Meu
caro colega Deltan Dallagnol,
“Denn
nichts ist schwerer und nichts erfordert mehr Charakter, als sich in offenem
Gegensatz zu seiner Zeit zu befinden und laut zu sagen: Nein.”
(Porque
nada é mais difícil e nada exige mais caráter que se encontrar em aberta
oposição a seu tempo e dizer em alto e bom som: Não!)
Acabo
de ler por blogs de gente séria que você estaria a chamar atenção, no seu
perfil de Facebook, de quem “veste a camisa do complexo de vira-lata”, de que
seria “possível um Brasil diferente” e de que a hora seria agora. Achei
oportuno escrever-lhe está carta pública, para que nossa sociedade saiba que,
no ministério público, há quem não bata palmas para suas exibições de falta de
modéstia.
Vamos
falar primeiro do complexo de vira-lata. Acredito que você e sua turma são
talvez os que têm menos autoridade para falar disso, pois seus pronunciamentos
têm sido a prova mais cabal de SEU complexo de vira-lata. Ainda me lembro daquela
pitoresca comparação entre a colonização americana e a lusitana em nossas
terras, atribuindo à última todos os males da baixa cultura de governação
brasileira, enquanto o puritanismo lá no norte seria a razão de seu progresso.
Talvez você devesse estudar um pouco mais de história, para depreciar menos
este País. E olha que quem cresceu nas “Oropas” e lá foi educado desde menino
fui eu, hein… talvez por isso não falo essa barbaridade, porque tenho
consciência de que aquele pedaço de terra, assim como a de seu querido irmão do
norte, foram os mais banhados por sangue humano ao longo da passagem de nossa
espécie por este planeta. Não somos, os brasileiros, tão maus assim, na pior
das hipóteses somos iguais, alguns somos descendentes dos algozes e a maioria
somos descendentes das vítimas.
Mas
essa sua teorização de baixo calão não diz tudo sobre SEU complexo. Você à
frente de sua turma vão entrar na história como quem contribuiu decisivamente
para o atraso econômico e político que fatalmente se abaterão sobre nós. E
sabem por que? Porque são ignorantes e não conseguem enxergar que o princípio
fiat iustitia et pereat mundus nunca foi aceita por sociedade sadia qualquer
neste mundão de Deus. Summum jus, summa iniuria, já diziam os romanos: querer
impor sua concepção pessoal de justiça a ferro e fogo leva fatalmente à
destruição, à comoção e à própria injustiça.
E
o que vocês conseguiram de útil neste País para acharem que podem inaugurar um
“outro Brasil”, que seja, quiçá, melhor do que o vivíamos? Vocês conseguiram
agradar ao irmão do norte que faturará bilhões de nossa combalida economia e
conseguiram tirar do mercado global altamente competitivo da construção civil
de grandes obras de infraestrutura as empresas nacionais. Tio Sam agradece. E
vocês, Narcisos, se acham lindinhos por causa disso, né? Vangloriam-se de terem
trazido de volta míseros dois bilhões em recursos supostamente desviados por
práticas empresariais e políticas corruptas. E qual o estrago que provocaram
para lograr essa casquinha? Por baixo, um prejuízo de 100 bilhões e mais de um
milhão de empregos riscados do mapa. Afundaram nosso esforço de propiciar
conteúdo tecnológico nacional na extração petrolífera, derreteram a recém
reconstruída indústria naval brasileira. Claro, não são seus empregos que
correm riscos. Nós ganhamos muito bem no ministério público, temos
auxílio-alimentação de quase mil reais, auxilio-creche com valor perto disso,
um ilegal auxílio-moradia tolerado pela morosidade do judiciário que vocês
tanto criticam. Temos um fantástico plano de saúde e nossos filhos podem
frequentar a liga das melhores escolas do País. Não precisamos de SUS, não
precisamos de Pronatec, não precisamos de cota nas universidades, não
precisamos de bolsa-família e não precisamos de Minha Casa Minha Vida. Vivemos
numa redoma de bem estar. Por isso, talvez, à falta de consciência histórica, a
ideologia de classe devora sua autocrítica. E você e sua turma não acham nada
de mais milhões de famílias não conseguirem mais pagar suas contas no fim do
mês, porque suas mães e seus pais ficaram desempregados e perderam a
perspectiva de se reinserirem no mercado num futuro próximo. Mas você achou
fantástico o acordo com os governos dos EEUU e da Suíça, que permitiu-lhes, na
contramão da prática diplomática brasileira, se beneficiarem indiretamente com
um asset sharing sobre produto de corrupção de funcionários brasileiros e
estrangeiros. Fecharam esse acordo sem qualquer participação da União, que é
quem, em última análise, paga a conta de seu pretenso heroísmo global e
repassaram recursos nacionais sem autorização do Senado. Bonito, hein? Mas,
claro, na visão umbilical corporativista de vocês, o ministério público pode
tudo e não precisa se preocupar com esses detalhes burocráticos que só atrasam
nosso salamaleque para o irmão do norte! E depois fala de complexo de vira-lata
dos outros!
