Bem,
aproveitando o embalo dos posts sobre Requião, segue um outro discurso
brilhante do senador, feito há alguns dias, denunciando o estado de exceção
judicial, comparando-a à Inquisição, que matou e torturou milhares de pessoas
com base em pensamentos que vemos se repetir hoje no Brasil.
Requião
cita artigos e entrevistas de Rogério Dultra, nosso colunista aqui do
Cafezinho, que denunciam as “teorias” que Deltan Dallagnol, procurador chefe da
Lava Jato, depois de aprendê-las num cursinho que fez nos Estados Unidos, tenta
aplicar no Brasil para condenar Lula.
Gostaríamos
que Luis Roberto Barroso, que chamamos aqui “príncipe do estado de exceção”,
comentasse essas coisas.
Texto
do Discurso:
Leio,
com frequência, opiniões de juristas, jornalistas e curiosos sobre a importação
de teorias do Direito por parte de promotores e juízes para acusar e condenar
os envolvidos em denúncias de corrupção, principalmente.
No
caso do tal “mensalão”, o único “mensalão” que foi julgado, porque os outros,
os do PSDB e do DEM correm fatalmente para prescrição, por decurso de prazo ou
decurso de idade; no caso do “mensalão” do PT, dizia, importou-se a
esdruxularia da “teoria do fato”.
Importação,
diga-se, cuja aplicação ao caso nacional foi duramente criticada pelo próprio
criador da tese, o jurista alemão Claus Roxin.
Nada
a ver, disse o teuto.
E
daí? Quem estava se importando, notadamente na mídia, no Supremo, na OAB, no
Ministério Público ou no mercado financeiro com a legalidade da aplicação da
teoria?
Afinal
o objetivo comum era o de esmagar a cabeça da hidra. Para isso, valia tudo.
Agora,
na Lava Jato, os promotores e os juízes que viajam com uma frequência
inquietante aos Estados Unidos, trouxeram de lá a tal da “teoria da abdução das
provas”, para supervalorizar as chamadas as “provas indiciárias”.
Segundo
o doutor em Ciência Política e mestre em Direito Rogério Dultra, da
Universidade Federal Fluminense, a Lava Jato importou a dita tese do professor
de Direto de Harvard Scot Brewer, que orientou o mestrado de Deltan Dallagnol
na universidade norte-americana.
Dultra
explica que a “teoria da abdução das provas” é na verdade do filósofo
norte-americano Charles Sanders Peirce, tido como o pensador que estabeleceu as
bases da semiótica, ainda no século XIX.
Mas,
o que seria a “teoria da abdução das provas”?
Seria
o primeiro momento de um processo de inferência, isto é, de indução ou dedução,
que permite, por exemplo, com bases em amostras estatísticas, efetuar
generalizações. Enfim, com tal teoria, formula-se uma hipótese geral para
explicar determinados fatos empíricos.
Dultra
acusa tanto o orientador havardiano como o seu aluno brasileiro de distorcer a
teoria de Peirce, como o fez Joaquim Barbosa com a teoria de Claus Roxin.
Enfim, mais uma vez o tal do “jeitinho” pátrio para ajustar o círculo ao
quadrado.
No
entanto, estabeleço aqui uma divergência com o professor da Universidade
Federal Fluminense e com outros que buscam em Peirce, Roxin et allia
inspirações para os nossos criativos promotores e juízes.
Na
verdade, promotores e juízes iluminam-se nas orientações de um livro editado em
1484, na Alemanha, ou na região que viria a ser depois a Alemanha, com a
unificação dos principados teutos por Bismarck, no século XIX.
Antes
de declinar o nome do livro, para não suscitar resmungos precipitados de alguns
colegas, vou buscar no documento medieval algumas orientações. Orientações,
sugestões, exemplos e decisões que servem de manancial, de matriz para a Lava
Jato.
Quanto
às testemunhas.
Diz
o livro que o juiz não deve levar em consideração quando as testemunhas
divergem em seus relatos, pois basta uma única convergência para considerar os
depoimentos verdadeiros, idôneos.
E
quando as acusações das testemunhas são graves, é preciso apenas um mínimo de
evidência para que se considere o acusado culpado. Pouquíssimos argumentos, por
si só, já expõem o crime do indiciado, ensina o manual.
Quer
dizer: quanto mais testemunhas arroladas contra o suspeito, e quanto mais
graves as acusações, mesmo que não provadas, mais clara a culpa do denunciado.
Enfim,
apenas com base em testemunhos é lícito que se condene o réu.
Notórios
malfeitores e criminosos são aceitos como testemunhas.
As
evidências, colhidas nas oitivas das testemunhas, só podem ser usadas pela
promotoria, nunca pela defesa, pois as evidências têm mais valia em provar uma
acusação do que em refutá-la.
Os
indícios colhidos contra os acusados por depoimentos prestados por perjuros
devem ser considerados como válidos.
Os
perjuros, ressalva o manual, não falam por leviandade, nem por inimizade,
tampouco por suborno, e sim pelo mais puro zelo; assim, mesmo que tenham
mentido, que tenham falseado a verdade dos fatos, há de se considerar válido o
seu testemunho.
