Em
editorial, o Instituto Socioambiental – ISA, 13-07-2017,condena republicação de
portaria do Ministério da Justiça que cria grupo de trabalho formado por
servidores da Segurança Pública para formular propostas sobre a
"organização social" de indígenas e quilombolas.
Eis o editorial.
O
tratamento da questão indígena pelo governo de Michel Temer continua sendo
bizarro. Supunha-se que, com a substituição de Osmar Serraglio por Torquato
Jardim no Ministério da Justiça, seria estabelecido um novo patamar de
racionalidade no enfrentamento das demandas indígenas. Porém, a Casa Civil
efetivou Franklimberg de Freitas na presidência da Fundação Nacional do Índio
(Funai), consolidando a tutela do PSC sobre o órgão. Também vão se efetivando
várias nomeações de políticos para as coordenações regionais da instituição,
consumindo o que restou dos cargos de confiança com pessoas sem histórico ou
compromisso com os assuntos indígenas.
Mas
a semana que passou deu espaço, também, a mais um samba de portarias
ministeriais. No dia 6/7, Torquato fez publicar a portaria 541, instituindo um
grupo de trabalho para promover a “integração social” de índios e quilombolas,
composto por representantes da Funai, Polícia Federal, Polícia Rodoviária
Federal, Secretaria Nacional de Segurança Pública e Secretaria Nacional de
Políticas sobre Drogas.
Além
do nonsense relativo ao fim do ato ministerial, o uso da palavra
"integração" suscitou questionamentos sobre a sua legalidade, já que
a prática histórica de integração forçada dos índios à "comunhão
nacional" foi enterrada pela Constituição de 1988. Nesta quinta-feira
(13/7), a portaria foi republicada (com o número 546), substituindo-se a
expressão "integração" por "organização". Ao que parece, a
emenda ficou pior do que o soneto, dando a impressão de que o governo pretende
interferir na própria organização social dos índios e quilombolas.
Vale
lembrar que, sob a égide da atual Constituição, deu-se uma aproximação sem
precedentes entre os povos indígenas e a sociedade nacional. Há 30 anos, o
Brasil sequer sabia ao certo todos os povos indígenas que viviam em seu
território e onde exatamente se encontram as suas comunidades. Havia uma
distância enorme entre a maioria das aldeias e as cidades. Apenas uma pequena
parte dos índios dominava o português. Sem que a lei preconize qualquer
violência integracionista, hoje o Brasil sabe quantos são e onde estão os
índios, inclusive pequenos grupos isolados que não mantém contato regular com a
nossa sociedade (saiba mais nos sites do ISA Povos Indígenas do Brasil e De
Olho nas Terras Indígenas). Os índios dispõem de centenas de organizações
próprias, assim como de quadros com formação escolar de nível superior. Cerca
de 160 índios elegeram-se vereadores e também prefeitos nas últimas eleições
municipais.
Além
disso, as demandas indígenas por melhores condições de cidadania, por serviços
públicos e para a comercialização de excedentes econômicos pouco têm a ver com
as competências de instituições ligadas à Segurança Pública. Seria de se
esperar a participação dos ministérios da Saúde, dos Direitos Humanos e do
Desenvolvimento Social, entre outros, em qualquer grupo de trabalho destinado à
melhoria das condições de vida dos índios, até porque essas pastas são
responsáveis por investimentos muito maiores nas comunidades indígenas do que
os realizados pelo próprio Ministério da Justiça, ao qual a Funai está
vinculada.
Vale
lembrar, também, que o governo Temer já havia promovido outra dança das
portarias, nesse caso da lavra do então ministro Alexandre de Morais, criando
outro grupo de trabalho para analisar as demarcações de terras indígenas
realizadas pela Funai e também com republicação posterior, não havendo notícia
de seu funcionamento efetivo.
Sob
Torquato Jardim, parece persistir a orientação de manter paralisados os
processos de demarcação, assim como a titulação de quilombos, sob o pretexto de
que há vários casos sob júdice, o que, ao contrário, deveria ensejar ainda mais
atitudes proativas dos poderes públicos no sentido de solucionar as pendências
existentes. O governo "usa" o Judiciário como desculpa para não
cumprir a sua obrigação constitucional, sinalizando aos interesses contrários
às demarcações que basta judicializá-las para paralisá-las indefinidamente.
Ainda
por cima, o orçamento da Funai está arrasado, com forte impacto sobre a
prestação de serviços. Enquanto isso, a suspensão de serviços pela Polícia
Federal, como a emissão de passaportes, ou pela Polícia Rodoviária, como o
patrulhamento das estradas, mobiliza o Congresso para suplementar o orçamento
do Ministério da Justiça. Para a Funai, o Congresso dedica uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a criminalizar as organizações e
militantes que defendem os direitos indígenas.
Infelizmente,
o suposto ganho de racionalidade no Ministério da Justiça não foi suficiente
para sustar o descaso das instâncias superiores desse governo com o que resta
da Funai e da política indigenista. Que ninguém se surpreenda com as
consequências...
http://www.ihu.unisinos.br/569621-indigencia-indigenista
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