O
problema da soberba, colega, é que ela cega e torna o soberbo incapaz de
empatia, mas, como neste mundo vale a lei do retorno, o soberbo também não
recebe empatia, pois seu semblante fica opaco, incapaz de se conectar com o
outro.
A
operação de entrega de ativos nacionais ao estrangeiro, além de beirar alta
traição, esculhambou o Brasil como nação de respeito entre seus pares. Ficamos
a anos-luz de distância da admiração que tínhamos mundo afora. E vocês o
fizeram atropelando a constituição, que prevê que compete à Presidenta da
República manter relações com estados estrangeiros e não ao musculoso
ministério público. Daqui a pouco vocês vão querer até ter representação
diplomática nas capitais do circuito Elizabeth Arden, não é?
Ainda
quanto a um Brasil diferente, devo-lhes lembrar que “diferente” nem sempre é
melhor e que esse servicinho de vocês foi responsável por derrubar uma
Presidenta constitucional honesta e colocar em seu lugar uma turba envolvida
nas negociatas que vocês apregoam mídia afora. Esse é o Brasil diferente? De
fato é: um Brasil que passou a desrespeitar as escolhas políticas de seus
vizinhos e a cultivar uma diplomacia da nulidade, pois não goza de qualquer respeito
no mundo. Vocês ajudaram a sujar o nome do País. Vocês ajudaram a deteriorar a
qualidade da governação, a destruição das políticas inclusivas e o
desenvolvimento sustentável pela expansão de nossa infraestrutura com
tecnologia própria.
E
isso tudo em nome de um “combate” obsessivo à corrupção. Assunto do qual vocês
parecem não entender bulhufas! Criaram, isto sim, uma cortina de fumaça sobre o
verdadeiro problema deste Pais, que é a profunda desigualdade social e
econômica. Não é a corrupção. Esta é mero corolário da desigualdade, que produz
gente que nem vocês, cheios de “selfrightousness”, de pretensão de serem justos
e infalíveis, donos da verdade e do bem estar. Gente que pode se dar ao luxo de
atropelar as leis sem consequência nenhuma. Pelo contrário, ainda são
aplaudidos como justiceiros.
Com
essa agenda menor da corrupção vocês ajudaram a dividir o País, entre os homens
de bem e os safados, porque vocês não se limitam a julgar condutas como lhes
compete, mas a julgar pessoas, quando estão longe de serem melhores do que
elas. Vocês não têm capacidade de ver o quanto seu corporativismo é parte dessa
corrupção, porque funciona sob a mesma gramática do patrimonialismo: vocês
querem um naco do estado só para chamar de seu. Ninguém os controla de verdade
e vocês acham que não devem satisfação a ninguém. E tudo isso lhes propicia um
ganho material incrível, a capacidade de estarem no topo da cadeia alimentar do
serviço público. Vamos falar de nós, os procuradores da república, antes de
querer olhar para a cauda alheia.
Por
fim, só quero pontuar que a corrupção não se elimina. Ela é da natureza
perversa de uma sociedade em que a competição se faz pelo fator
custo-benefício, no sentindo mais xucro. A corrupção se controla. Controla-se
para não tornar o estado e a economia disfuncionais. Mas esse controle não se
faz com expiação de pecados. Não se faz com discursinho falso-moralista. Não se
faz com o homilias em igrejas. Se faz com reforma administrativa e reforma
política, para atacar a causa do fenômeno é não sua periferia aparente. Vocês
estão fazendo populismo, ao disseminarem a ideia de que há o “nós o povo” de
honestos brasileiros, dispostos a enfrentar o monstro da corrupção feito São
Jorge que enfrentou o dragão. Você e eu sabemos que não existe isso e que não
existe com sua artificial iniciativa popular das “10 medidas” solução viável
para o problema. Esta passa pela revisão dos processos decisórios e de controle
na cadeia de comando administrativa e pela reestruturação de nosso sistema
político calcado em partidos que não merecem esse nome. Mas isso tudo talvez
seja muito complicado para você e sua turma compreenderem.
Só
um conselho, colega: baixe a bola. Pare de perseguir o Lula e fazer teatro com
PowerPoint. Faça seu trabalho em silêncio, investigue quem tiver que investigar
sem alarde, respeite a presunção de inocência, cumpra seu papel de fiscal da
lei e não mexa nesse vespeiro da demagogia, pois você vai acabar ferroado. Aos
poucos, como sempre, as máscaras caem e, ao final, se saberá que são os que
gostam do Brasil e os que apenas dele se servem para ficarem bonitos na fita!
Esses, sim, costumam padecer do complexo de vira-lata!
Um
forte abraço de seu colega mais velho e com cabeça dura, que não se deixa levar
por essa onda de “combate” à corrupção sem regras de engajamento e sem respeito
aos costumes da guerra.”
Eugênio José Guilherme
de Aragão é um jurista brasileiro. Integrou o Ministério Público Federal de
1987 até 2017 e foi Ministro da Justiça em 2016.
http://www.portalarrudabastos.com.br/2017/06/08/3044/
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