O
renomado jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, em artigo publicado no
jornal portenho Página 12, compara a operação lava jato do juiz Sérgio Moro ao
Plano Condor, das ditaduras nos países do Cone Sul, onde a palavra de ordem
comum era eliminar os adversários políticos dos regimes militares. Segundo ele,
a atual operação judicial no Continente tem por objetivo afastar lideranças
populares que ameacem eleitoralmente as corporações e traidores da pátria por
meio de uma aliança entre judiciário e mídia.
El "Plan
Cóndor" judicial (O "Plano Condor" judicial)
Eugenio Raúl
Zaffaroni*
Sem
os "Falcon" (Ford Falcon, temido veículo que era usado pela Polícia
Federal Argentina e o grupo Triple A) nem as sirenes, sem "zonas
liberadas" e sem sequestros, avança pelo Cone Sul uma "Operação
Condor" judicial.
Uma
prisão política como a da dirigente social Milagro Sala e de seus companheiros
parece algo anacrônico, fora de época e, justamente por isso, é um escândalo e
uma vergonha internacional para todos os argentinos, porque compromete a
própria imagem de nossa Nação.
No
lugar dessas medidas obsoletas – próprias de etapas anteriores do colonialismo-
, expande-se agora pelo Mercosul uma nova tática na conhecida estratégia de
neutralizar a quantos possam oferecer alguma séria resistência eleitoral contra
o avanço do totalitarismo corporativo sofrido por nossos países, o que é
funcional ao mesmo tempo, tanto para o desprestígio da política, um objetivo
que não é menor, como para que seu lugar seja ocupado pelos "chief executives
officers" das transnacionais.
Trata-se
de eliminar de qualquer disputa eleitoral, através da via judicial, todo e
qualquer líder ou dirigente popular capaz de ganhar uma eleição competindo
contra os candidatos das corporações ou outros traidores da pátria parecidos,
empenhados em endividar-nos com uma rapidez singular e nunca antes vista.
Para
isso bastam alguns juízes cujas motivações são manipuladas pelos serviços de
inteligência e os gerentes e agentes das corporações, especialmente as dos meios
de comunicação, motivações essas que podem ser medo, servilismo, vantagens,
promessas ou esperanças de promoções, comodidade, aspirações políticas ou o
simples desejo de estrelato.
São
conhecidos os casos de Cristina Kirchner, enfrentando uma absurda acusação de
"traição à Pátria", que ignora o texto claro e expresso de nossa
definição constitucional; por uma operação econômica que terminou beneficiando
os amigos do poder e que prejudicou o Banco Central por imprudência do atual
governo (no melhor dos casos); ou por um imaginário sobrepreço no aluguel de um
hotel.
Não
menos absurdo é o caso de Lula, interrogado por um apartamento de reduzidas
dimensões em um balneário de menor prestígio, que nunca esteve em nome dele,
mas que responde ao impulso do monopólio de meios de comunicação mais poderoso
da América do Sul, criador de uma estrela judicial favorita.
Menos
conhecido é como está operando o "Plano Condor" judicial no caso de
Fernando Lugo, ex-presidente do Paraguai. A justiça eleitoral do Paraguai decidiu
que qualquer força política que apoiar a eleição de Fernando Lugo como
candidato a presidente estará fazendo "propaganda maliciosa", com a
estranha particularidade de que Lugo não se candidatou.
Ou
seja, sua candidatura não foi impugnada, porque não se candidatou, mas, pelas
dúvidas, condena-se qualquer pessoa que pretenda que ele seja candidato.
Para
isso a justiça eleitoral atribuiu-se a competência para interpretar a
Constituição e, certamente, o fez de modo muito particular: o artigo 229 da
Constituição paraguaia diz que o presidente não poderá ser reeleito em nenhum
caso.
A
leitura racional dessa disposição permite entender que se refere ao presidente
em exercício. Mas a curiosa interpretação da justiça eleitoral paraguaia é que
quem foi uma vez presidente não poderá tornar a ser presidente nunca mais na
vida. Em outras palavras: Lugo é para a justiça de seu país um incapaz
perpétuo.
Mas
dos disparates deste novo "Plano Condor" ninguém está a salvo, nem
mesmo José (Pepe) Mujica, que mora em um sítio e de quem nunca encontrou sequer
um tostão. O personagem preocupa o novo totalitarismo dos
"executivos", devido à sua popularidade nacional e internacional, sem
que as diversas manifestações do "Pepe" dizendo que não quer voltar à
presidência os acalme.
A
questão começou com a publicação de três panfletos chamados de
"livros", desses escritos por "jornalistas" e que em pouco
tempo estão sendo vendidos a peso nos sebos, e que vinculam Pepe Mujica com
assaltos cometidos por ex-tupamaros nos anos noventa, que foram presos e
condenados naquela ocasião.
Aos
"livros" dos "jornalistas" somaram-se as declarações de um
ex-policial, chefe do departamento de roubos e furtos na época da ditadura,
cujo vice foi condenado, precisamente, por torturar tupamaros.
Foi
esse material com o qual a minoria opositora pretendeu criar uma comissão
investigadora no Senado, desbaratada pelo discurso do próprio Mujica, que nem
seus inimigos tiveram coragem de responder.
Mas
com esses mesmos elementos se estimula uma fiscal para que reabra causas
encerradas há décadas.
Não
faz falta dizer que para o novo totalitarismo corporativo transnacional e para
seus aliados locais pouco lhes importa o dano que este "Plano Condor"
pode causar à democracia, já que, bem ao contrário, é justamente isso o que
procuram, o desprestígio da política.
Mas
ao mesmo tempo estão provocando um desprestígio mais profundo em relação à
justiça. Não somente ninguém levará a sério no futuro as decisões dos juízes
que se prestam a substituir funcionalmente os porta malas dos
"Falcon" (onde eram colocados os sequestrados), como existe o risco
de que a dúvida termine atingindo a totalidade dos juízes.
Será
difícil convencer os nossos Povos de que ainda existem juízes nos nossos
países. E ainda mais: se os juízes devem "dizer o direito", existe o
risco de que a desconfiança alcance o próprio direito, a própria
institucionalidade.
Os
genocidas dos "Ford Falcon" do velho "Cóndor" dizimaram uma
geração de seus futuros dirigentes mais inquietos frente à injustiça social,
mas este novo "Condor" procura destruir a confiança não apenas na
política mas também nas instituições básicas de nossas repúblicas e no próprio
direito.
Devemos
ter um extremo cuidado com isto, porque quando o direito é desprezado, não fica
outro caminho a não ser o da violência.
Por
sorte, nossos Povos são intuitivos e pacíficos, apesar de que conscientemente
não acreditem muito no direito -porque suas promessas foram quase sempre
fraudulentas-, sabem que o caminho da violência é uma armadilha e que, no fim
das contas, os mortos são sempre os que estão do seu lado. A nossa principal
tarefa deve ser a de reforçar esta convicção.
*Eugenio Raúl Zaffaroni,
jurista e magistrado argentino, é professor Emérito da UBA (Universidade de
Buenos Aires). Foi ministro da Suprema Corte Argentina de 2003 a 2014 e, desde
2015, é juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos. (Tradução, via O
Cafezinho)
Fonte. Blog do
Esmael -
https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/306760/Jurista-argentino-compara-postura-de-Moro-ao-%E2%80%9CPlano-Condor%E2%80%9D.htm
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