dessa decisão, os
ruralistas vão se rearticular e procurar novos caminhos. Isso porque eles
tentaram defender o Marco Temporal pela via Legislativa, mas como a PEC 215 não
passou e outras coisas não passaram, então miraram o Judiciário. Só que agora o
Judiciário deu essa decisão, que é bem importante para nós.
IHU On-Line – De que
modo essa decisão pode servir de base para outras decisões em relação à
demarcação de terras indígenas?
Luiz
Henrique Eloy – Nós, enquanto defensores dos povos originais, vamos explorar
muito as falas dos ministros. Acho, inclusive, que essa decisão vai repercutir
em outros processos que a gente acompanha na primeira instância. Sabemos que
principalmente em Mato Grosso do Sul, que é o estado onde atuo como advogado,
temos vários processos tramitando em que os juízes já estão aplicando o Marco
Temporal. Essa sinalização que o STF deu, que enfraquece esse argumento, com
certeza vai nos permitir fazer uso de forma que reverbere e repercuta também
nas outras instâncias do Judiciário.
IHU On-Line – A decisão
do STF pode impactar no processo movido por fazendeiros contra o território
indígena de Raposa Serra do Sol, em Roraima?
Luíz
Henrique Eloy – O caso de Raposa é algo já resolvido, transitado em julgado.
Não vejo, pelo menos na via judicial, de que forma essa decisão de ontem possa
impactar. É um processo em que o STF já decidiu, inclusive todos os recursos
que foram interpostos já foram julgados. Assim, não vejo algum impacto direto.
Já temos a homologação, os índios já tomaram posse, está tudo resolvido.
IHU On-Line – E toda
essa questão da Reserva Raposa Serra do Sol pode ter contribuído para essa
última decisão do STF?
Luiz
Henrique Eloy – De alguma forma, sim, pois quando o STF analisou o caso de
Raposa Serra do Sol, não só os índios dessa reserva se mobilizaram, mas todo o
Brasil se mobilizou porque tinha esse entendimento de que seria um caso
paradigmático – e foi. E esse episódio também trouxe para o debate mais uma vez
o direito dos povos indígenas. Isso tem um impacto também nas decisões do Poder
Judiciário.
IHU On-Line – Quais são
hoje as principais questões jurídicas envolvidas nos processos de demarcação de
terras indígenas?
Luiz
Henrique Eloy – A partir desse momento, nós estamos exigindo a revogação
imediata desse parecer da AGU, porque ele continua vigente. Já estamos,
inclusive, solicitando audiência com a advogada-geral da União [Grace Maria
Fernandes Mendonça]. Vamos fazer também uma representação. O que nós defendemos
é: o STFdeixou claro que essas condições da Reserva Raposa Serra do Sol não são
vinculantes [não pode ser aplicado a outros casos]. Por que a AGU quer fazer
uma má interpretação da decisão do STF, tornando isso vinculante a todas as
terras indígenas? A partir desse momento, nós vamos focar na revogação ou na
suspensão desse parecer da AGU. É um parecer inconstitucional e fere o direito
de várias comunidades indígenas do país.
IHU On-Line – E a partir
de agora, acredita em avanços no processo de demarcação de terras?
Luiz
Henrique Eloy – Na verdade, nessa conjuntura atual, não vemos nenhum tipo de
avanço nas demarcações, a não ser através da própria mobilização das
comunidades indígenas. Consideramos esse episódio do Marco Temporal uma
vitória, mas foi uma vitória nesse ponto específico. Fazia muito tempo que os
povos indígenas não tinham do Judiciário, ou não ouviam da boca dos ministros,
“palavras doces”. Por isso é que os índios estão comemorando, depois de tantas
violações. Mas não é o fim, temos que continuar pautando os processos de
demarcação. Isso não significa que imediatamente os processos vão andar, porque
nós sabemos que existe uma decisão política de governo, não só de Michel Temer,
mas do Poder Executivo como um todo, de não demarcar. É um governo extremamente
comprometido com os ruralistas.
IHU On-Line – Por que é
tão difícil fazer, não só o governo, mas as pessoas e a opinião pública
compreenderem a importância da demarcação de terras indígenas?
