Faço
uma análise de alguns artigos da reforma trabalhista aprovada na Câmara dos
Deputados e que seguiu para o Senado Federal. Fiz o texto com intenção apenas
na técnica e apresentando a experiência de quem atua na área trabalhista.
1. Alteração do
conceito de grupo econômico
Proposta de alteração:
Art.
1º A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº
5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art.
2º § 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas,
personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou
administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia,
integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações
decorrentes da relação de emprego.
§
3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo
necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse
integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas
dele integrantes. (NR)
O que isso significa?
Se
você tiver uma ação trabalhista contra um determinado grupo econômico, e o
patrão não pagou as verbas trabalhistas, mas mesmo assim esse patrão possui
outra empresa ou até mesmo abre outra empresa, ele não será responsabilizado
pelas dívidas trabalhistas.
Isso
prejudica os trabalhadores, especialmente na fase de execução, e retira do
patrão a responsabilidade de débitos contraídos quando se aproveitou da força
de trabalho do empregado.
2. Adequação do
conceito de tempo de serviço ao empregador
Proposta de alteração:
§
2° Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado
como período extraordinário o que exceder a jornada normal, ainda que
ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no § 1º do art. 58 desta
Consolidação, quando o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal,
em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, bem como
adentrar ou permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades
particulares, entre outras:
I
– práticas religiosas;
II
– descanso;
III
– lazer;
IV
– estudo;
V
– alimentação;
VI
– atividades de relacionamento social;
VII
– higiene pessoal;
VIII
– troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a
troca na empresa. (NR)
O que isso significa?
Trata-se
de norma protetiva ao empregador contra eventuais condutas do empregado quando
este não estiver, de fato, à disposição do patrão.
Em
matéria processual, consistirá ônus da prova do patrão comprovar o período em
que o empregado estiver nas hipóteses acima mencionadas.
3. Subsidiariedade
do Direito comum
Texto proposto:
Art.
8º § 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.
Equivocadamente,
retira-se do texto legal a menção à aplicação dos princípios fundamentais, como
se não tivesse importância para a conjectura do Direito laboral.
4. Redução do
poder interpretativo do TST
Texto proposto:
Art.
8º (...) § 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo
Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não
poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não
estejam previstas em lei.
O que isso significa?
O
que está escrito no texto legal é bastante óbvio. Com isso, a intenção do
legislador é de apenas restringir o alcance do poder interpretativo do TST.
Retira-se do julgador o processo hermenêutico. Ocorre que o exame de
compatibilidade constitucional do texto aprovado — caso seja aprovado no Senado
— será realizado pelos julgadores, eis que se trata de núcleo fundamental de
atuação do Poder Judiciário.
5. Prevalência das
normas coletivas sobre o legislado
Texto proposto:
Art.
8º § 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a
Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos
essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo
princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. (NR)
Implementa-se
aqui o instituto do princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade
coletiva, até então não agasalhado de maneira pacífica pela doutrina
trabalhista.
O
problema, em relação a esse tema, é a falta de confiança dos trabalhadores nos
sindicatos, que são, politicamente, considerados “pelegos”. Trata-se de um
fortalecimento do “poder” dos sindicatos. Ocorre que, com o fim do imposto
sindical, os representantes sindicais terão menores condições de negociação ou
força para exercer pressão no patrão. A igualdade de condições de negociação
sequer existirá, prejudicando fortemente os trabalhadores.
6. Redução da
responsabilidade do sócio retirante
Texto proposto:
Art.
10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas
da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações
ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada
a seguinte ordem de preferência: I – a empresa devedora; II – os sócios atuais;
e III – os sócios retirantes.
Parágrafo
único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar
comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do
contrato.
O que isso significa?
Significa
maior dificuldade de execução das decisões trabalhistas. Trata-se de um dos
piores retrocessos em se tratando de execução — resolução — dos julgados, tendo
em vista que a responsabilidade subsidiária amplia sobremaneira a demora nas
execuções trabalhistas.
7. Positivação e
restrição do conceito de interrupção do prazo prescricional
Texto proposto:
Art.
11. (...) § 3º A interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de
reclamação trabalhista, mesmo que em juízo incompetente, ainda que venha a ser
extinta sem resolução do mérito, produzindo efeitos apenas em relação aos
pedidos idênticos. (NR)
Trata-se
de positivação do Enunciado 268 da súmula de jurisprudência do TST.
Tal
preceito legal encontra-se em desarmonia com a reforma trabalhista,
especialmente porque se amplia a tentativa de solução extrajudicial dos
conflitos. Porém, apenas o “ajuizamento de reclamação trabalhista” implicará a
interrupção da prescrição. O preceito deveria ser readequado aos vetores que
motivaram a reforma trabalhista.
8. Criação da
prescrição intercorrente no processo do trabalho
Texto proposto:
Art.
11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de
dois anos.
§
1º A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente
deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução.
§
2º A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de
ofício em qualquer grau de jurisdição.
O que isso significa?
A
Súmula 114 do TST proclamava a impossibilidade de prescrição intercorrente no
âmbito do processo do trabalho. Registre-se, por oportuno, que nos processos de
execução fiscal a prescrição intercorrente era plenamente aplicada.
