domingo, 9 de julho de 2017

JUSTIÇA E DIREITOS. Por Luiz Gonzaga Belluzzo

No Brasil da era Temer, os “mercados” e seus lacaios homiziados nos meios de comunicação lideram o poder sem freios em sua escalada para subjugar a sociedade. Os governantes de turno – avassalados pelo poder do dinheiro e embriagados por doses maciças da ideologia que celebra a eficiência dos mercados – tratam de cortar os direitos sociais e econômicos de seus cidadãos.

A pretexto de enfrentar o corporativismo e a resistência dos “direitos adquiridos”, os mequetrefes da opinião publicada propõem a volta aos padrões primitivos nas relações entre o capital e o trabalho. Não satisfeitos, propõem o aniquilamento do precário sistema de proteção criado para impedir a desgraça dos mais fracos, o sofrimento do homem comum, atormentado pela violência impessoal dos mercados.

Esses são os princípios que vêm conduzindo as “reformas”, tanto as dos países desenvolvidos quanto as mimetizadas por governantes de países periféricos que julgam, com esses programas, estar comprando o ingresso para o clube dos ricos. Estão, na verdade, trocando a saúde, a educação do povo e o sossego dos velhos por miragens.

Habermas reconhece que o Estado territorial, centralmente administrado, foi uma força estabilizadora no processo de desenvolvimento capitalista. “Essa formação”, diz ele, “assegurou o quadro necessário para que o sistema capitalista se desenvolvesse à escala mundial. O Estado Nacional constitui a infraestrutura necessária para a administração juridicamente disciplinada, garantindo ao mesmo tempo o espaço negativo de liberdade para a ação coletiva e individual... Estado Nacional e democracia nascem como criaturas gêmeas da Revolução Francesa.”

Nas áreas periféricas do capitalismo globalizado – com raras exceções – estão presentes todos os sintomas de erosão da soberania do Estado. Além de despojado, com requintes, do monopólio da violência, o Estado Nacional vem sendo atacado nas outras prerrogativas essenciais: a de cobrar impostos dos ricos globalizados e a de administrar a moeda com independência dos mandonismos dos mercados financeiros.

Pior ainda, essa nova razão do mundo não oferece contrapesos às tropelias dos poderosos e de seus mercados. Os valores da concorrência individualista tomaram de assalto as burocracias da Justiça e estimulam as pretensões de autonomia narcisista dos funcionários do Estado. Entre as aberrações de nossa época, certamente a menor não é a prepotência de governantes ou funcionários que, a pretexto de acelerar as reformas, enfrentar crises ou fazer justiça, violam sistematicamente as leis, cuja observância têm o dever funcional de garantir.

A regra da separação e equilíbrio harmônico dos Poderes vem sendo substituída pela autonomização dos bandos burocráticos, que se apresentam uns diante dos outros como poderes autônomos e rivais, preocupados em assegurar as próprias prerrogativas, usurpando a soberania do povo, a quem devem a legitimidade de suas ações. Essa lógica fatal contamina as instâncias decisivas do poder estatal.

Não se trata apenas de que as distintas burocracias de Estado buscam abocanhar frações crescentes do orçamento público, sem prejuízo de palestras remuneradas, causando notórios desequilíbrios entre os mais fortes e os mais fracos. Pior do que o pior, as funções essenciais do Estado de Direito vêm sendo manipuladas para perseguir os adversários e ajudar os amigos. Comportam-se, diante do cidadão, como forças estranhas e hostis, usurpando os poderes que deveriam ser exercidos em nome do interesse público. As burocracias judiciárias afundam sua reputação no lodaçal do narcisismo bem remunerado.

Presa fácil das forças subterrâneas que movem esse processo, a sociedade se debate sem rumo. A desorientação social promove o surgimento de dois fenômenos gêmeos, funestos para a ordem democrática: a apatia popular e a busca de heróis vingadores, capazes de limpar a cidade (ou o País), ainda que isso custe a devastação das garantias individuais. Nessa cruzada antidemocrática militam os governantes que atropelam os direitos sociais, os procuradores que fazem gravações clandestinas ou inventam provas e os jornalistas que, em nome de uma “boa causa”, tentam manipular e ludibriar a opinião pública.

https://www.cartacapital.com.br/revista/959/justica-e-direitos




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