Luiz
Henrique Eloy – Primeiro, por conta da própria sociedade brasileira que não
sabe reconhecer a riqueza desses povos que ainda estão aqui presentes. Segundo,
porque nós ainda temos uma sociedade extremamente racista. Essa própria tese do
Marco Temporal vindo do Poder Judiciário é a concretização de uma posição
racista dos juízes, que adotam essas teses para negar direitos. E isso está
impresso na sociedade como um todo. Podemos observar, a partir de comentários
nas redes sociais e nas notícias, como as pessoas, sem nunca terem pisado numa
aldeia, nunca terem conhecido a cultura indígena, se colocam contra esses
direitos culturais. E são pessoas, na maioria das vezes, que não são
fazendeiros, não têm amigos ou relações com fazendeiros, não têm um hectare de
terra, mas são contra e alimentam essa falácia de que os índios são coisas do
passado.
Reconhecer
esses direitos requer também abrir mão de certos privilégios. É isso que
precisa na sociedade, não só em relação aos índios, mas também aos quilombolas
e todas as outras minorias que diariamente estão sendo discriminadas e tendo
negados os seus direitos. Isso tudo é parte de um conjunto que está estruturado
em toda a sociedade brasileira e que é possível se ver de forma mais concreta a
partir dos ruralistas, mas não só eles.
IHU On-Line – O dia da
decisão do STF também pode ser considerado um marco de resistência, por toda a
mobilização que foi feita pelos povos indígenas? Que aprendizado fica desse
episódio?
Luiz
Henrique Eloy – Os índios e suas lideranças têm dado verdadeiro exemplo de
participação política e democrática, na medida em que, todas as vezes que veem
seus direitos ameaçados, eles se mobilizam. Esse episódio recente congregou
várias lideranças de diversas pontas do Brasil que deixaram suas aldeias e
vieram para o STF dar o seu recado. Em diversas partes do Brasil também
ocorreram protestos nas escolas, fechamentos de estradas e outras formas de mobilização.
Os índios têm demonstrado para a sociedade brasileira que estão atentos com as
suas demandas e lutam pelos seus direitos. Nisso os índios têm muito a ensinar
para os brancos, pois quando esses brancos veem seus direitos sendo rifados
pelo Congresso Nacional não fazem nada, não se mobilizam, não se organizam.
IHU On-Line – Quais são
as áreas mais conflagradas em termos de dificuldades para demarcação de terras
no Brasil hoje?
Luiz
Henrique Eloy – São justamente as áreas de conflitos, Mato Grosso do Sul, Rio
Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina e uma parte do Nordeste, especialmente
no sul da Bahia. São nesses focos do Brasil que existe ainda um conflito muito
grande por terra e uma resistência também por parte do Estado em reconhecer os
territórios.
IHU On-Line – Como
avalia as ações do atual governo e dos governos Dilma e Lula no que diz
respeito à demarcação de terras e atenção a povos originais?
Luiz
Henrique Eloy – O governo de Michel Temer acabou de completar um ano e, sem
dúvida, foi um período de muitos retrocessos, atingindo não só povos indígenas,
mas vários setores da sociedade. Os índios já vinham denunciando esse
retrocesso já no governo Dilma, mas essa questão chegou ao extremo a partir do
momento em que Michel Temer entra no poder e adota uma série de ações que
afetam diretamente a vida das comunidades indígenas. O próprio enfraquecimento
da Fundação Nacional do Índio – Funai, que não vem de hoje, é um desses fatores
de enfraquecimento. Vínhamos percebendo esse enfraquecimento nos últimos dez
anos, são questões políticas, orçamentárias, corte de pessoas, mas no governo
Michel Temer isso se concretiza de forma mais robusta. A partir do momento que
se tem a nomeação de um general como presidente da Funai, simbolicamente traz
um retrocesso histórico, porque o período de maior violação das comunidades
indígenas foi justamente aquele em que o governo estava submetido aos
militares.
Vemos
ainda como as comunidades indígenas perderam totalmente a autonomia de
participação nos debates sobre o tema das demarcações, tendo em todo o Brasil
cargos vinculados a essa área totalmente entregues a partidos políticos aliados
de Michel Temer. Como o governo faz isso e passa por cima das comunidades
indígenas? E há, ainda, a própria paralisação do Conselho Nacional de Política
Indigenista – CNPI, que sempre funcionou, mas com a entrada de Temer houve
paralisação total.
