O
Brasil, ao longo dos últimos 15 anos, havia se transformado em exemplo de
crescimento e distribuição de renda. A concretude de programas como o “Bolsa
Família” e “Minha Casa Minha Vida” retirou da miséria 36 milhões de brasileiros
(Governo Federal, 2014) e garantiu, somente na faixa 1, mais de um milhão de
casas à população de baixa renda (Brasil da Mudança, 2014), mudou a realidade.
Programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) estimularam a
produção da agricultura familiar e a merenda escolar de melhor qualidade. As
salvaguardas às terras indígenas e quilombolas; a criação de áreas de proteção
ambiental (APAs) marcaram uma década. O Brasil foi reconhecido mundialmente por
sua liderança ampliando o comércio exterior, a balança comercial e o PIB e
assim, tornou-se em 2011 a sexta maior economia do mundo à frente de países
como Reino Unido e Itália (Portal G1, 2015).
Entretanto,
o que poderia ser considerado benéfico ao crescimento dos mercados interno e
externo, ampliando o ganho dos empresários, não contempla a lógica do capital
que não mira somente o lucro, mas a dominação mundial, a qualquer custo, numa
verdadeira orquestração global que atinge todos os continentes, sem distinção
de países pobres ou ricos, guardada a proporção dos efeitos em suas populações
e na miséria humana.
Chamo
a atenção para: o avanço do discurso da direita e da extrema-direita no mundo;
Brexit no Reino Unido, Trump nos EUA; Crise dos Refugiados – mais de 65,3
milhões de refugiados no mundo (segundo a ONU/2015); Avanço dos governos de
centralização e não mais de globalização; Aumento dos conflitos e de guerras
(EUA e aliados x Coréia do Norte, Rússia, Oriente Médio); Avanço do egoísmo, da
concentração de riquezas, da violência (nos dizeres de Cézar Britto).
Incautos,
não previmos a repetição da história: “a história se repete, a primeira vez
como tragédia, a segunda como farsa” (Karl Marx em citação a Hegel, na obra “18
Brumário de Luis Bonaparte”). Não nos preparamos para ela. Depois do holocausto
dos judeus que chocou o mundo, e que não nos permitimos esquecer, hoje vemos
legiões de – famintos e desprovidos – caminhando cercados por muros erguidos
por quem os explorou, tirou-lhes as terras, matou suas crianças, sua esperança
e sua dignidade.
É
um imenso retrocesso nas relações sociais e institucionais.
O
Brasil não conseguiu ser exceção.
Dentro
desse contexto, proponho a reflexão sobre a remota possibilidade de
concretização dos direitos da natureza, do meio ambiente, onde houver fome,
desigualdade e opressão. Onde a liberdade seja apenas um conceito abstrato.
Não
é possível a defesa das matas se não garantirmos aos indígenas suas terras como
forma de subsistência e de preservação cultural.
Não
é possível haver garantia alimentar e equilíbrio ambiental se os ruralistas
continuarem a devastar terras para a plantação de soja, cana de açúcar e
criação de gado.
Quando
em outubro de 2015, o Instituto Ulisses Guimarães (uma ofensa ao nome de um
verdadeiro democrata), lançou o manifesto “UMA PONTE PARA O FUTURO” – o golpe
contra os trabalhadores e trabalhadoras já estava delineado.
Não
tardou. Primeiro contra a democracia, depois a favor do capital.
Em
31 de agosto de 2016, tomou posse o presidente ilegítimo Michel Temer, com a
destituição da Presidenta Dilma. Por falta de melhor argumento, utilizou-se um
expediente burocrático que já havia sido praticado por todos os seus
antecessores, aproveitando da sua baixa popularidade à época e a um
inescrupuloso ataque midiático contra o Partido dos Trabalhadores e o
ex-Presidente Lula. (Para dar a dimensão disso, em um ano, considerando apenas
um veículo de comunicação, a Globo utilizou do seu horário mais nobre, por mais
de dezoito horas para desqualificar LULA).
O
discurso hegemônico da mídia atingiu rapidamente seus objetivos e parte
expressiva da população (a multidão patriótica, como chamou Michel Lowy) saiu
em protesto contra a corrupção, não percebendo que os corruptores os
financiavam.
O
ódio dividiu o país. A onda persecutória atingiu especialmente os integrantes
do Partido dos Trabalhadores, do PCdoB e seus líderes e integrantes de
movimentos populares. (Na madrugada de 25 de maio, deu-se o quarto ataque à
sede do PT-PR com coquetéis molotov em menos de um ano).
A
população, distraída por desmandos noticiados à exaustão, acredita que ali está
o cerne de todos os males e que, prendendo alguns, devidamente selecionados, o
país votará ao pleno emprego, ao desenvolvimento econômico, social e financeiro
que tinha há apenas dois anos.
Esses
brasileiros, não conseguiram ver além das manchetes da grande imprensa,
oligopolista e subserviente.
Por
outro lado, a falta de legitimidade não impediu o governo Temer de cumprir com
suas promessas (ao capital, claro!). Muito rapidamente, as forças governistas
se articularam para cumprir com a agenda das Confederações das Indústrias,
FIESP, todo o Sistema S, empresas transnacionais, demais patrocinadores do
golpe.
