Em
um passado não tão distante, ainda marcado por uma profunda assimetria entre os
gêneros, os alimentos fixados normalmente em favor da ex mulher tinham o
objetivo de manter o padrão social . O
Código Civil Brasileiro, quando se refere aos alimentos entre cônjuges (artigo
1.694), ainda persiste em afirmar que essa verba deve ser fixada de modo a permitir
ao outro “viver de modo compatível com a sua condição social". Entretanto,
esse cenário mudou radicalmente e os alimentos deixaram de ser analisados sob a
ótica de assegurar à mulher o mesmo “conforto econômico” de que desfrutava
enquanto casada, mas , sim, sob uma perspectiva da inclusão da mulher no
mercado de trabalho , visando, ao final, colocá-la em posição de igualdade frente ao homem.
O
Superior Tribunal de Justiça do Brasil (STJ) decidiu recentemente, em mais um
recurso tendo por objeto demanda de exoneração de alimentos, que deve ser
extinta a “obrigação alimentar quando a alimentada for pessoa saudável, com
condições de exercer sua profissão e tiver recebido a pensão alimentícia por
tempo suficiente para que pudesse se restabelecer e seguir a vida sem o apoio
financeiro do ex-cônjuge”.
Essa
decisão resume a posição que tem prevalecido nos tribunais brasileiros, no
sentido de que “os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ser fixados por
prazo certo, suficiente para, levando-se em conta as condições próprias do
alimentado, permitir-lhe uma potencial inserção no mercado de trabalho em
igualdade de condições com o alimentante.
O
precedentes refletem a evolução da obrigação alimentar entre cônjuges, ao longo
dos últimos anos no Brasil, notadamente no que tange à substituição do binômio
tradicional necessidade/possibilidade pelo trinômio contemporâneo da
necessidade/possibilidade/razoabilidade, e que trouxe aos alimentos devidos
entre ex-cônjuges o conceito de excepcionalidade, que repudia a anacrônica presunção de que
aquele que recebe os alimentos possa permanecer inerte (quando tenha capacidade
laboral), deixando ao outro a perene obrigação de sustentá-lo. Em outras
palavras, não basta que o devedor tenha possibilidade de pagar e que o credor
tenha necessidade de receber os alimentos. É preciso investigar se o pagamento
de um cônjuge a outro, por longo tempo, é também razoável.
O
dever de assistência material entre os cônjuges, previsto no Código Civil e que
se converte em obrigação alimentar quando da dissolução do vínculo, não se
presta como supedâneo de “aposentadoria” ao cônjuge que se mantém omisso e que
não procura, por seu próprio esforço, obter os meios necessários à
sobrevivência. Admitir-se o contrário, seria premiar o enriquecimento sem
causa.
É
certo que o fundamento jurídico da obrigação alimentar não se esgota na
conjugalidade. Existe, ainda, o princípio da solidariedade, previsto na
Constituição do Brasil, a justificar a permanência do dever de mútua
assistência material mesmo após a dissolução do vínculo. Especialmente porque
aqueles que vivenciaram a conjugalidade nunca serão dois desconhecidos e não
podem se comportar como estranhos. Entre eles, com mais razão, é de se impingir
a concretização do princípio da solidariedade.
Porém,
não ao ponto de se manterem os deveres conjugais, especialmente o de
assistência material, de forma permanente, definitiva ou vitalícia, depois de
rompida a convivência, de modo a que um ex-cônjuge se torne eternamente devedor
do outro, pouco importando o tempo decorrido desde o divórcio. Mesmo porque, a
obrigação de sustento, decorrente do princípio da solidariedade, deve ser
direcionada preferencialmente aos parentes, especialmente aos filhos maiores e
capazes, quando os houver, e não ao
ex-cônjuge, em relação aos qual já foram rompidos (ou desgastados) os laços de
afetividade que poderiam justificar a continuidade da prestação de assistência
material.
A
jurisprudência consolidada no âmbito do STJ mostra-se, assim, consentânea com a
nova realidade de isonomia entre os parceiros conjugais e aponta para um norte
muito claro de extinção dos alimentos devidos entre ex-cônjuges, que só devem
ser fixados em situações muito excepcionais, quando um dos cônjuges encontra-se
impossibilitado de trabalhar e, simultaneamente, não possua outra fonte de
renda. Verificada tal situação, os alimentos podem ser expressamente fixados
com lastro na incapacidade
laboral permanente ou na
impossibilidade prática de inserção
no mercado de
trabalho. Repita-se que, mesmo nesses casos, a obrigação de sustento,
decorrente do princípio da solidariedade, deve ser direcionada
preferencialmente aos parentes, especialmente aos filhos maiores e capazes.
Entretanto,
não se pode negar que esse novo momento da jurisprudência brasileira tem
causado situações de perplexidade, como nos casos em que pessoas, há muitos
anos em situação de dependência dos alimentos, são surpreendidas com a cessação
do pagamento, sem qualquer período de transição. Nem mesmo a idade de quem
recebe os alimentos tem sido determinante para manutenção da obrigação
alimentar.
Em
um julgamento paradigmático, o STJ determinou a exoneração da obrigação
alimentar que perdurava por mais de 18 anos, cuja alimentanda contava com 60
anos quando do julgamento do recurso.
Em
outros casos, pessoas que se divorciam após décadas de convivência e estando,
por idêntico período, fora do mercado de trabalho, recebem alimentos transitórios,
limitados a períodos muito curtos, normalmente de um a dois anos, o que se
mostra absolutamente insuficiente para uma apropriada reinserção no mercado,
especialmente em um país com tamanhas distorções, como sói acontecer no Brasil.
Em
um outro caso, um juiz havia fixado pensão alimentícia para a ex mulher no
percentual de 10% sobre a remuneração do ex-marido, pelo período de três anos.
Decorrido menos de um ano e meio, o STJ modificou a decisão do juiz e decidiu
que a ex-mulher não deveria continuar a receber a verba alimentícia , por se
tratar de “pessoa aparentemente jovem, que não sofre de nenhum problema que a
incapacite para o trabalho”.
A
decisão é coerente com a opção que vem sendo trilhada pelas cortes brasileiras,
ao mesmo tempo em que reforça o receio de situações de injustiça, pois, nesse
caso concreto, o tempo de transitoriedade dos alimentos (pouco mais de um ano)
talvez não tenha sido suficiente o bastante para assegurar a tão sonhada
inserção da mulher no mercado de trabalho, em igualdade de condições com o
homem.
Mário
Luiz Delgado é advogado e professor titular da Faculdade Autônoma de Direito
(Fadisp) e de Direito Civil na Escola Paulista de Direito (EPD). Tem doutorado
em Direito Civil (USP), mestrado em Direito Civil Comparado (PUC-SP) e
especialização em Direito Processual Civil (UFPE). É também presidente da
Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFam), diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), membro da
Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) e do Instituto de Direito Comparado
Luso Brasileiro (IDCLB).
Revista
Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-jul-26/mario-delgado-pensao-alimenticia-entre-conjuges-extincao
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