Punir
é a palavra de ordem. Punir mais, punir com mais rigor, punir todos! No atual
momento, há um “descontrole da forma de controle” da sociedade pelo Direito
Penal. Os noticiários pedem penas maiores, uma visão “menos constitucional”
pelos juízes e menos direitos e garantias fundamentais para os acusados.
Os
Parlamentares, diante dos clamores públicos por segurança, não têm o
“atrevimento” de apresentarem projetos de lei que reduzam penas,
descriminalizem condutas ou criem novas privilegiadoras, atenuantes ou causas
de diminuição de pena.
Com
foco punitivista, os atuais projetos de lei são todos contra os investigados,
réus e apenados. São novos crimes, qualificadores, agravantes e majorantes,
além da ampliação das hipóteses de prisão preventiva e a redução de direitos
dos apenados.
Como
exemplo recente, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do
Senado Federal aprovou o PLS 499/2015, que restabelece o exame criminológico
para a progressão de regime. Esse projeto de lei, de autoria do senador Lasier
Martins (PDT-RS), também pretende aumentar as frações para a progressão de
regime, exigindo 2/3 para os crimes comuns e 4/5 para crimes hediondos e
reincidentes.
O
relator, senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), concordando com Lasier, afirmou que
“nada mais fomentador do crime do que a atual legislação. Assistimos aí vários
criminosos, principalmente pedófilos, que são reincidentes, mas que continuam
circulando pelo país todo, porque não tem exame criminológico. Cria-se um
desrespeito do criminoso pela legislação vigente“.
Em
suma, o atual momento punitivo chega a um extremo inacreditável. Os órgãos de
persecução criminal e as instâncias produtoras da legislação, assim como os
detentores da informação, exigem cada vez mais severidade na punição penal.
Nesse
sentido, essas instituições públicas e privadas exigem o aumento do rigor
contra aqueles que violam a lei penal – ou a norma penal, de acordo com a
teoria de Binding –, propondo mais sanções e menos direitos como mantra do
atual momento punitivo. Entrementes, quando essas instituições propõem o
aumento do rigor contra aqueles que praticam atos ilícitos, desconsideram que
elas mesmas também praticam inúmeros ilícitos, seja na persecução penal, seja
na fase de execução da pena.
Durante
a persecução criminal, por exemplo, não são raros os casos de torturas e abusos
de autoridade, muitas vezes disfarçados por eufemismos como “uso moderado da
força”, inclusive com respaldo em testemunhos de leigos que desconhecem o
efeito oculto que essa expressão pretende produzir.
Querem punir quem praticou um crime, mas
descumprem disposições legais e súmula vinculante que autorizam o acesso do
defensor aos autos do inquérito policial.
Pretendem
punir “corruptos”, mas divulgam conversas capturadas em interceptações
telefônicas, quebrando segredo de justiça com objetivos não autorizados em lei
– “o povo precisa saber” –, o que constitui o crime do art. 10 da Lei
9.296/1996, que tem a mesma pena mínima (2 anos) do crime de corrupção passiva.
Contraditório, não?
No
caso de réus presos, é visível na prática forense que há um desvirtuamento do
seu direito de defesa. Explico: o réu tem o direito de comparecer às
audiências, o que apenas é possível por meio do transporte realizado pela
administração penitenciária. Entretanto, é comum que os servidores dos
estabelecimentos prisionais não consigam transportar todos os presos para todas
as audiências. E alguns magistrados, de forma complacente, realizam as
audiências sem a presença do réu que, como já ressaltado, apenas poderia
comparecer por meio do transporte estatal.
Em outras palavras, o Estado quer punir
alguém que violou um direito, mas, para isso, viola o direito desse indivíduo.
Voltando
ao projeto de lei que aumenta o tempo exigido para a progressão de regime, uma
indagação é imprescindível. Por que querem manter as pessoas na prisão por mais
tempo – por meio do aumento de frações para a progressão de regime, o que
praticamente inviabiliza o regime aberto, que se executa em grande parte fora
da prisão -, se nosso sistema prisional está reconhecidamente falido? É
contraditório tentar ampliar e/ou intensificar algo que não está dando certo.
Na
execução penal, o Estado pune alguém que praticou um fato criminoso, mas a
desorganização penitenciária é um dos maiores motivos para a formação de
facções e para o alarmante índice de reincidência. Em outras palavras, o Estado
pune um crime propiciando o ambiente favorável para que futuros crimes sejam
praticados.
O
Estado pune pelo crime de sequestro, mas mantém apenados durante meses em
regimes diversos daqueles a que teriam direito, atrasando a apreciação de
simples pedidos de progressão de regime.
As
contradições são intermináveis. O Estado precisa punir quem pratica crimes,
mas, antes de tudo deve dar exemplo, respeitando direitos e mantendo a
constitucionalidade e legalidade de seus atos. Qual é a legitimidade que o
Estado tem para punir violadores de direitos se, para puni-los, o Estado viola
descaradamente o ordenamento jurídico?
Evinis Talon é
Advogado Criminalista, consultor e parecerista sobre Direito Penal e Processual
Penal.
http://justificando.cartacapital.com.br/2017/06/28/o-atual-momento-punitivista-e-suas-contradicoes/
Nenhum comentário:
Postar um comentário