Com
a criação da prescrição intercorrente, muitos processos do trabalho serão
extintos, na fase executória, quando determinações judiciais não forem
cumpridas. A título de exemplo, um trabalhador é intimado para apresentar o
novo endereço do reclamado. Caso o exequente não apresente o novo endereço,
ocorrerá a prescrição intercorrente. Isso facilita a sensação de impunidade dos
empregadores ruins, incentivando a prática nociva e desrespeitosa às questões
trabalhistas.
9. Multa ao patrão
que não assinar carteira
Texto proposto:
Art.
47. O empregador que mantiver empregado não registrado nos termos do art. 41
desta Consolidação ficará sujeito a multa no valor de R$ 3.000,00 (três mil
reais) por empregado não registrado, acrescido de igual valor em cada
reincidência.
§
1º Especificamente quanto à infração a que se refere o caput deste artigo, o
valor final da multa aplicada será de R$ 800,00 (oitocentos reais) por
empregado não registrado, quando se tratar de microempresa ou empresa de
pequeno porte.
§
2º A infração de que trata o caput deste artigo constitui exceção ao critério
da dupla visita.
Trata-se
de proposição que obriga o empregador a se resguardar quanto à modalidade do
contrato de trabalho a ser realizado. Do contrário, poderá pagar a referida
multa.
10. Fim das horas
in itinere
Texto proposto:
Art.
58. § 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva
ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer
meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado
na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.
O que isso significa?
O
trabalhador que caminhar, na sede da empresa, durante uma hora (situação muito
comum nas empresas mineradoras) para começar a prestar serviços não terá de
direito a computar o referido período como horas trabalhadas, muito embora
esteja à disposição do empregador.
Ponto
positivo: tal preceito estimula o empregador a fornecer condução aos
trabalhadores.
11. Positivação da
escala 12x36, sem intervalo para descanso ou refeição
Texto proposto:
Art.
59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às
partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo
coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas
por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os
intervalos para repouso e alimentação.
A
novidade legislativa prevê a possibilidade de impedir o trabalhador de retirar
intervalo para repouso ou alimentação, mesmo tendo de trabalhar durante 12
horas seguidas. Tal situação está em dissonância com a proteção à saúde do
trabalhador.
Recomenda-se
aos patrões não utilizarem o instituto da indenização do intervalo para
repouso, eis que sua constitucionalidade é bastante duvidosa, especialmente em
razão da não observância da dignidade ao trabalhador.
12. Horas extras
habituais não descaracterizam o banco de horas e a compensação de jornada
Texto proposto:
Art.
59-B. O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada,
inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição
do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a
duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional.
Parágrafo
único. A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de
compensação de jornada e o banco de horas.
Trata-se
de esquizofrenia do legislador. Inconsistência lógico-sistemática.
Inconsistência teleológica. Obviamente, chama o empregador para a fraude.
Preceito que sequer deve ser aplicado, eis que em dissonância com o caráter
protetivo ao trabalhador.
13. Restrição dos
empregados que exercem teletrabalho da realização de horas extraordinárias
Texto proposto:
Art.
62. III – os empregados em regime de teletrabalho.
A
instituição do regime de teletrabalho é um dos fatores de modernização da
reforma trabalhista. O controle de jornada dificilmente seria realizado. Em
razão disso, restringiu-se o alcance de horas extraordinárias a quem se
submeter a esse regime.
14. Redução da
hermenêutica jurisdicional com a fixação de parâmetros restritos
Art.
223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I – a natureza do bem
jurídico tutelado; II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III – a
possibilidade de superação física ou psicológica; IV – os reflexos pessoais e
sociais da ação ou da omissão; V – a extensão e a duração dos efeitos da
ofensa; VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII – o
grau de dolo ou culpa; VIII – a ocorrência de retratação espontânea; IX – o
esforço efetivo para minimizar a ofensa; X - o perdão, tácito ou expresso; XI –
a situação social e econômica das partes envolvidas; XII – o grau de
publicidade da ofensa.
§
1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a
cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I
– ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do
ofendido; II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário
contratual do ofendido; III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o
último salário contratual do ofendido; IV - ofensa de natureza gravíssima, até
cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.
Comentário:
quando a legislação pretende adentrar a todas as situações possíveis, o
ofendido fica desprotegido.
O
pobre novamente é desprestigiado na legislação. Quem ganha menos, mesmo que
passe por situações piores e mais constrangedoras, receberá uma indenização
menor do que o rico. Um absurdo.
15.
Irresponsabilidade na sucessão trabalhista
Texto proposto:
Art.
448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos
arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as
contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida,
são de responsabilidade do sucessor.
O que isso significa?
Se
um trabalhador presta serviços durante três anos a uma empresa e esta é
adquirida por outra, apenas a nova empresa será responsável pelos débitos
trabalhistas, fragilizando a percepção de direitos pelo trabalhador. Trata-se
de um convite à fraude.
A
fraude deverá ser comprovada pelo trabalhador que dificilmente conseguirá
demonstrar que a empresa foi adquirida com o fim de afastar a responsabilidade
do empregador.
Kleber Vinicius Melo é
defensor público-chefe da DPU-DF, professor de Direito do Trabalho e Processo
do Trabalho e membro da Câmara de Coordenação e Revisão Trabalhista da DPU.
Revista Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-mai-06/kleber-melo-reforma-trabalhista-simboliza-retrocesso-absurdo
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