A
maioria de nós, quando imagina o que é a Previdência Social, pensa em uma caixa
ou em um fundo de investimentos, onde é guardado nosso dinheiro, que recolhemos
enquanto estamos na ativa como trabalhadores, para quando estivermos mais
velhos podermos recebê-lo de volta na forma de aposentadoria.
Alguns
também acreditam que a Previdência Social é como uma seguradora, em que muitos
pagam para garantir o “seguro” ou a aposentadoria daqueles que já atingiram
certo tempo de contribuição ou certa idade.
Dentro
dessas ideias está embutida a noção de que é preciso contribuir para formar uma
“poupança” para ter direito a receber no futuro. Mais ainda, está implícito que
se a “poupança” for insuficiente haverá uma “crise”, pois não será possível
pagar de volta os trabalhadores que se aposentam. A não ser que o governo
resolva assumir “deficits” astronômicos para sustentar os velhos.
E
cá estamos nós diante da “crise” que demanda uma reforma da previdência, não é
mesmo?
Bem,
nessa altura é preciso saber que esses conceitos acima sobre a Previdência
estão errados. A Previdência não é um fundo de investimentos, não guarda a
contribuição dos trabalhadores, não é uma seguradora e não é uma poupança.
Em
certo momento da história do capitalismo, tomou-se a decisão política de
proteger a velhice, de “transferir” alguma renda para aqueles que não podiam
mais ser produtivos, que não conseguiam mais participar do mercado de trabalho.
Essa
transferência de renda precisava ser financiada de algum modo. Precisava ser
criado um ou mais “impostos” para custear essa “transferência”. Ressaltemos,
aqui, que é exatamente isso que a Previdência é: uma cobrança de impostos
seguida de uma transferência para aqueles que a sociedade politicamente decidiu
que tinham direito a recebê-la.
Mas
a Previdência não guarda meu dinheiro para quando eu me aposentar?
Não.
Sua contribuição é como qualquer imposto que entra no caixa do governo e sai
para pagar as despesas, nesse caso as aposentadorias. E não é só a sua
contribuição que compõe esse montante para pagar os aposentados. Além da
contribuição dos trabalhadores que estão na ativa, agregam-se as contribuições
das empresas e alguns impostos, como a COFINS, que é uma sigla para
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social e a CSLL, sigla da
Contribuição Sobre Lucro Líquido.
Aliás,
a COFINS e a CSLL foram criadas porque houve a decisão política que o governo,
na condição de empregador dos funcionários públicos, também deveria contribuir
para que os brasileiros tivessem alguma renda na velhice.
A
Previdência tem deficits enormes que, no futuro, serão insustentáveis, não é
verdade?
Bem,
essa questão do deficit da Previdência precisa ser entendida de uma vez: quando
se soma as contribuições dos trabalhadores com a contribuição das empresas e os
impostos (contribuições) criados para financiar a seguridade social não há
deficit. Acontece que os sucessivos governos, desde Collor, resolveram chamar
essa contribuição do governo, que é custeada pela Cofins, CSLL e outros
impostos, de deficit.
Há
inúmeros economistas que reafirmam que o “deficit” divulgado pelo governo e
pelos meios de comunicação não passa de um mecanismo para convencer a população
a, não só não reivindicar mais benefícios, como aceitar cortes de direitos.
Os
próprios auditores fiscais, reunidos na ANFIP – Associação Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal, concordam que o governo só considera as
contribuições dos trabalhadores e das empresas para o cálculo do resultado da
Previdência. Veja o que diz o presidente da ANFIP, Vílson Romero: “É preciso
ser considerada também a arrecadação de outras contribuições sociais, como por
exemplo a Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social (Cofins)”.
Então
a previdência não está e não estará em “crise” no futuro?
“Uma
vez aceita a verdadeira natureza previdenciária de cobrança, contemporânea, de
imposto, e transferência via pagamento de benefício, a ideia de uma “quebra da
previdência” perde seu sentido lógico. Afinal, isso só seria possível caso
houvesse uma acumulação de ativos que deveria fazer frente a compromissos fixos
de remuneração futura e uma incompatibilidade atuarial entre tais ativos e
compromissos explicitaria tal ‘‘quebra’’,” apontam Bastos e Oliveira (2017).
A
verdade é que estamos sendo ameaçados por uma “crise” que só existe na cabeça
de quem quer retirar direitos dos trabalhadores e voltar ao nível civilizatório
de séculos passados. A expressão “crise” não é adequada para descrever uma
decisão política, tomada pela sociedade, de tributar uma parcela da sociedade,
empresas e trabalhadores na ativa, para transferir como renda para aposentados
e pensionistas.
O
que se pode e se deve é rever essa decisão, de tempos em tempos, para adequar
essa repartição. Para isso, é preciso levar em conta o perfil populacional, a
maior longevidade da população como temos ouvido, mas também outras variáveis
econômicas como a produção do país por habitante (produto per capita), o nível
de emprego, o salário real, dentre outras.
As
decisões devem ser tomadas a partir do impacto social que terão entre aqueles
que pagam e aqueles que recebem. Decisões tomadas às pressas, sob a espada de
uma “crise” inexistente, não levarão em conta todos os aspectos necessários
para alcançar maior justiça social.
Não
estamos retirando da sociedade recursos que poderiam virar investimentos?
Aqui
é preciso compreender que o mecanismo de tributação-transferência devolve os
recursos para a sociedade. Os aposentados e pensionistas, ao receberem suas
pensões, irão gastá-las, possivelmente a totalidade, em consumo para suas
subsistências e de suas famílias.
Nas
palavras de Bastos e Oliveira, a redistribuição de renda tem o efeito de, ao
aumentar o consumo, tornar os investimentos mais atraentes: “… a redistribuição
de renda decorrente, possivelmente elevaria a propensão a consumir da economia,
o que, tendo o PDE [Princípio da Demanda Efetiva] como válido, estimularia o
investimento e, com isso, o emprego, o crescimento da produtividade e a renda
per capita”.
Em resumo
“Se
por um lado o envelhecimento populacional é um fato em diversos países, isso
não implica que a contrapartida deva ser no sentido de restringir os benefícios
previdenciários. A equação financeira do sistema pode e deve ser mantida pela
perseguição de políticas de pleno emprego que garantam elevadas taxas de
crescimento do produto, aumentando a base de tributação.” (Bastos e Oliveira)
Notas
1-
Esse texto se apoiou no estudo A verdadeira natureza macroeconômica do sistema
público de contribuição da previdência social, de Carlos Pinkusfeld Bastos e
Bruno Rodas Oliveira, ambos do Instituto de Economia, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, disponível em:
http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/discussao/2017/tdie0152017bastosoliveira.pdf
2-
O site da ANFIP tem muitas informações e uma longa apresentação sobre a
Previdência Social: www.anfip.org.br
https://jornalistaslivres.org/2017/06/crise-da-previdencia-e-mais-uma-balela/
Nenhum comentário:
Postar um comentário