E
tudo isso sem falar na violência no campo. Parece que, com a escalada dos
representantes do agronegócio no poder, no Ministério da Justiça, na Funai e na
própria Polícia Federal, temos uma animosidade dos conflitos no campo, pois há
uma série de ataques não só aos índios, mas também aos quilombolas e ao
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST. Vemos nesses ataques um sinal de
que nada vai acontecer e uma espécie de sinal verde nas ações contra esses
povos tradicionais.
IHU On-Line – E como
pensar em resistências?
Luiz
Henrique Eloy – Os povos indígenas têm sido resistentes há muitos anos já. E há
uma deliberação do próprio movimento indígena: continuar fazendo com que suas
organizações e instituições mantenham o constante monitoramento e também com
incidência internacional. Temos feito denúncias em organismos internacionais
tendo em vista que o cenário interno está muito complicado.
IHU On-Line – No
Legislativo, é evidente o peso da bancada ruralista. No Executivo, a tese
desenvolvimentista vem há vários governos sendo defendida em detrimento dos
povos originais. A partir da decisão do STF, é possível afirmar que os povos
encontram finalmente um espaço para interlocução a partir do Judiciário?
Luiz
Henrique Eloy – Acredito que não, o Judiciário não é o caminho. Embora tenha
dado essa sinalização, ainda há muito a ser feito. Nosso Judiciário é muito
conservador e, na maioria das vezes, contrário aos povos indígenas. O que deve
ser mantido é a constante incidência no próprio poder Executivo, já que é ele
que tem a função e a missão de proteger e fazer respeitar essas comunidades.
Esse
controle judicial é importante, deve ser feito, mas entendemos que o Judiciário
não é o caminho. Pelo contrário, o Judiciário sofre de uma incompreensão com
relação a esses direitos, muito embora agora essa tenha sido uma decisão
importante. Mas, mesmo com essa decisão tão importante, não acreditamos que o Executivo
e o próprio Legislativo irão, a partir desse momento, de alguma forma
contemplar os povos indígenas. A situação é outra e acredito que eles irão se
rearticular para descobrir novas formas de atacar os direitos dos povos
indígenas. Assim como o movimento indígena irá se rearticular para fazer essa
nova forma de enfrentamento e um enfrentamento qualificado. Pode estar certo.
IHU On-Line – Bem, então
podemos concluir que nem Judiciário, nem Legislativo e Executivo compreendem os
povos indígenas. Existe alguém ou alguma entidade capaz de compreender o modo
de vida dos índios?
Luiz
Henrique Eloy – É muito difícil falar em instituições, porque as instituições
têm por trás delas seus agentes. Até o próprio Ministério Público Federal, que
é um órgão que tem por missão defender os povos indígenas, tem diferentes
atuações e relacionamentos com os povos em diferentes campos do país, a
depender da pessoa que está ali à frente do Ministério Público. Não deveria ser
assim, todos os agentes públicos deveriam estar aptos para se relacionar com
essa diversidade cultural que o Brasil tem.
IHU On-Line – A PEC 215,
proposta que retira do Executivo a exclusividade de demarcar terras indígenas e
leva essa atribuição para o Congresso,
ainda é hoje a principal luta dos povos indígenas do Brasil?
Luiz
Henrique Eloy – Sim, é uma das principais pautas do movimento indígena e só não
foi aprovada porque o movimento agiu através de uma constante mobilização. Não
foi aprovada não porque os fazendeiros não quiseram, mas porque eles não
conseguiram. Até por isso avaliamos que houve essa mudança de olhar, pois
quando não conseguiram fazer avançar essas questões pela via legislativa,
focaram no Judiciário. Mas, a partir desse recado que o Supremo deu, os
ruralistas podem eleger outras formas de agir e a PEC 215 é um desses caminhos.
A partir de agora, podem retomar com maior força essa discussão no Congresso.
IHU On-Line – Deseja
acrescentar algo?
Luiz
Henrique Eloy – Acho importante dar também enfoque ao trabalho dos
antropólogos. Essa CPI da Funai visava justamente atacar isso: o trabalho
antropológico que fundamenta os direitos das populações indígenas e
quilombolas. E o STF, também nessa decisão sobre o Marco Temporal, jogou luzes
sobre essa questão, destacando que não é possível tentar criminalizar ou de
algum modo deslegitimar esse trabalho como forma de negar direitos a essas
comunidades tradicionais.
http://racismoambiental.net.br/2017/08/23/racismo-contamina-os-poderes-constitucionais-e-invisibiliza-o-indio-entrevista-especial-com-luiz-henrique-eloy/
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