Deu-se
assim, início ao desmonte das conquistas de uma sociedade, asseguradas
constitucionalmente por aquela a que chamamos carinhosamente de Constituição
Cidadã.
Em
31 de março de 2017, o presidente Temer promulgou a lei (13.429/17) que trata
da terceirização e do contrato temporário, iniciando o maior retrocesso do
direito do trabalho de que se tem noticia no país.
(A
data coincidiu, em parte, com a do golpe militar em 31 de março de 1964).
Menos
de um mês depois, a Câmara dos deputados aprovou texto e o enviou ao Senado da
Republica que prevê:
–
o aumento da jornada diária de trabalho;
–
o trabalho intermitente;
–
a terceirização ou quarteirização de qualquer função exercida pelos trabalhadores,
inclusive na atividade fim da empresa;
–
permissão de trabalho insalubre para mulheres gestantes e lactantes;
–
enfraquecimento dos sindicatos e suas negociações coletivas;
–
permissão para redução de direitos previstos em lei;
–
restrição do poder normativo e conciliatório da Justiça do Trabalho;
–
restrição ao acesso gratuito à Justiça do Trabalho;
–
redução de direitos elementares como a possibilidade de redução para apenas
meia hora de intervalo durante a jornada de oito horas; criação do contrato de
trabalho intermitente; o parcelamento das férias em três períodos, e outros
tantos, constantes dos 100 artigos que compõem o projeto de lei.
Na
reforma fiscal, dissimuladamente, foi introduzido artigo que possibilita – que
uma empresa individual – preste serviços, com exclusividade, para outra empresa
e, assim, negar a esse trabalhador todos os direitos, pois empresa não tem
férias, 13° salário, horas extras.
Mais
reformas estão em andamento como a da Previdência Social, com o aumento do
tempo de contribuição de 15 para 25 anos; a introdução de idade mínima de 65
anos para homens e 62 para mulheres, o que resulta na necessidade de 49 anos de
contribuição para alcançar o direito à aposentadoria integral (o brasileiro
vive em média 72,8 anos). É dizer que os brasileiros e brasileiras não mais se
aposentarão.
Reduziram
também o beneficio chamado “bolsa família” que garante condições básicas de
vida de parte da população. Dificultaram o ingresso dos mais pobres nas
universidades com financiamento publico; interromperam programa de construção
de casas populares.
A
todo esse conjunto chamaram de – modernização – redução do custo Brasil,
prometendo com isso a criação de novos empregos e o desenvolvimento econômico
do país.
Mas
o capital, sedento de muitos anos, não se contentou com o empobrecimento de
toda uma sociedade. Avançou em outras searas.
Na
madrugada de 17 de maio, foram aprovadas medidas provisórias que ampliam a
possibilidade de exploração em áreas importantes na Amazônia, reduzindo a área
de proteção do Parque Nacional do Jamanxim em 300 mil hectares; a Floresta
Nacional Itaituba II perdeu 168 hectares. Ao total, as MPs desprotegeram 1.19
milhão de hectares de unidades de conservação.
No
mesmo dia, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquério), cujo relator é o deputado
ruralista Nilson Leitão, aprovou o indiciamento de 88 pessoas, entre elas 35
indígenas, 15 antropólogos e 16 procuradores da República (a quem cabe a defesa
dos seus direitos). O relatório fala em falsos indígenas e descendentes de
quilombolas e traz, entre outras propostas, a de reanálise da demarcação de
terras indígenas.
Chegamos
a um momento no Brasil em que todas as instituições estão fragilizadas ou
dominadas pelos interesses do capital. Não há salvaguardas. O povo não pode
contar com Justiça quando ela não cumpre a lei, ou com o Congresso
inescrupuloso, ilegítimo e subserviente.
E
a continuação do golpe de Estado está em curso no país. Temer, alvo de
denúncias irrefutáveis de corrupção, tenta manter-se no poder.
A
eleição indireta, que estão tratando como a única alternativa para a crise, não
passa de nova trama daqueles que se reinventam e sobrevivem em qualquer
situação.
De
nada servirá à proteção do povo brasileiro, pois aguarda-nos um novo representante
que defenderá as grandes empresas, grandes indústrias e os donos das terras
brasileiras – melhor dizendo – o capital nacional e internacional.
Nossa
civilização está ameaçada.
Nada
nos sobrará das conquistas feitas ao longo de mais de 60 décadas.
Ao
povo só resta uma saída: a mesma de sempre! A única que pode relativizar a
guerra de forças que travamos: as ruas e a eleição direta de um governo
popular.
A
nós, além das ruas, fica a obrigação da denúncia em todos os lugares em que
pudermos estar, onde haja defensores da democracia e dos direitos humanos.
*
Há mais de trinta anos, Mírian é advogada de trabalhadores, militante dos
Direitos Humanos. É mestra em Direito do Trabalho, sócia-fundadora dos
institutos Defesa da Classe Trabalhadora (DECLATRA) e Instituto Direito e
Democracia (IDD). Foi vice-prefeita de Curitiba pelo Partido dos Trabalhadores
Foto:
Lula Marques
http://www.revistaforum.com.br/2017/06/07/de-referencia-mundial-ao-paraiso-dos-retrocessos-sociais/
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