O
ódio ao Lula vai além do Lula. É muito anterior.
O
ódio ao Lula é um ódio aos ancestrais. Ódio aos avós e bisavós que vieram
fugidos de misérias e fome. Vieram na desesperança de Europas e Ásias, fugidos
da marginalidade, de uma realidade que hoje os netos idealizam em castelos e
nobrezas, reis e rainhas. Imaginam-se valetes ou bobos da corte. Menestréis ou
saltimbancos mambembes. Aristocratas de uma Europa que na Europa deixou de
existir.
O
ódio ao Lula é ódio à própria opção pela servidão da que antepassados fugiram
em busca de melhor sorte e dignidade.
Dessa
dignidade é a ode ao Lula. Ode à esperança de um mundo novo que resiste desde o
século passado, retrasado. Ode à ausência de medo por bruxas e dragões. Ode à
esperança na oportunidade, na igualdade de condições. Às conquistas pelo
esforço de cada um, de quem está e quem chega. De todos os que chegam vindos
pelo aumento da produção, do implemento de indústrias retomadas do nada,
recursos onde era negação e risco. Ode ao desenvolvimento que ainda hoje ecoa
por todo o mundo, por toda a nação que foi primeira da América Latina entre a
economia internacional.
O
ódio ao Lula é antigo. Vêm do tempo das senzalas. Dos Negreiros a trazer
mistérios em culturas e deuses de vingança em macumbas e quimbandas pelo látego
e o pelouro. Sangue e suor. Gente de lágrimas e carnes vivas. Carnes e
provocações, tentações em peitos, bundas e coxas. Carnes de estupros. Vergonha
de inércia, lassidão e preguiça branca. Ódio à tristeza por si, à melancolia
branca realçada na alegria do batuque, da dança, da festa a sobrepor a
crueldade questionando falsa civilização e devoção em crença cristã. A dúvida
dos infernos na incerteza da reza por perdão de atrocidades de senhores nos
eitos e maldades de sinhazinhas na casa grande a brincar de fadas em paraísos
do Senhor sem aceitar igualdades perante o Senhor. Arrependimentos por excessos
aos quais sempre querem retrocesso.
Também
aí a ode ao Lula pelo filho na escola se fazendo doutor. À igualdade de acesso
à luz, teto e moradia. À água e alimento, médicos e saúde, oportunidade a
talentos e vocações de cada um. Aos versos do poeta, às prosas do escritor. Às
descobertas em laboratórios, às universidades e todas as ciências e artes,
todas as técnicas profissionalizantes e à tecnologia. Acesso aos saberes e
experiências de todos os mestres, até mesmo os do exterior.
O
ódio ao Lula tem diversas faces, inclusive regionais. É o ódio à percepção da
dependência da espoliação nordestina para construção das maravilhas sulinas.
Ódio à mão de obra barata para subir chaminés e descer metrôs. Unir com pontes
e viadutos por mão e obra que o ódio separa em favelas e periferias. Prédios e
edifícios por mão e obra que o ódio relega ao abandono e amontoa em presídios.
Ódio às falas socadas, duras, sem o arrastar itálico, sem a verborragia de
neologismos, sem a elegância dos anglicanismos. Ódio contra a cultura por uma
cultura que se mente ter.
Mente-se
cultura de uma Europa que europeu não quer e busca no nordeste que aqui se
menoscaba numa coceira de vira-latas.
A
cultura de um nordeste pelo qual o turista entoa ode ao Lula admirando
transformação de cidades e transposição de águas dignificando sobrevivência no
sertão, resultando em redução de migração, da superpopulação e violência.
Reduzindo ocupação e destruição de meio ambiente. Ode ao Lula por empresários e
visitantes de toda parte. Ode às melhorias de infraestrutura, qualidade e
confiabilidade em prestação de serviços. Ode às melhores estradas e
logradouros, portos para se comerciar, produção para se negociar.
