sexta-feira, 12 de maio de 2017

O TRIPLEX DE GUARUJÁ: E SE FOSSE O CONTRÁRIO?

Em regra, duas são as principais ações que envolvem bens imóveis. São elas as possessórias e as petitórias.

As primeiras, como o próprio nome já diz, envolvem questões em que a posse está sendo discutida por um possuidor, ou seja, todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. As ações petitórias, por seu turno, envolvem questões referentes à propriedade de um imóvel. É de se ressaltar que a posse é uma situação de fato enquanto a propriedade é uma situação jurídica, sendo ambas protegidas pelo nosso ordenamento jurídico.

A diferença é que nas ações possessórias, de rito mais célere, basta a demonstração da posse sem a preocupação de exame mais profundo, bastando a comprovação do exercício de um dos poderes de propriedade que são o uso, o gozo ou a disposição do bem.  Já as ações petitórias, por tratarem de uma situação jurídica envolvendo o domínio, exigem ab initio a prova de que houve a transcrição de um contrato ou uma escritura pública no Cartório de Registro de Imóveis.

Por ser uma situação fática, para a transferência da posse, não se exige e nem é possível o título do possuidor, conforme o art. 167 da Lei de Registros Públicos. Já no que concerne à propriedade de um imóvel, determina o art. 108 do Código Civil que a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Importante, portanto, que façamos a distinção entre o juízo petitório e o possessório. No primeiro discute-se o domínio; no segundo, a posse. No juízo petitório, por envolver propriedade, estaremos discutindo quem tem o melhor domínio e o proprietário conseguirá vencer a demanda, desde que comprove ter a sua escritura pública registrada no Cartório de Registro de Imóveis, pois somente após tal formalidade, alguém será considerado proprietário de um bem imóvel e detentor de um direito real. Já, no juízo possessório, por envolver a posse, o autor da ação deverá comprovar o exercício de um dos poderes anteriormente referidos, ou seja, o exercício do uso, do gozo ou a disposição do bem.

Podemos concluir, portanto, que o proprietário tem a faculdade de exercer os seus poderes, enquanto o possuidor deve exercer efetivamente tais poderes, sob pena de não ter atendido o seu pleito. Em suma, propriedade é faculdade; posse é exercício.

Pois bem. Nos últimos tempos estamos escutando diariamente as absurdas acusações de que o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva é proprietário de um tal triplex de Guarujá, sem que até agora tenham aflorado nos autos do processo provas de que ele possuía o título translativo devidamente registrado no Registro de Imóveis. Aliás, não comprovam sequer a posse, quanto mais a propriedade e é isto que torna mais ridícula a acusação que imputam a ele.

Agora, imaginemos o contrário, ou seja, que Lula resolvesse reivindicar para si o tal triplex, já que seus acusadores afirmam com tanta veemência que ele é de sua propriedade. Como ele seria tratado pelo ordenamento jurídico?

Evidentemente ele não obteria êxito em nenhum dos casos; nem em uma ação possessória e nem em uma ação petitória. Isto porque para ter seu pleito atendido no primeiro caso, deveria comprovar o exercício de fato de um dos elementos denotadores da posse, enquanto que no caso da ação petitória, a primeira coisa que deveria comprovar seria o título de propriedade devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Assim sendo, ele fatalmente perderia a demanda e, ao final não seria considerado nem possuidor, e muito menos proprietário do triplex. Basta fazermos uma pesquisa jurisprudencial e teremos tal assertiva confirmada cabalmente.

Bem, mas como existe um concerto entre segmentos putrefatos dos poderes executivo, legislativo e do judiciário com o objetivo de evitarem que Lula venha a concorrer nas próximas eleições presidenciais, vale tudo, até mesmo contrariar toda a jurisprudência pátria a respeito de posse e propriedade, tudo com o objetivo final de atingirem seus deletérios objetivos.

Apenas um aviso aos senhores que querem deturpar estes institutos jurídicos que já estavam bastante consolidados através dos tempos, tanto pela legislação, pela doutrina quanto pela jurisprudência. Ao criarem este perigoso precedente, eles poderão estar dando um tiro no próprio pé e amanhã poderão ser vítimas deste mesmo monstro jurídico que estão ora criando.

Aliás, vai ser divertido quando vislumbrarmos a situação embaraçosa e dispendiosa em que serão colocadas as imobiliárias, construtoras ou incorporadoras quando se depararem com pessoas que visitem duas ou três vezes as unidades imobiliárias que estão à venda para decidirem sobre se vão adquiri-las ou não, ingressarem com ações pleiteando a propriedade das mesmas pelo só fato de lá terem sido vistas por lá algumas poucas vezes.

Vai ser hilário, mas em se tratando de golpistas que querem eliminar definitivamente o fenômeno Lula como adversário político, tudo de se pode esperar, inclusive a criação desta aberração jurídica que é a propriedade sem título translativo e sem que o nome do proprietário conste no Cartório do Registro de Imóveis. Uma espécie de Propriedade Anônima.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS



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