A
entrevista do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima à Folha é
significativa dos males que a Lava Jato causou ao Ministério Público Federal pela
falta de comando do PGR (Procurador Geral da República) e do CNMP (Conselho
Nacional do Ministério Público). E mostra como a espetacularização do
Judiciário prejudicou a Justiça, em benefício de membros dos dois poderes.
Anos
atrás participei de um debate sobre o tema no Encontro Nacional dos Juízes
Federais. Eugênio Bucci dizia que os holofotes sobre a Justiça aumentariam a
transparência do Judiciário. Eu rebati sustentando que quem participasse desse
show da vida acabaria se comportando de acordo com as características do
ambiente. Para se manter no show teriam que ceder cada vez mais às exigências
do público.
Do
pré-mensalão para cá, o maior fator de estímulo à opinião pública –
especialmente dos executivos de mercado e de grandes empresas – foi a anti-política,
o anti-petismo radical. Tornou-se a bola da vez, abrindo espaço para palestras,
consultorias de toda espécie.
É
só conferir aquele economista que participa do Manhatan Connection. No início,
era um sujeito de bom senso e conhecimento técnico, em meio a colegas jejunos
no assunto. Hoje em dia, no Twitter, suas mensagens são do nível de um Lobão. E
sempre acompanhadas de mensagens autopromocionais.
O
primeiro a surfar nessas ondas do ódio à política foi Joaquim Barbosa, que
trocou o cargo de Ministro do Supremo por uma banca de advocacia à qual
recorrem grandes empresas que não querem dificuldades com a lei. Nem se diga
que o radicalismo de Barbosa foi ensaiado. É de nascença mesmo.
Não
se trata meramente da crítica à política, mas da propagação do ódio em todos os
níveis como ferramenta de marketing.
Se
esse marketing rentável pegou até quem galgou todos os degraus da carreira de
procurador, o que não dizer de procuradores que fizeram toda sua carreira em
centros menores, como é o caso de Curitiba.
Em
todos esses momentos, exercitaram, por palavras e atos, o exercício do ódio
mais visceral.
É
só conferir as declaração de Carlos Fernando sobre as fraquezas de Sérgio Moro
de absolver socialites cariocas claramente envolvidas e beneficiadas com os
golpes dos maridos:
-
Ele tende a ser mais brando com as mulheres, mesmo. Nós pedimos autorização para
condução coercitiva de Marisa Lula e ele não concedeu.
Ou
seja, não bastava invadir a casa de Lula, revirar camas e quartos, conduzi-lo
coercitivamente com toda a imprensa avisada. Tinha também que submeter a esposa
ao mesmo rito de humilhação.
E
contou isso, em uma entrevista, com a mesma naturalidade de qualquer
frequentador de boteco contando as últimas machezas para a roda.
Em
seu perfil ataca os “inimigos da operação” e adota frases como "vamos
acreditar que podemos ser livres, que podemos escolher pessoas íntegras, que
existe esperança".
Na
entrevista à Folha, Carlos Fernando conta, de passagem, o final da grande
encenação: aposentadoria do MPF e montagem de um escritório de advocacia que se
especializará em ... compliance, é claro.
Com
a quantidade de empresas envolvidas devida ou indevidamente com a Lava Jato, é
previsível o sucesso do futuro escritório. Afinal, não contratará apenas um
escritório especializado em compliance, mas um escritório especializado em uma
ciência à parte: o que o MPF, mais especificamente, o MPF brasileiro, mas
especificamente, as Forças Tarefas, entendem por compliance. Contratar o futuro
advogado significará percorrer o caminho das pessoas íntegras e descobrir que
existe a esperança. Amém!
Seu
poder não deriva mais do cargo, nem ele está mais submetido às regras
disciplinares do MPF. Agora, o procurador está dotado da Força: a capacidade de
cada pum no Facebook se tornar manchete em jornais que perderam totalmente a
capacidade de avaliar as notícias pela relevância. Com o Poder, ele se
considera mais forte que o próprio PGR.
Na
entrevista, critica os erros de comunicação do PGR no acordo com a JBS, critica
a decisão do TRF4 de absolver Vaccari, ensina jurisprudência ao Judiciário.
Critica tudo. Os únicos que têm o monopólio do acerto são eles, da Lava Jato. E
se a Justiça não aceita apenas indícios como prova, é porque o Judiciário está
desatualizado. Não se conhece um trabalho de fôlego do procurador sobre o tema.
Indagado
sobre a falta de isenção de quem se manifesta politicamente na rede, é taxativo
“Se
eu estivesse fazendo consideração político-partidária, eu estaria realmente
vinculado a certos posicionamentos. Se você defende princípios que estão na
Constituição, esse argumento é absurdo. Eu vou falar. Não posso deixar de
falar. Eu tenho uma obrigação de falar”. Obviamente, do PT e do PMDB, sem
nenhuma menção ao PSDB. Durante toda a entrevista fala dos processos. E,
obviamente, aproveita para anunciar seu futuro escritório de advocacia
especializado em compliance.
Não
se pode negar que ambos – ele e Deltan Dallagnol – tem o faro apurado do
investidor de oportunidades. Aproveitaram ao máximo os holofotes da mídia,
exercitaram com maestria o discurso do ódio, forneceram carne fresca à vontade
para um mercado sedento de sangue, e fincaram as bases para o salto
profissional. Mas é piada falar em meritocracia. Por mérito, Carlos Fernando
jamais passaria de procurador regional no Paraná.
À
Folha ele afirmou que seu objetivo, com as catilinárias nas redes sociais, é inspirar
os procuradores que combatem a corrupção Brasil afora.
Aliás,
um bravo procurador, envolvido com a Lava Jato e com outras grandes operações,
dia desses se queixava da tendência das novas gerações, de usarem o MPF como
trampolim para carreiras no setor privado. Esta é a parte pior da herança
deixada por por Janot: a leniência com o protagonismo excessivo da Lava Jato,
que escancarou a falta de isenção e, agora, a falta de disciplina e de
discrição que deveria caracterizar a carreira de procurador.
http://jornalggn.com.br/noticia/o-procurador-que-usou-o-mpf-como-escada-por-luis-nassif
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