Mas
o ódio ao Lula é também o velho ódio de sempre. Aquele sempre ódio ao pobre e
ao que trabalha. É o ódio que aponta egoísmos e hipocrisia em falsas crenças,
falsas promessas, engodo pelo voto, pelo golpe. A realidade do que trabalha e
quem trabalha tem suor. E suor fede. A realidade de quem não tem trabalho e se
não há trabalho, tem fome. E fome fede. A realidade de quem se não trabalha é
por vício e se trabalha que use a entrada de serviço.
Se
não trabalha de nada serve e se trabalha reclama e requer direitos. Direitos ao
pobre dá ódio porque trabalho é exclusivo aos privilégios de patrão, não por
direitos e compensação. Todos os direitos ao patrão e ao trabalhador execução
da justiça dos donos da reforma trabalhista.
A
volta do trabalhar para não cantar a chibata do feitor, mantida na arrogância
dos cães de guarda dos privilégios do dono.
O
retorno do trabalhar para existir e continuar trabalhando.
Reivindicação
de direitos atrapalha o sono do dono e a quem não trabalha: eliminação.
Trabalhador com emprego é empregado sem direitos e em trabalhador sem emprego
se emprega bala, cela e polícia para virar notícia e parecer segurança.
Mas
a ode ao Lula é pelo direito humano a médicos, ensino e escola. É ode às
oportunidades e não à esmola. Ode ao poder de aquisição do mínimo para o viver
de todos e até, por que não, viagem de avião. Ode ao Lula é pelo direito a casa
e mobília, cerveja com amigos e churrasco em final de semana.
A
ode ao Lula é à indústria naval. Ao Pré Sal e a ferrovia. Ódio à autonomia
nacional, à estabilidade da moeda e do preço do litro de combustível. Diesel e
gasolina e cada um decidindo a própria sina.
A
ode ao Lula é pelo resgate da miséria e pobreza, pela redução do abismo social,
à ascensão de 40 milhões, à retirada do Mapa Mundial da Fome.
É
a ode ao pleno emprego e ao Brasil protagonizando no mundo preconizando
participação na superação da crise internacional.
Porém,
no fundo, o ódio ao Lula é também individual. É o ódio de cada um pela
decepcionante incompetência dos em quem se acreditou.
Não
é ódio por mortos e desaparecidos nem pelas tantas torturas, mas pela
inutilidade de tudo que se acreditou e não levou o Brasil a nada, além de
analfabetismo e violência, pobreza e doença. Levou o Brasil por tortuosos e
torturantes caminhos que não chegaram a lugar nenhum.
Tanta
imposição, tanta impostação e aos olhos do mundo apenas a decepção de mais uma
ditadura de República das Bananas.
O
ódio ao Lula é à própria inadvertência em eleger produto de mídia que só fez
média e de tão inútil se teve de tirar. O ódio ao Lula é à inapetência de
empoados que se elegeu só para servir de capacho e tirar sapato. Ódio ao Lula é
ao menoscabo aos aposentados xingados de vagabundos. Ao congelamento de
salários, à triplicação de dívida, à entrega do patrimônio público.
Ódio
ao Lula é por se ter elegido o que terminou em descrédito mundial e apagão. É o
escuro ódio ao próprio fracasso, à frustração por si mesmo.
Quem
nunca elegeu um governo ao qual possa entoar ode por algum feito, como poderá
entender multidão em ode ao Lula? Como pode entender a ode do mundo e do Brasil
de fundo? Como pode querer o Brasil que é, se não aceita o próprio ser querendo
ser o que nunca foi? Mentindo-se a própria realidade?
Ódio
ao Lula não é por seus feitos, mas ao nada feito antes de Lula. Ao nada a se
contar e cantar. Apenas silêncio e constrangimento por um Brasil falido com
vergonha perante o mundo.
Como
entender títulos e honrarias, respeito e admiração internacional ao que apenas
resta o negar? Como aceitar ode ao Lula quem não tem motivo para compor ode à
ninguém.
Ode
à quem? Por quê? Sobre o quê? O que há? Que houve para ode ao antes? Ao agora
que lateja o ódio ao Lula por tantas incertezas e nenhuma perspectiva.
