Em
uma das investigações contra o ex-presidente Lula, o Ministério Público Federal
o acusa de fazer palestras como forma de lavar dinheiro. A operação Lava Jato
quebrou sigilo da LILS – Palestras, Eventos e Publicações, para constatar o que
já havia sido divulgado pelo próprio ex-presidente, e que consta em suas
declarações de imposto de renda.
No
caso trata-se de pessoa física, não ocupante de cargo público, pra quem não há
qualquer óbice de atividades privadas, com ou sem remuneração. Como tem sido praxe,
tudo foi feito de forma espetaculosa para criar a presunção de culpa de uma
atividade exercida regularmente, na busca de atribuir-lhe alguma espécie de
ilegalidade.
De
outra sorte, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato e procurador do
Ministério Público Federal Deltan Dallagnol recebeu R$ 219 mil apenas no ano de
2016, em 12 palestras feitas para falar da corrupção e da operação. Os valores
percebidos neste ano de 2017 não foram informados.
Quando
a história foi parar nos jornais, o procurador afirmou que doou “quase tudo”
para um hospital no Paraná, que cuida de crianças com câncer. Em seguida, a
força-tarefa da Lava Jato emitiu nota na página do Ministério Público Federal
reiterando o que já afirmado pelo procurador, de que a atividade é autorizada
pela Constituição e por normas internas, por se tratar de atividade docente.
Diz a nota:
“…
As resoluções 34/2007 do CNJ e 73/2011 do CNMP, nos termos da Constituição
Federal, reconhecem que membros do PJ e do MP podem realizar atividade docente,
gratuita ou remunerada. A resolução 34/2007 expressamente reconhece que a
realização de palestras é atividade docente. É perfeitamente legal a realização
de palestras remuneradas segundo o valor de mercado, o que é uma prática comum
no meio jurídico.
(…)”
Para
qualquer pessoa desinteressada em checar os argumentos postos, o texto
pareceria contundente. Não resiste, porém, nem mesmo a uma primeira leitura dos
dispositivos citados. Dois pontos o descredenciam totalmente.
O
primeiro é que ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ cumpre zelar pela
autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, o
que significa que membros do Ministério Público Federal, como é o caso de
Deltan Dallagnol, não estão sujeitos às resoluções do CNJ. Portanto, a citação
de uma resolução do CNJ figura na nota apenas para conferir-lhe ilustração.
Desse
modo, ainda que Resolução do CNJ autorizasse a prática de receber pagamento por
palestras – coisa que efetivamente a Resolução nº 34/2007/CNJ não faz – estaria
restrita à atuação dos magistrados. De fato, o que faz a resolução citada, no
caput de seu art. 4º, é reconhecer palestras como atividade docente,
limitando-as, contudo, no parágrafo 6º, do mesmo artigo, às vedações
constitucionais do art. 95, da CF/88, dentre as quais o inciso IV prevê:
“Art.
95. Os juízes gozam das seguintes garantias:
…………………………………………………………………………………….
Parágrafo
único. Aos juízes é vedado:
IV
– receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas
físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em
lei; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
A
menção à Resolução do CNJ é uma tentativa de justificar a prática do
procurador. Ocorre, por outro lado, que a questão se apresenta mais grave
justamente pelo texto citado por Deltan Dallagnol e reproduzido na nota do MPF.
Logo
em seu artigo 1º, a Resolução nº 73/2011 do CNMP – essa sim totalmente
aplicável ao caso – fulmina a defesa do procurador:
“Art.
1º. Ao membro do Ministério Público da União e dos Estados, ainda que em
disponibilidade, é defeso o exercício de outro cargo ou função pública,
ressalvado o magistério, público ou particular, por, no máximo, 20 (vinte)
horas-aula semanais, consideradas como tais as efetivamente prestadas em sala
de aula.” (grifamos)
Como
se pode notar, o CNMP não apenas não reconhece palestras como atividade
docente, como determina expressamente que o magistério somente pode ser
considerado como tal se prestado em sala de aula.
Causa
muita estranheza que o procurador tenha citado duas resoluções, uma que não lhe
socorre em nada, por não lhe ser aplicável e
outra que evidencia com toda clareza seu desvio de conduta.
Parece
um daqueles estranhos casos de convicção em sentido contrário ao que diz a norma,
e de adoção de pesos e medidas completamente distintos ao conceito de
moralidade quando se trata de averiguar a conduta de outrem e a própria.
Dito
de modo simples, as palestras de Lula, exercidas dentro das leis e de forma
regular, sem qualquer vedação que as impeça e devidamente declaradas no imposto
de renda assumem, de antemão, uma pecha de suspeição.
As
de Dallagnol, exercidas fora das normas recebem respostas vazias de sentido
jurídico. É a linha do dito popular: “faça o que eu digo, não o que eu faço”
A
expressão “exercer o comércio”, contida no art. 117, X, da Lei 8.112/1990, à
qual todos os servidores públicos devem obediência, não é um conceito que pode
tratado de forma restritiva.
A
atividade de proferir palestras em troca de valor pecuniário é certamente
atividade de mercancia. Se a lei proíbe a administração e a gerência de
sociedade privada, que são ações menores, pelos mesmos fundamentos proíbe a
concepção de empresário individual e de percepção de valores por atividade
tipicamente privada, como palestras, que configuram atos nítido exercício do
comércio.
Provocado
por parlamentares, resta saber se o Conselho Nacional do Ministério Público irá
cumprir com seu dever constitucional, exigir o cumprimento de sua Resolução, da
Lei 8.112/90 e da Constituição Federal, investigando o procurador Deltan
Dallagnol e aplicando-lhe as devidas sanções, ou irá fazer jogo com a opinião
pública alimentando a falsa percepção de que se trata de mais uma ação para
tentar “barrar a Lava Jato”, jargão infelizmente usado para que alguns dos
agentes públicos envolvidos na operação atuem em desacordo com as normas
impunemente.
POR GLEISI
HOFFMANN, senadora da República e presidenta do PT, e TÂNIA OLIVEIRA, assessora
jurídica da bancada do PT no Senado.
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/dois-pesos-duas-medidas-as-palestras-de-lula-e-as-de-dallagnol-por-gleisi-hoffmann/
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