Tão
válido como o de uma pessoa honesta.
Afinal,
tamanho é o mal causado pelos réus, face as graves suspeitas que pesam sobre
eles, que qualquer criminoso poderá prestar depoimento contra os acusados; até
mesmo os servos contra os seus amos.
Em
algumas circunstâncias, prescreve o manual de 1484, a gravidade das acusações é
tal que a causa deve ser conduzida da maneira mais simples e mais sumária, sem
os argumentos e as contenções dos advogados de defesa.
Enfim,
a defesa é um atrapalho a ser ou contido ou mesmo eliminado.
Quando
o réu nega todas as acusações, o juiz deve levar em conta, para considera-lo
culpado, três condições: a má reputação do réu, tendo em vista as suspeitas que
pesam contra o ele; e evidência dos fatos, mesmo que não haja provas, e o
depoimento das testemunhas, ainda que perjuras.
Conforme
o manual que inspira os promotores e os juízes da Lava Jato, o simples boato da
má reputação do acusado já é suficiente para que o juiz o processe e condene-o.
Não
são necessários evidências, suposições e muito menos fatos. Boatos sobre a má
reputação do réu já bastam para se abrir o processo, julgar e condenar o
indigitado.
Boatos,
apenas boatos, ainda que maledicentes, são suficientes para se abrir um
processo.
O
livro, mesmo ressalvando que um dos doutores da Igreja, Bernardo de Claraval,
falava em fato evidente, para determinar a verdade das coisas, diz que basta a
evidência para provar uma acusação.
Assim,
o indivíduo indiciado pela evidência dos fatos ou pelo depoimento de
testemunhas, ainda que perjuras, registre-se, quer confesse o crime ou o negue
obstinadamente, será condenado.
E
já que a culpabilidade está, em um caso e noutro, pré-estabelecida, o livro
recomenda que o processo seja conduzido de forma abreviada e sumária.
Sem
delongas, sem concessão de tempo para a defesa.
Mais
ainda: recomenda expressamente o “confinamento do acusado na prisão por algum
tempo, ou por alguns anos, caso em, que, talvez, depois de padecer por um ano
das misérias do cárcere, venha a confessar os crimes cometidos”.
Sábios
juízes de 1484!
Sapientíssimos
juízes de 2017!
Os
autores do manual, Heinrich Kramer e James Sprenger, advertem ainda os
advogados dos acusados, recomendando moderação, pois do contrário poderão
também ser considerados suspeitos e processados.
Esta
é a recomendação: se o advogado defende uma pessoa já suspeita, torna-se a si
próprio um defensor do crime e lança sobre si mesmo não uma suspeita leve, mas
uma greve suspeita, e deverá abjurar publicamente o pecado cometido por
defender um criminoso.
Parece
que está aqui a origem de toda a má vontade dos senhores da Lava Jato para com
os advogados de defesa ou com os jornalistas que não fazem parte do clube
exclusivo dos vazadores de notícias.
A
reputação pública do acusado é outro fator que o juiz deve levar em conta, diz
o tratado medieval.
O
magistrado deve estar atento ao que a opinião pública pensa e manifesta sobre o
suspeito. Se que a opinião pública pensa não favorece a reputação o indivíduo,
ele pode ser considerado sob forte suspeita de crime.
A
difamação –seja o cidadão culpado ou não da maledicência- é outro critério para
se iniciar um processo.
Os
juízes devem partir da premissa que o difamado é, liminarmente, culpado pelo
que lhe imputam. Alguém assim classificado, deverá ser submetido a
interrogatório, à prisão por tempo indeterminado e à tortura, para que confesse
o crime.
No
entanto, o manual que até hoje orienta os nossos juízes e promotores, 533 anos
depois de sua primeira edição, pede prudência em relação às delações que,
adverte, não são suficientes em si para uma condenação, porque o demônio pode
tê-las inspirado.
Assim,
recomenda, as delações devem ser acompanhadas por outras condicionantes, como a
má reputação do acusado, o depoimento de testemunhas, ainda que perjuras, e
pela evidência dos fatos.
O
livro aconselha ainda que o juiz seja misericordioso. Não com o réu, mas
misericordioso para consigo mesmo e para com o Estado.
Consigo,
por ter que julgar tantos crimes e se expor a tantos malfeitores; para com o
Estado porque tudo o que é feito para a segurança do Estado é misericordioso.
Outra
questão que merece dos autores do manual longa consideração é a chamada
suspeita manifesta.
Dizem
eles, não basta o depoimento das testemunhas, não bastam as evidências e nem
basta o fato do acusado já ter sido anteriormente condenado.
E
preciso também que haja suspeita manifesta ou grave suspeita de crime.
Kramer
e Sprenger socorrem-se aqui de São Gerônimo, o cenobita e Doutor da Igreja,
para quem a esposa poderá obter o divórcio se houver forte suspeita de que o
seu marido esteja traindo-a. Logo, concluem: a grave suspeita é suficiente para
a condenação do suspeitoso.
