Há
um consenso tanto no Direito quanto na Ciência Política que os impasses
profundos das sociedades modernas são resolvidos com a convocação pelo poder
político originário de uma Assembleia Constituinte. Na Constituição da
Venezuela há expressa previsão que permite ao presidente da República convocar,
via eleições, o poder constituinte. Então, não há que falar em fraude nem em
ilegitimidade do processo constituinte.
A
avaliação é do professor universitário, doutor em Direito Constitucional e
integrante do Conselho Nacional do Ministério Público entre 2009 e 2015, Luiz
Moreira, que foi um dos 47 observadores internacionais que acompanharam a eleição
constituinte realizada no dia 30 de julho, quando os venezuelanos foram às
urnas para escolher 545 membros de uma Assembléia Constituinte, que serão
encarregados de formular uma nova Constituição para o país.
Em
entrevista ao Sul21, o jurista fala sobre o que viu na Venezuela, aponta a
profunda divisão política no país e defende que a Constituinte pode ser uma
oportunidade para firmar um novo pacto político no país. Luiz Moreira, porém,
considera improvável que a oposição venezuelana, apoiada pelos Estados Unidos,
caminhe nesta direção.
“O
capital não se sujeita à democracia. É improvável que os interesses do capital,
dos quais a oposição venezuelana é portadora, se submetam a algum tipo de
Estado de bem estar social. A tática utilizada caminha para o confronto entre
perspectiva inconciliáveis: um tipo de constitucionalismo popular, cujo projeto
político dialoga permanentemente, através de eleições, etc., com a soberania
popular, e um outro, cujo submissão aos interesses das empresas petrolíferas é evidente”.
A
percepção sobre o que está acontecendo na Venezuela, acrescenta, “é
profundamente distorcida pela mídia internacional, alinhada à determinação do
governo do Estados Unidos de derrubar os governos populares na América Latina”.
Qual
sua avaliação, como observador internacional, do processo constituinte
realizado na Venezuela?
Há
duas perspectivas a tratar. Em primeiro lugar, do ponto de vista eleitoral,
trata-se de processo absolutamente consistente, inclusive muito mais moderno e
avançado em termos tecnológicos do que o brasileiro. Toda urna é dotada de uma
impressora, que fica no interior da urna eletrônica, que, após o voto do
eleitor, imprime-o, permitindo que o cidadão o confira e o deposite em urna de
papelão. Encerrada a votação, há auditoria, conferindo-se uma a cada sete
urnas. Assim, a urna eletrônica, a ser auditada, emite relatório que será
confrontado com os votos depositados na urna de papelão. Trata-se de sistema
muito sofisticado, que desenvolveu mecanismos de segurança ao longo das 21
(vinte e uma) eleições que ocorreram na Venezuela, desde 1999, mecanismos que
foram desenvolvidos para assegurar aos partidos políticos, em permanente
disputa, a lisura do processo eleitoral.
Em
segundo, do ponto de vista político, há uma profunda divisão no país. De um
lado, a posição defendida pelo governo Maduro, que obteve vitória maiúscula,
apesar do boicote da oposição ao processo constituinte, expressa com o voto de
mais de 8 milhões de votos, em universo de 19 milhões de eleitores. Ocorre que
o voto na Venezuela não é obrigatório e a atmosfera não era favorável ao
comparecimento dos cidadãos, pois havia e há todo um ambiente de confronto que
desestimulava o voto. De outro, a vitória da oposição nas eleições
parlamentares de 2015 suscitava a perspectiva de sua ascensão ao poder
Executivo. No entanto, sua vinculação à política de intervenção promovida pelos
Estados Unidos e seus protestos violentos geraram a percepção que o
desabastecimento da população é a forma política encontrada para desestabilizar
o governo Maduro. Essa escolha política da oposição acabou por fortalecer o
governo e parece ser a responsável pela legitimação da população ao processo
constituinte.
A
oposição ao governo de Nicolas Maduro contesta a legitimidade do processo constituinte.
Qual sua opinião sobre esse tema da legitimidade?
