Na
minha pauta de artigos semanais seria outro o tema do comentário desta sexta.
Os recentes episódios da política nacional, no entanto, me obrigaram a abordar,
novamente, as mazelas do judiciário brasileiro. Um tema que, infelizmente, tem
sido recorrente, mas que, dadas as circunstâncias, se tornou obrigatório.
Reconheço
que é muito difícil fazer justiça numa sociedade de classes, em que o poder, a
renda e a riqueza se distribuem de forma absurdamente desigual. O “todos são
iguais perante a lei” é mera retórica numa sociedade burguesa onde existem o
estatuto da fiança e o foro privilegiado.
Sabe-se
que em todos países do mundo a população carcerária é composta majoritariamente
de indivíduos pobres, na sua maioria negros. No Brasil, os presos vivem em
condições sub-humanas, são vítimas de brutal violência e até de genocídios. Nos
Estados Unidos onde o sistema carcerário tem condições materiais muito
melhores, também a maioria dos prisioneiros é pobre e negra. Lá, acordos com a
promotoria constituem a regra, as prisões ocorrem predominantemente sem
julgamento. Com a vigência da 13ª Emenda, os presos podem ser obrigados a
prestar trabalho escravo. Quem tiver interesse pelo assunto há um excelente
documentário na Netflix: “A 13ª Emenda”.
A
justiça burguesa, por sua natureza imperfeita, tem que respeitar certas regras
e limites, pré-condições para que tenha um mínimo de credibilidade. Respeito à
soberania do povo, pelo menos formal, expressa através do voto popular, defesa
intransigente das garantias constitucionais, dos direitos do cidadão ao amplo
direito de defesa, à presunção de inocência. Um magistrado tem que ter postura
discreta, o mais distante possível dos holofotes da mídia e lhe é vedada a
filiação e adesão qualquer partido político.
O
judiciário brasileiro é exatamente o oposto disso. Caro, ineficiente,
conservador, hermético, se coloca acima da lei. Seus quadros são
majoritariamente oriundos das classes altas, negros e mulheres são minoria.
Foram, à exceção de alguns solitários gestos heroicos, paus mandados da
ditadura militar. E o que já era ruim, piorou. Especialmente na última década
os desvios e distorções aumentaram.
Sem
nenhum pudor os juízes aumentaram seus rendimentos criando vantagens como o
absurdo auxílio-moradia e outros penduricalhos imorais que resultaram em
remunerações muito acima do teto constitucional. Nossos juízes punem mas não
são punidos. Pesquisa do IPEA revelou que entre 2006 e 2015 foram aplicadas por
ano, em média, sete sanções leves nos mais de 17 mil magistrados brasileiros:
um percentual de 0,04% que aproxima “suas excelências” da santidade. Quando
fica comprovado que um magistrado cometeu um grave delito – venda de sentença,
favorecimento a empresa – não é preso nem demitido, é “convidado” a aposentar-se,
com vencimentos, é claro.
A
degringolada total do judiciário brasileiro começou lá em meados da década
passada com o início da Ação Penal 470. O julgamento do “mensalão do PT”
transformou Joaquim Barbosa em herói nacional. De atropelo em atropelo, buscando
na Alemanha dos anos trinta uma discutível jurisprudência, Barbosa condenou sem
piedade, iniciando o que a grande mídia rotulou de “a grande e necessária
faxina”. O verdadeiro alvo, os mais atentos sabiam, não era a corrupção e sim o
PT.
Tivemos
depois 2013, a grande encruzilhada. Comandada pela Globo, a mídia conseguiu
mobilizar as classes médias contra o governo. Havia um grande descontentamento
dos estratos médios com os programas sociais – bolsa família, subsídios à
educação superior (PROUNI), etc – que combinados com o sistema de cotas raciais
e a melhoria do salário mínimo e dos salários em geral provocou uma verdadeira
“avalanche”. A paz dos aeroportos foi subvertida, pobres passaram a ocupar
assentos nas universidades federais. O apoio do PT e de seu governo ao
movimento LGBT foi a gota d’água que faltava. Os setores mais reacionários
passaram a rotular o PT como expressão de “tudo que havia de ruim”. As
manifestações de 2013 consolidaram o MBL, multiplicaram os “coxinhas”, fizeram
ecoar o som das panelas.
O
crescimento da direita fez florescer um caldo de cultura nazista, consolidou um
exacerbado sentimento anti-PT. Estavam dadas as condições para o início da fase
2, a operação Lava Jato.
Delações
premiadas suspeitas, “convenientes”, vazamentos seletivos, conduções
coercitivas, desrespeito à presunção de inocência e ao direito de ampla defesa.
Tudo realizado com o consentimento do Supremo, com a participação da
Procuradoria Geral da República. Há que registrar, também, o constrangedor silêncio
da OAB.
Nos
últimos três anos, o Supremo perdeu totalmente a credibilidade. Gilmar Mendes é
a própria figura do anti-magistrado: autoritário, grosseiro, parcial, não tem
nenhum cuidado de mostrar o que é: atuante quadro político do PSDB, por isso
chamado de Gilmar 45. Agride os demais ministros, desrespeita princípios
basilares do exercício da função: os demais ministros calam e assim, consentem.
Dois ministros do Supremo foram flagrados em ação nepotista, interferindo para
que suas filhas, advogadas neófitas, fossem escolhidas para o cargo de
desembargador federal.
Tiveram
êxito. Outro ministro morre num acidente num avião de propriedade de um
empresário suspeito, réu em várias ações em que é acusado de ter cometido
ilícitos graves. Um outro, ultrapassa o limite do que há de atrasado e
reacionário, beira o fascismo. Os ministros não têm limites nem obedecem
regras: pedem vistas e dormem em cima de processos por meses e meses e até
anos, certamente para proteger interesses nada republicanos. Gilmar Mendes
libertou conhecidos fichas sujas como Pita, Maluf, Daniel Dantas, dentre
outros. Foi também flagrado em conversa telefônica com Aécio em que combinaram
encaminhamentos políticos de interesse comum.
Logo
em seguida, por uma dessas incríveis coincidências, Gilmar foi “sorteado” para
uma das ações que pesam contra o amigo. E não se declarou impedido. Temer,
depois das gravações e das gravíssimas denúncias da JBS continua solto e ocupa
a presidência cercado por ministros também indiciados. Serra, depois de constatada
existência de um milionário depósito seu na Suíça está por aí, flanando. Aécio
idem. Prendem e seguida libertam a sua irmã.
O
Brasil vive o mais humilhante e vergonhoso momento de sua história. Uma direita
corrupta urdiu um golpe que derrubou uma presidenta legalmente eleita colocando
no seu lugar um bando de desonestos, uma máfia profissional. E este absurdo se
tornou possível pela ação e vontade de um Congresso corrupto que contou com o
aval e a cumplicidade da cúpula do judiciário brasileiro.
.oOo.
Paulo Muzell é
economista.
http://www.sul21.com.br/jornal/o-desmoralizacao-do-judiciario-brasileiro/
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