Nos
últimos três anos temos acompanhado como uma novela os inúmeros abusos e
ilegalidades cometidas no âmbito do Poder Judiciário, por meio de sua maior
celebridade: o juiz Sérgio Moro. Alguém que usa de seu cargo, da
institucionalidade e do desapego cultural dos brasileiros ao cumprimento das
leis.
Somos
o país em que “leis não pegam”, em que os privilégios são objetivo de vida de
muitos e em que o cinismo impera!
O
direito processual nada mais é que a regra, o instrumento; é o meio pelo qual o
direito material deverá se realizar. Imaginemos que o processo é uma estrada
muito bem sinalizada e iluminada, justamente para que o caminho seja percorrido
com menos erros, mais segurança e estabilidade. Porém, se o condutor resolver
pegar um atalho sem sinalização, sem iluminação, com inúmeros obstáculos que
danificam o veículo, isso trará insegurança, incerteza e danos irreparáveis.
Essa
é a atuação de Sérgio Moro frente à operação Lava-jato. Ele pegou um atalho,
manipulou as leis com a finalidade de atingir objetivos e crenças pessoais. Não
há em suas decisões qualquer fundamento jurídico-doutrinário; a única força
legal que há em suas decisões é o fato de ter sido aprovado em concurso público
e ter tomado posse como magistrado da Justiça Federal.
Não
é possível sequer falar em uma corrente de hermenêutica jurídica minoritária
nas decisões tomadas por este juiz, simplesmente, porque só ele as tem. Sérgio
Moro e os procuradores da Lava-jato inauguraram – na “República de Curitiba” –
uma nova forma do “Direito”. Passamos de um país com Direito Positivado para o
país do “Fast Law”, ou seja, o direito teria passado a ser aquilo que é
determinado e definido por quem passou no concurso para magistratura, para ser
rapidamente consumido e alterado “conforme o cliente” e suas convicções
ideológicas.
Hoje
o Direito no Brasil é a convicção de alguns escolhidos por grupos de mídia e os
donos do poder econômico, o direito está refém da manipulação e da crença dos
que acreditam serem os escolhidos.
Apesar
de o momento ser tão chocante, não devemos nos esquecer que, infelizmente, no
Brasil, as togas são usadas por vários Sérgios Moros e, se somos o país da
impunidade é porque o Poder Judiciário atende (como sempre atendeu) interesses
de uma oligarquia escravagista, em detrimento da norma e dos princípios
fundamentais de Direito.
Esse
é o Sistema Judicial que almejamos? Um Sistema que manipula a norma para
atender a meros interesses e convicções? Será que conseguiremos no decorrer de
nossas vidas fugir deste sistema para não sermos injustiçados? É o melhor
caminho ignorar que a falta de ética não se circunscreve aos âmbitos do
Executivo e do Legislativo? Devemos comemorar as ilegalidades e ilicitudes
cometidas por quem deveria, por obrigação, minimamente conhecer a aplicação das
leis?
Todo
esse cenário culminou na farsa de um “impeachment constitucional”, desmanchando
a Constituição e as demais leis vigentes no país. Desobediência a decisões
judiciais, decisões fundamentadas em convicções pessoais de servidores
concursados e não em princípios e arcabouço legislativo – a cada dia mais
medidas provisórias vêm sendo editadas, mais projetos de lei e de emendas
constitucionais surgem, desafiando normas sem a menor cerimônia.
Neste
contexto de desagregação do frágil Estado de Direito que vinha sendo construído
de maneira mais participativa a partir da Assembleia Constituinte de 1988, os
direitos adquiridos por força de sangue, suor e muitas lágrimas vão sendo
tragados nessa areia movediça, por um arco de forças nos poderes legislativo,
executivo e judiciário nacionais, num movimento atiçado pelas mídias.
Apesar
da violência desse processo, grupos de operadores do Direito – entre advogados,
juristas, promotores, juízes, procuradores – em todo o país foram se
aglutinando em pequenas células de resistência político-jurídica, na defesa da
Constituição e do Estado democrático de Direito, cujos destinatários finais são
os próprios detentores do poder, de quem este emana: o povo brasileiro, este
soberano (“todo o poder emana do povo”, parágrafo único do primeiro artigo da
Constituição brasileira).
Ao
lado de redes que, há décadas, congregam advogadas e advogados populares –
assim chamados por apoiar de forma voluntária, porém engajada, a luta por
direitos de movimentos sociais -, novos grupos vêm se articulando em espaços
virtuais ou físicos, conectando-se através de frentes de luta jurídica contra o
golpe político-jurídico-midiático implementado, que compromete o projeto de bem
viver não só da atual, mas também das próximas gerações.
*Denise
da Veiga Alves (awiri.va@gmail.com) e Giselle Flügel Matthias Barreto
(giselle.mathias@hotmail.com) são advogadas em Brasília, e integram o Coletivo
Marietta Baderna – coletivo de gênero da Rede Nacional de Advogadas e Advogados
Populares (Renap), a Renap/DF, a Frente Brasil de Juristas do Distrito Federal
pela Democracia, a #partida, o grupo pela Anticandidatura ao STF e o Juristas e
Advogados pela Democracia. Foram co-organizadoras do Seminário: O Sistema de
Direito em Debate
https://jornalistaslivres.org/2017/06/justica-x-conviccoes/
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