De
todas as pautas que orbitam as obscuras e desonestas reivindicações da elite
brasileira caninamente seguida e bajulada por uma classe média sabidamente
preconceituosa, racista e conservadora, seguramente a mais cretina é a que diz
respeito à tal da meritocracia.
Não
é preciso ser exatamente um gênio nas ciências sociais para entender o absurdo
que é impor metas iguais para pessoas pertencentes a classes sociais tão
diferentes sob um regime social, político e econômico tão excludente como o que
se perpetuou no Brasil séculos após séculos numa sociedade que, entre outras
coisas, manteve sua construção sobre uma estrutura puramente escravocrata.
Os
exemplos das desigualdades são imensos e escancarados, mas vergonhosamente
teimamos em não querer enxergá-los, muitas vezes por covardia, medo, despeito
ou, quem sabe, maldade mesmo. O tema em si é digno de um verdadeiro tratado
acadêmico que inevitavelmente nos levaria à conclusão da enorme discrepância do
país que pensamos ser para o país que realmente somos.
Como
esse espaço não é exatamente o mais apropriado para algo com tamanha pretensão,
tenhamos como base a vida que, por si só, cuida de ser didática pelo exemplo.
Tomemos
o nosso querido Michelzinho, filho do mais incompetente, odiado e mal avaliado
presidente da República que já tivemos desde a redemocratização brasileira.
Michelzinho
estuda na Escola das Nações, um colégio internacional localizado num dos
bairros mais nobres da capital do país, onde a singela mensalidade gira em
torno dos R$ 4.000,00. Michelzinho, em função das mutretagens do pai que ora
assume um cargo que a democracia jamais o daria, pode contar com seguranças
pagos pelo malfadado contribuinte para irem deixá-lo e buscá-lo sob um
cinematográfico esquema de segurança.
Vislumbrado
nosso pequeno personagem, tomemos agora o caso de Rivânia, uma criança de 8
anos criada pelos avós, moradora no distrito de Várzea do Una, município de São
José da Coroa Grande, zona da mata de Pernambuco.
Afetados
pela enchente, a família de Rivânia teve a sua casa inundada e tiveram que sair
às pressas sob as condições mais precárias que se pode imaginar. Ao ouvir de
sua avó que levasse consigo apenas os seus bens mais importantes, Rivânia
salvou o único bem que poderia, no futuro, lhe salvar, seus livros.
Michelzinho
e Rivânia representam na mais fria e cruel realidade os extremos de nossa
desigualdade. Enquanto Michelzinho possui dois apartamentos milionários em seu
nome, Rivânia não sabe sequer onde irá dormir esta noite.
São
duas crianças na mesma faixa etária com estilos de vida diametralmente opostas.
Mesmo assim, daqui a 20 anos, talvez por uma trágica ironia do destino,
Michelzinho, com toda a sua vida estruturada e bem-sucedida, olhará para
Rivânia e lhe perguntará com a peculiar empáfia de quem jamais passou
necessidade: por que você não se esforçou mais?
Então,
vamos falar de meritocracia?
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/meritocracia-no-pais-de-michelzinho-e-rivania-menina-que-salvou-livros-da-cheia-em-pe-por-carlos-fernandes/
Um comentário:
um título para esse texto/reportagem que me veio a mente assim que vi a postagem e a profundidade do tema merecia um título como de um livro: A Menina que Salvava Livros, parafraseando um livro famoso A Menina que Roubava Livros de Markus Zusak.
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