Do
Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
No
artigo abaixo, Grazielle David, assessora política do Instituto de Estudos
Socioeconômicos (Inesc), explica o passo a passo seguido da maneira mais rápida
possível pelo governo Temer, para entregar a principal encomenda do golpe.
A
crise econômica de 2008 foi utilizada como justificativa para a adoção de
medidas de austeridade na Europa. Os resultados foram catastróficos,
especialmente em países como Grécia e Espanha, tendo ocorrido inclusive um
reconhecimento do Fundo Monetário Internacional (FMI), por meio de estudos
empíricos, de que cortes orçamentários durante recessões econômicas têm a
tendência de ampliar os déficits fiscais e prolongar a recessão, ampliando os
níveis de desemprego e desacelerando a recuperação econômica.
O
Brasil tem se destacado pelo volume, intensidade e perversidade das medidas de
austeridade adotadas. O governo Temer que assumiu em 2016, após destituição da
presidente democraticamente eleita, tem avançado um pacote de maldades contra o
povo brasileiro em passos largos. É importante destacar que: tanto o presidente
quanto seus ministros estão profundamente envolvidos nas denúncias de corrupção
em andamento, o país vive um cenário de crise institucional e política, e as
propostas do governo nunca foram submetidas ao voto popular.
Entre
as mais perversas medidas, o governo Temer apresentou e aprovou no Congresso
Nacional, em 2016, uma proposta de Emenda à Constituição para instituir um
“novo” regime fiscal, o qual determina que as despesas primárias, onde estão
todos os gastos sociais, a partir de 2017, terão um teto: corresponderão ao
valor pago em 2016 reajustado apenas pela inflação. Na prática, isso
representará um congelamento dos gastos sociais por 20 anos, ou ainda pior,
como a população crescerá em 9% e dobrará sua população idosa ao longo dos 20
anos, na realidade as despesas sociais per capita serão reduzidas. É ainda
importante destacar que existe no país uma normativa que permite
contingenciamentos orçamentários para atender a meta de superávit primário, de
acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentária. Se a meta for muito restritiva, os
gastos sociais não apenas estarão congelados, como serão inferiores em
comparação com o ano anterior. Ampliando a análise, quando o país voltar a
crescer, toda arrecadação a mais do país não poderá ser utilizada nos gastos
sociais para ampliar direitos, devido ao teto das despesas primárias, somente
poderá ser utilizada nas despesas financeiras, para pagar juros e dívida.
Medidas
de controle de despesas primárias estão sendo adotadas pelo mundo; porém, o
caso brasileiro é único: I. Foi
determinado por alteração constitucional; II. Por um prazo excessivo de 20 anos
o que inviabiliza a adoção de outra política fiscal aos futuros governos
eleitos democraticamente; III. Com impossibilidade de crescimento real dos
gastos sociais ao limitá-los à correção inflacionária, ao invés da variação de
médio prazo do PIB como foi feito em muitos países europeus; IV.
Desconsiderando qualquer necessidade social que por si só viria a exigir
maiores investimentos sociais. Por exemplo, somente o envelhecimento
populacional demandaria um acréscimo de 37% nas despesas com saúde.
Em
perspectiva, se essa Emenda tivesse sido aprovada desde 2013, o orçamento da
saúde em 2015 teria sido quase a metade do que foi de fato, R$ 55 bilhões ao
invés de R$ 100 bilhões. Para os próximos 20 anos, a previsão é de redução de
25% em uma política pública que já é historicamente seriamente subfinanciada.
Dessa
forma, a Emenda Constitucional n.95/2017, previamente conhecida como PEC 241 e
depois PEC 55, é inteiramente incompatível com as obrigações de direitos
humanos, conforme declarou o relator especial da ONU para extrema pobreza e
direitos humanos, Philip Alston, para quem a emenda afetará de forma mais
intensa os brasileiros mais pobres e mais vulneráveis, além de ampliar as
desigualdades numa sociedade já bastante desigual.