E
há, como bem sabem e agem os juízes e promotores da Lava Jato, vários graus de
suspeita.
Há,
por exemplo, a suspeita provável. Quer dizer, é provável que fulano seja
suspeito de ter cometido algum crime. Mas essa suspeita é ainda considerada
leve e os que nela incorrem devem provar a inocência fazendo penitência,
redimindo-se da suposta falta.
Não
interessa que a suspeita seja infundada.
Mesmo
assim, caso os suspeitos não se submetam à purgação do hipotético crime, devem
ser condenados. De leve, a suspeita gradua-se à grave.
Os
autores, volta e meia, retornam à questão da má reputação do suspeito como
premissa para considera-lo suspeito.
E
dizem: ainda que nada for provado contra ele, o fato de ser objeto de difamação
pública é suficiente para a abertura de um processo. E, acautelam, a difamação
não deverá necessariamente provir de pessoas honestas e respeitáveis; o peso é
igual quando a calúnia advém de gente simples e comum ou de criminosos.
Quer
dizer, o simples fato de uma pessoa ser caluniada é suficiente para ela ser
processada. E mesmo que nada se prove, ela deverá ser condenada a atos de
penitência e de reparação. Caso a pessoa repudie a calúnia e não aceite a
purgação, porque é absolutamente inocente, sofrerá graves sanções.
A
retenção de acusados ou suspeitos ou difamados a longos períodos na prisão
deverá servir para que parentes, amigos e pessoas influentes convençam os
indigitados a confessarem seus crimes, prescreve o manual.
A
resistência à confissão será tomada como confissão de culpa; e, no caso de
relutância a confessar, recomendam-se a longa detenção e a tortura.
A
pessoa suspeita de um crime que, mesmo inocente, mas para se livrar da pressão
do juiz confessa o delito, deve ter cuidado para não ser considerada novamente
suspeita, já que a reincidência na suspeição leva à condenação.
Uma
vez suspeita, vá lá, mas duas vezes suspeita é criminosa na certa.
Muito
familiar, não é?
Ah,
sim. A suspeita manifesta ou grave suspeita não admite prova ou defesa. A pessoa
é condenada e pronto.
É
uma espécie de domínio do fato avant garde.
Um
dos capítulos finais do livro trata da pessoa que é apanhada, denunciada e
condenada.
Culpada
de crime pela evidência dos fatos e pelo depoimento de testemunhas, essas
pessoas, firme e constantemente tendem a negar a responsabilidade, ponderam os
autores. Então, insistem os autores, os juízes devem manter essas pessoas no
cárcere, pressionando-as, empenhando-se ao extremo para induzi-las à confissão.
Segundo
eles, o “remédio” é certo, pois não há quem resista ao isolamento, às ameaças,
aos apelos das famílias e ao exemplo de outros acusados que cederam e
confessaram.
Mas,
observam Kramer e Sprenger, caso o condenado seja executado e depois se
descobre que era inocente, ele deve ser imediata e solenemente absolvido.
Mas
só se for inocente, se o juiz acreditar que o morto tenha culpa, deve relutar
em absolve-lo
Por
fim, os autores tratam da justeza dos juízes em negar objeções, apelações,
recursos.
Vamos
à citação: Feito isso, que se declare o seguinte: assim agindo, o juiz procedeu
devida e justamente, e não se desviou do caminho da justiça, e de forma alguma
molestou indevidamente o apelante. Todavia, o apelante, alegando objeções
mentirosas e falsas, tentou, mediante uma apelação indevida e injusta, escapar
da sentença.
Pelo
que sua apelação é frívola e inválida, sem qualquer fundamento, errada no
conteúdo e na forma. E como as leis não reconhecem apelações frívolas, nem são
estas reconhecidas pelo juiz, declara este, portanto, que não admite e nem
pretende admitir a mencionada apelação, nem a reconhece e nem mesmo se propõe a
reconhece-la. E dá esta reposta ao acusado que faz tal indevida apelação….”
No
ano do Senhor de 1487, a prestigiosa Universidade de Colônia, Alemanha, com a
chancela do Papa Inocente, do imperador Maximiliano, que ainda ostentava o
título de imperador romano do Ocidente, este manual recebeu o certificado de
aprovação.
E,
passados 530 anos de tal certificado, continua a ser adotado até os nossos
dias, como o comprovam promotores e juízes da Lava Jato, e até mesmo alguns
ministros de tribunais superiores.
O
manual de orientações é este, o Malleus Maleficarum ou O Martelo das Feiticeiras.
Foi
este compêndio que instruiu e guiou a Igreja no combate, perseguição, tortura e
morte de milhares de homens e mulheres, estas principalmente, acusados de
bruxaria e de heresia. E que hoje instrui e direciona as ações de juízes
promotores auto investidos de anjos vingadores, da espada santa do senhor.
Modus
in rebus, senhores do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário.
http://www.ocafezinho.com/2017/07/07/requiao-compara-sistema-judicial-brasileiro-caca-as-bruxas-da-inquisicao/
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