O
Poder Eleitoral da Venezuela, por intermédio do Conselho Nacional Eleitoral,
realizou 21 eleições nos últimos 18 anos, inclusive a eleição de 2015, que
resultou na maior derrota da situação desde a ascensão de Hugo Chavez. Então,
não há que falar em fraude nem em ilegitimidade do processo constituinte. Por
que? Porque é consenso tanto no direito quanto na ciência política que os
impasses profundos das sociedades modernas são resolvidos com a convocação,
pelo poder político originário, de uma Assembléia Constituinte. Na Constituição
da Venezuela há expressão previsão que permite ao Presidente da República
convocar, via eleições, o poder constituinte. Nesse caso, a reação é grotesca,
pois os críticos do processo pregam justamente a preservação da Constituição de
Hugo Chavez e o contorno à soberania popular.
Pelo
que testemunhou nestes dias em que passou na Venezuela como definiria a
situação vivida pelo país?
Tanto
a oposição, em 2015, quanto o governo Maduro, em 2017, entendem ser a
Constituinte a oportunidade de estabelecimento de novo consenso político.
Ocorre que as posições políticas parecem hoje ser irreconciliáveis. A imagem do
país, no entanto, é profundamente distorcida pela mídia internacional, alinhada
à determinação do governo do Estados Unidos de derrubar os governos populares
na América Latina. Por exemplo, foi amplamente divulgado no Brasil a situação
de caos e de violência existente na Venezuela, materializada com a morte, em
quatro meses, de cerca de 100 pessoas, dez somente nas vésperas das eleições
constituintes. Somente no Rio de Janeiro, no primeiro semestre deste ano,
morreram cerca de 5500 pessoas, quase 100 delas policiais assassinados. Então,
do que exatamente estamos tratando?
Você
acredita que a Constituinte pode ser uma solução para a crise política que a
Venezuela vive?
A
Constituinte é uma oportunidade para que seja estabelecido novo pacto político.
Também é a forma encontrada no Ocidente para fundar sistemas jurídicos legítimos.
No entanto, o capital não se sujeita à democracia. Desse modo, é improvável que
os interesses do capital, dos quais a oposição venezuelana é portadora, se
submetam a algum tipo de Estado de bem estar social. A tática utilizada caminha
para o confronto entre perspectiva inconciliáveis: um tipo de
constitucionalismo popular, cujo projeto político dialoga permanentemente,
através de eleições etc., com a soberania popular, e um outro, cujo submissão
aos interesses das empresas petrolíferas é evidente.
Como
observador, presenciou episódios de violência nestes dias em que passou na
Venezuela? Quais os principais protagonistas dos atos de violência?
Para
nós, brasileiros, os atos de violência existentes na Venezuela não assustam nem
impressionam. Entretanto, essa atmosfera de desestabilização social lá
existente situa-se no mesmo movimento de contestação às políticas de inclusão
do povo pobre da América Latina. Diferentemente do que ocorre no Brasil, porém,
a esquerda venezuelana não tem nenhum fetiche com o sistema de justiça nem com
a toga. É por essa razão que a Constituição de Chavez, a mesma que os
detratores da soberania popular venezuelana agora buscam conservar, criou o
Poder Eleitoral, situando-o com poder autônomo, independente do Judiciário.
Quantos
observadores internacionais (e de quantos países) acompanharam a eleição no
último domingo?
Éramos
47 (quarenta e sete); do Brasil éramos quatro, os desembargadores Alice Birchal
(TJ MG), Rui Portanova (TJ RS), o juiz do Trabalho Jônatas Andrade (do Pará) e
eu. Havia observadores europeus, da Áustria, da França, da Itália e da França,
e de todo o continente americano.
Qual
sua avaliação sobre a suspensão da Venezuela do Mercosul? A clausula
democrática, utilizada para aplicar essa suspensão, justifica-se neste caso?
O
ato de suspensão da Venezuela do Mercosul, sob o fundamento de violação à
cláusula democrática, não tem qualquer fundamento jurídico. A democracia no
Ocidente se funda na soberania popular. Esse ato de violência se alinha às
pretensões estadunidenses de interferir nos países da América Latina e os
subordinar aos seus interesses e aos da indústria do petróleo, que não
reconhecem que o povo venezuelano possa determinar seu destino.
https://altamiroborges.blogspot.com.br/2017/08/nao-houve-qualquer-fraude-na-venezuela.html
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