O
Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (ONU) já
emitiu direções específicas que devem ser observadas pelos países parte do
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais quando esses
adotarem medidas em resposta a crises econômicas. Para estarem de acordo com o
Pacto, as medidas fiscais devem: ser temporárias; estritamente necessárias e
proporcionais; não discriminatórias; levar em consideração possíveis medidas
alternativas, inclusive medidas tributárias; identificar e proteger o conteúdo
mínimo e central dos direitos humanos; e serem adotadas somente após cuidadosa
análise com genuína participação social no processo de tomada de decisão,
especialmente dos grupos e indivíduos afetados.
Com
a EC 95, o governo Temer falhou em considerar todos esses critérios. A Emenda
não é temporária ao se estender por 20 anos e para além do período de crise
econômica. O teto aos gastos sociais afetará desproporcionalmente os mais
vulneráveis, como as mulheres e crianças negras pobres, que são justamente os
que mais dependem dos serviços públicos, como saúde e educação. Medidas
alternativas não foram analisadas, especialmente as que poderiam melhorar e
ampliar as receitas de forma mais equitativa. Algumas possibilidades seriam: I.
Combater a evasão fiscal que representaria um acréscimo de 27% do valor
arrecadado, o que em 2015 correspondeu a R$ 500 bilhões; II. Ampliar a
contribuição dos super ricos com a revogação da não tributação dos lucros e
dividendos no imposto de renda, o que em 2015 teria correspondido a R$ 43
bilhões. Com essas medidas poderiam ter sido evitados cortes drásticos em
gastos sociais. Por fim, o governo e diversos congressistas não realizaram
análises sobre os efeitos das medidas, nem permitiram participação social
adequada, ao apressar a aprovação da Emenda e inviabilizar a realização de
Audiências Públicas já previamente aprovadas.
A
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ao considerar todos esses
elementos apresentados em audiência pública, orientou o governo brasileiro a
respeitar os princípios de progressividade na realização dos direitos humanos e
de não regressão social, em conformidade com o Protocolo de São Salvador, que o
Brasil ratificou em 1996. De acordo com esse documento, os países signatários
são proibidos de adotar medidas políticas e legais sem adequada justificativa
que piorem a situação de gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais pela
população.
Em
avaliação pelo Inesc do orçamento para 2017 do Brasil é possível observar os
primeiros indícios de desrespeito tanto das orientações da ONU quanto da CIDH,
o que implicará em afronta aos direitos sociais das brasileiras e dos
brasileiros em decorrência da austera EC 95. De 2016 para 2017 ocorreu um
crescimento de 17,20% dos recursos públicos para despesas financeiras. Por
outro lado, as despesas primárias sofreram uma redução de 14,2% na participação
do bolo do Orçamento da União.
Os
dados orçamentários evidenciam que são as funções e programas orçamentários
relacionados com as populações em maior que mais perderão. Como exemplo, a
função “Direitos de Cidadania” foi a que teve maior perda orçamentária.
Nominalmente, essa função saiu de R$ 2,4 bilhões em 2016 para R$ 1,6 bilhões em
2017, um corte de 47%. Dentro dessa função, o programa mais atingido foi o de
“Políticas para as Mulheres: Enfrentamento à Violência e Autonomia” que teve
uma redução de 52%. É esse Programa que garante, por exemplo, o atendimento às
mulheres em situação de violência. Essa ação orçamentária reduziu R$ 5,5
milhões no seu valor em 2017. Em contrapartida, para os juros, em 2016, foram
pagos com serviço da dívida interna e externa R$ 381 bilhões, e em 2017 a
previsão é de R$ 557 bilhões, o que representa um crescimento de 46%.
Ou
seja, enquanto a fatia das despesas financeiras cresceu de 2016 para 2017, a
das despesas primárias reduziu, provando que a lógica da EC 95 determina
recursos cada vez mais protegidos para o financismo e cada vez mais limitados
para os direitos humanos. O que afronta os princípios de não regressão social,
não discriminação e de uso máximo de recursos disponíveis para a realização
progressiva de direitos humanos.
(texto originalmente
publicado em espanhol no site da Agência Latinoamericana de Información – Alai)
http://www.ocafezinho.com/2017/05/26/temer-e-o-desmonte-do-sistema-de-protecao-social/
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