Ódio
ao Lula se revela na ausência de argumento, no mero xingamento, na repetição de
pobres trocadilhos. E se desvela na irritação ao estribilho internacional
apontando o golpe. Se desvela na vergonha da vaia e no ridículo do afirmar que
pôs o Brasil nos trilhos quando tudo degrada, desaba, desmonta, decai. Tudo
descarrilha em carência, violência e encontros escusos, corrupções e despencar
de delações, perdoar de sonegações, descredito em previsões que se ajustam, apertam,
tiram e corrigem em bilhões.
Ódio
ao Lula é o ódio às próprias deficiências. É a transferência do ódio da própria
displicência desde a escola, no diploma comprado, da imerecida conquista pelo
“quem indicou?”, pela consciência da ausência de qualquer talento e
merecimento. Ódio ao Lula é ódio ao reconhecimento de glória roubada pelo feito
por outro, da omissão aos feitos de outros.
É
o jeitinho dado para se iludir com o próprio sem-jeito. É ódio à revelação da
própria incompetência.
Mas
não é ódio às fraudulentas falências financiadas pelos PRÓ ERerários públicos
desfalcados. Não é ódio às farsas de bolinhas de papel e boladas de negociatas.
Às evasões e inversões. Não é ódio aos superfaturamentos, aos flagrantes de
tráfico e extorsão, às toneladas de carreiras em helicópteros, às denúncias e
impunidades, à corrupção e homicídios. Não é ódio ao tanto do tudo que se
comprova e até mesmo se admite em própria voz de gravações imprevistas.
Ódio
ao Lula já nem mesmo é pelo Brasil não ser Europa ou porque para Europa, Brasil
nem ser mais América Latina, mas “de outro mundo” *.
Ódio
ao Lula e seus companheiros é pelo se ter de imputá-los sem haver provas. Por
se ter de condená-los inventando fantasiosas literaturas sem nenhum realismo. É
o fantástico da condenação ao que o juiz reconhece não ser real, não ter
ocorrido o crime acusado. É à premiação ao que juiz reconhece ser crime real e
efetuado, provado e comprovado, assumido e confessado.
O
ódio ao Lula é reincidente porque reincidente é o juiz, o crime, o criminoso e
a impunidade. O ódio ao Lula é a evidente e escancarada verdade que ecoa no
mundo e responde em ode mundial ao Lula.
É
o ódio por ter de estancar a sangria de tudo o que se comprova a cada prova do
que são os que o acusam e condenam Lula.
É
ódio enorme e infindo que vai muito além de Lula, muito depois de Lula. Ódio
que se levará ao túmulo porque em qualquer tempo futuro, onde for deste mundo
se contará a história de quando o Brasil foi deste mundo. E onde se contar a
história do Brasil deste mundo e do mundo futuro, se cantará ode ao Lula.
Ódio
ao Lula é à ode ao Lula que se entoará pelo mundo quanto maior o ódio ao Lula a
correr consciência de quem não tem memória de nada a contar daqueles que nem
mais lembram ter elegido, tentado eleger ou a se impor por golpe à vontade
democrática por golpe ao Estado de Direito.
E
quando lembram, preferem fingir haver esquecido.
Mas
o ódio ao Lula nunca será esquecido pelos que odeiam, pois que não há como se
esquecer de si mesmo. O ódio ao Lula nunca será esquecido por sempre se
repetirá à ode ao Lula.
Sobre
Lula nunca haverá silêncio, porque Lula é história. Daqui há 100, 200 anos,
Lula será história. Enquanto houver Brasil e história, se ouvirá uma ode ao
Lula. Talvez, então, os de daqui a um, dois séculos já consigam entender, não
possam compreender porque hoje o ódio ao Lula. Mas hoje aqui se evidencia na
ode o germe do ódio ao Lula.
Um
ódio de matar. Mas se esse ódio matasse o Lula, a ode viraria hino em todo o
mundo a ensurdecer o “outro mundo” *
* “Brasil é outro mundo”
- Herta Däubler-Gmelin, Ministra da Justiça da Alemanha em entrevista realizada
em julho de 2007 e traduzida para 30 idiomas.
Raul Longo
http://www.contextolivre.com.br/2017/08/o-odio-e-ode-ao-lula.html
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